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No epicentro da disputa entre Israel e Irã, emergem questões de hegemonia, resistência e a complexa teia de relações internacionais que moldam o futuro da região

1.

A atual guerra entre Israel e Irã não é recente e também não é um conflito apenas entre esses dois países. Na prática, essa guerra está inserida dentro de um contexto maior de perda relativa de poder do Império dos EUA e de ascensão da China como o novo polo dinâmico da economia e da geopolítica mundiais, além da reestruturação da Rússia e sua presença como potência regional, com projeção estratégica global.

Isto posto, ainda nesse preâmbulo, vale a pena lembrar que essa grande região (Oeste e Sudoeste da Eurásia), que não abrange apenas o chamado Oriente Médio, envolve um conflito histórico entre o Estado sionista de Israel e os palestinos, e, especialmente, no passado, com países árabes de maiorias muçulmanas, que se mantinham solidários à causa palestina e, que foram sendo cooptados pelos EUA e Israel, paulatinamente (especialmente Egito e Jordânia).

A relação entre esses dois últimos ocorre desde a criação do Estado de Israel, e foi sendo aprofundada, especialmente, depois das Guerras dos Seis Dias (1967) e da Guerra do Yom Kippur (1973).

Com o reconhecimento de Israel por países árabes vizinhos, após aquele vencer os conflitos elencados, a solidariedade à causa palestina perdeu fôlego entre os estados árabes. No entanto, a presença militar dos EUA e da OTAN na região, que se estendeu através de mais guerras no Afeganistão e Iraque, e atráves da instalação de bases na Arábia Saudita, Catar e Bahrein, incomoda as populações desses países, que mantém, em geral, um sentimento de solidariedade à causa palestina, país mais diretamente afetado pela imposição da existência do Estado sionista.

Apesar de ter outra denominação doutrinária no Islã, o país que mais solidariedade presta à causa palestina, apoiando grupos insurgentes, denunciando Israel e o imperialismo, é o Irã, que possui maioria da população muçulmana xiita (vertente que é a minoria no mundo muçulmano), sendo este país, uma resistência contundente aos interesses sionistas e imperialistas ocidentais na região, desde a Revolução de 1979.

O atual conflito traz consequências políticas a todos os países da região. No entanto, as potências globais cujos interesses geoestratégicos estão mais envolvidos são os EUA, aliados de Israel, e, do outro lado do tabuleiro, temos a Rússia e a China. No caso dos EUA, o interesse econômico e geoestratégico central a ser defendido é o petróleo, compreendendo que essa mercadoria muito contribuiu para o estabelecimento do dólar como moeda de reserva mundial, e segue contribuindo para manter essa variável de projeção de seu poder global, desse modo.

Entretanto, tanto a Arábia Saudita como os Emirados Árabes Unidos, aliados tradicionais dos EUA na política dos petrodólares, passaram a negociar o petróleo a partir de outras moedas, como o caso do renminbi chinês, e, o Irã é um dos grandes impulsionadores desta política de redução do uso do dólar para a compra petróleo.

2.

Essa região, tomando como referência o estreito de Ormuz, é responsável pelo fornecimento de cerca de 21% do petróleo e gás mundial.[i] Assim, para os EUA, o controle do petróleo é vital tanto para manter a hegemonia do dólar como moeda de reserva mundial, quanto para controlar essa matéria prima vital abastecer a indústria consolidada durante o ciclo hegemônico estadunidense.[ii]

No caso dos chineses e russos, e a relação desses com a situação de relativa decadência dos EUA, são diversos elementos que estão sendo avaliados. Entre esses podemos citar contenção do modo imperial estadunidense de agir, que é a contínua violação da Carta das Nações Unidas e a total deslegitimação do Conselho de Segurança da ONU (CSNU).

Por exemplo, o ataque à uma usina nuclear é uma grave violação ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e Israel e os EUA realizaram ataques desse tipo no Irã. Além desse ataque ser uma grave violação ao direito internacional, vale lembrar que o Irã é um dos aliados da China e Rússia e compõe a Organização para a Cooperação de Xangai (OCX), organização internacional inicialmente de caráter militar e de segurança, que vem expandindo sua funcionalidade e relaciona-se fortemente à integração geopolítica dos países-membros.

Ademais, o Irã é um dos países importantes na construção das Novas Rotas da Seda (Belt and Road Initiative/BRI), considerando que recentemente foi construída uma ferrovia que liga a China ao Irã, e uma outra ferrovia que passa por esse país e conecta a Índia à Rússia.[iii]

Isto posto, percebemos que a Rússia e China tem tratado o Irã como uma peça fundamental dado que, o entendimento do regime iraniano e a Rússia, possibilita uma oportunidade de integração e de estabilidade nas fronteiras ao Sul da Rússia, tanto no Cáucaso, onde a Rússia faz fronteira com Azerbaijão, Armênia (ambos os países passaram por conflagração em 2020, no último conflito de Nagorno-Karabakh, acompanhado de perto por interesses de potências regionais e dos EUA e UE), e Geórgia (onde houve intervenção russa em 2008, pela autonomia da Ossétia do Sul e em resposta à possibilidade de o país adentrar na OTAN), além da Ásia Central, cujos países (4 dos 5), fazem parte da OCX e há questões de extremismo, do chamado terrorismo, além de ameaças de regime change (mudanças de regime)com as chamadas revoluções coloridas, contra os interesses russos na região; é importante frisar que há Parceria Estratégica entre Irã e Rússia, assinado neste ano de 2025[iv], porém que não é uma aliança militar.

Em relação aos interesses da China no país persa, há um acordo de Parceria Estratégica de 25 anos, assinado em 2021[v], que prevê investimentos das Novas Rotas da Seda e que envolveu US$ 400 bilhões em investimentos chineses no Irã, especialmente relacionados à modernização da estrutura de transportes e energética, especialmente no setor petroquímico de petróleo e gás, visando à garantia de exportação de energia para a China, o que é uma de suas necessidades estratégicas.

3.

Além desses confrontos globais, essa guerra impulsiona o conflito entre as potências locais que compõem o equilíbrio de poder regional – além de Israel e Irã – como nos casos da Turquia, Arábia Saudita, Egito e Paquistão, o que faz desse conflito um jogo de xadrez a nível regional e mundial. Dos países dessa região, apenas Israel não tem sua sociedade com uma maioria de árabes e muçulmanos.

É importante frisar que essa população árabe e muçulmana que vive em Israel tem a sua plena cidadania negada, como no caso dos palestinos das regiões ocupadas e também aos árabes-israelenses.

Dentre os demais países da região, temos alguns países que a população é de maioria xiita (Irã, Iraque e Iêmen) e outros países cuja população é de maioria sunita (Egito, Líbano, Jordânia, Síria, Palestina, Turquia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Afeganistão e Paquistão). Entretanto, independente de qual doutrina islâmica que cada sociedade possui, todos compõem a Organização para a Cooperação Islâmica (OCI), que conta com todos os países supracitados e possui uma quantidade total de 56 membros permanentes.

Fato é que não existe grande coesão entre esses países, muitos não possuem boas relações diplomáticas entre si, mas parte deles já se posicionou firmemente contra os ataques de Israel e dos EUA ao Irã, como foram os casos de países com uma população islâmica de maioria sunita, que historicamente têm difíceis relações diplomáticas com o Irã e que possuem ampla cooperação com os EUA, como os casos da Turquia, Arábia Saudita e Omã[vi].

As classes dominantes desses países têm diferentes formas de governos, desde monarquias e sultanatos até repúblicas. No caso do Irã, é uma República Islâmica e tem como governante máximo um líder religioso (o aiatolá Khomeini). Entretanto, em todas essas sociedades existe algum nível de participação popular; por exemplo, o Irã possui eleições internas para presidente e parlamentares, e, inclusive, o atual parlamento tem se mantido em funcionamento, orientado e legitimando o atual governo durante a guerra.

Com isso, afirmamos que as classes sociais dominantes dessas regiões possuem um vínculo forte com as cadeias de produção do petróleo, que, em geral, são centralizadas pelas autoridades estatais, ao mesmo tempo que são fonte fundamental de poder, na distribuição, rotas de suprimentos, além de financeiros, de multinacionais e Estados ocidentais parceiros.

E, antes de seguir nos elementos gerais, vale a pena deixar evidente que compreendemos que existe uma quantidade significativa de minorias étnicas nessa grande região, o que vem a complexificar ainda mais uma descrição detalhada do conjunto de relações que ocorrem.

Por exemplo, entre os grupos religiosos ainda poderíamos mencionar que, entre os muçulmanos, há os alauítas, os Ibadi, há minorias cristãs, há grupos étnicos como os curdos, azeris, lurs, balúchis, turcomanos e persas; enfim, existe uma grande quantidade segmentações internas, assim como em diferentes partes do mundo.

Mas, em grande medida, os conflitos da região têm em sua aparência um conflito entre sunitas, xiitas e sionistas. Esses três grupos, supostamente, atuariam de maneira conflitante entre si, e, em diferentes momentos, se aliaram com um ou com o outro para enfraquecer o terceiro.

Ousaríamos também afirmar que a principal fonte de instabilidade regional é o sionismo; afirmamos isso com base nas maiores guerras da região: as Guerras de 1948-49, a de 1967 e de 1973, que sempre foram de árabes islâmicos contra o regime sionista, em que este estava impondo a criação do Estado de Israel na região através de forte apoio da OTAN (leia-se EUA).

4.

Apresentamos, de maneira introdutória e geral, a complexidade dessa grande região, para evidenciar que a guerra que está ocorrendo entre Irã e Israel, na prática, já é uma guerra regional, pois os primeiros ataques genocidas de Israel foram direcionados à Palestina, ampliaram para Líbano, Iêmen e Síria, para, enfim, chegar ao Irã. A diferença é que, apenas esse último país desenvolveu uma tecnologia militar e estabeleceu relações com outras potências militares, que o tornaram capaz de causar danos reais ao Estado de Israel.

O Irã não é uma civilização “pobre e bárbara” como a mídia corporativa tenta vender, e que, infelizmente, inclusive parte esquerda reproduz. O Irã tem sua origem na civilização persa, que é uma sociedade milenar e carrega muitas tradições, sendo um país que possui uma considerável renda petroleira e está investido fortemente em engenharia, sobretudo militar.

Ademais, tem aprofundado sua cooperação militar com países como a Rússia, através da venda de drones para combater na Ucrânia, como, ao se tornar membro pleno da OCX (2023), juntamente com países como China, Rússia, Índia, Cazaquistão, Quirguistão, Paquistão, Tajiquistão e Uzbequistão. Essa organização internacional, inicialmente de caráter securitário, tem contribuído para uma maior aproximação entre esses países em termos de cooperação militar.

Em relação ao investimento militar, é citada a enorme cifra que os EUA investem em sua indústria bélica (chegando a um orçamento de US$ 916 bilhões em 2023[vii] segundo o Banco Mundial, e representando 43% do comércio de armamentos mundiais em 2024[viii], com tendências de aumento) – e aqui fazemos mais uma importante observação para lembrar do profundo vínculo da indústria militar com as classes dominantes dos países envolvidos no conflito.

Não negamos a imensa capacidade militar dos EUA ou de Israel, mas problematizamos quais equipamentos militares possuem maior eficácia, e, por tabela, quais investimentos militares são mais eficientes e possuem melhor custo-benefício.

Por exemplo, durante a Guerra na Ucrânia (a qual consideramos uma guerra por procuração dos EUA e do Ocidente/OTAN contra a Rússia), ficou evidente a capacidade dos russos em produzir armamentos e renovar seu arsenal, enquanto a Ucrânia segue tendo uma imensa dificuldade de ter o suprimento de sua demanda por armas, que partem de toda Europa e dos EUA, o que evidencia, de um lado a autonomia russa, para conduzir suas forças no conflito e a dependência da Ucrânia em relação a terceiros e vulnerabilidade em termo de suprimentos, o que é sentido tática e operacionalmente no campo de batalha.

Ou, outro exemplo que parece mais interessante, é a qualidade dos equipamentos militares produzidos. Quando falamos de qualidade, não estamos questionando a imensa qualidade de um caça F-35 de quinta geração, estamos também avaliando o custo-benefício. Esse F-35 tem um custo médio de US$ 100 milhões[ix], sem mencionar os custos de manutenção que até o ano de 2023 o valor estimado gasto pelos EUA foi de US$ 1,58 trilhões[x], enquanto que um porta-aviões tem custo de produção estimado em torno de US$ 13 bilhões com custos de manutenção/operação que podem chegar a US$ 30 bilhões[xi].

Em contrapartida o míssil hipersônico, largamente utilizado pelos iranianos e russos, com custo unitário estimado entre US$ 10 a US$ 15 milhões[xii], aumentou a possibilidade de atingir até mesmo os grandes porta-aviões, que são os navios de comando de Esquadra (de 100 mil toneladas que antes eram dados como invencíveis) pois são alvos atualmente mais vulneráveis, devido ao advento inovador desses mísseis.

5.

A capacidade de guerra assimétrica e irregular, cada vez mais tecnológica, como os houtis fazem no Iêmen, manuseando mísseis anti navios, drones e outros equipamentos, são um advento importante na guerra moderna.

A capacidade de guerra eletrônica e guerra cibernética, muito baseada em satélites, negação de sinais e informações do adversário é muito utilizada pelos países, e também pelo Irã, que pode utilizar a estratégia de Anti-Acesso e Negação de Área (A2/AD), dificultando a navegação de navios e aeronaves inimigas, em seu entorno estratégico, especialmente no Estreito de Ormuz. Esses meios, aliados a uma Marinha baseada em embarcações menores (como lanchas de ataque e patrulha) que dão flexibilidade nas operações de defesa de costa, podem infringir a embarcações de superfície mais caras e mais robustas (e pesadas), com menor capacidade de manobra, danos, que, mesmo sem capacidade de afundar a embarcação, são capazes de imprimir danos significativos e muitos custos operacionais e de manutenção, aumentando sua vulnerabilidade e a de sua tripulação.

A capacidade de guerra assimétrica de grupos insurgentes e até de países contra potências é algo importante, entretanto, equipamentos como porta-aviões, navios de superfície e meios convencionais de combates terrestres, ainda não estão “aposentados”, assim com tropas de infantaria e fuzileiros navais, em chão, como vemos nos conflitos atuais, na Ucrânia, Palestina e Iêmen.

Um outro problema derivado dessas diferenças de armamentos é o tempo necessário para produzir e repor o arsenal. Os russos já afirmaram que estão fazendo produção em série do míssil hipersônico, enquanto que a capacidade máxima de F-35 anual é de 150 aviões, sendo que um caças desses individualmente demora cerca de 18 meses para ficar pronto e apenas uma empresa tem essa capacidade produtiva[xiii]. Enquanto isso, o próprio Irã tem capacidade própria de produção dos hipersônicos e não temos a menor dúvida que os chineses também.

6.

A área geográfica do Estado de Israel atual é de 22 mil km² e a do Irã é de 1,6 milhões km². A população de Israel é de 8,6 milhões de habitantes e a do Irã é de 85 milhões[xiv][xv]. Os militares na ativa entre os israelenses-sionistas é de 170 mil com 450 mil de reservistas e 35 mil paramilitares, enquanto que no Irã tem 610 mil militares na ativa, 350 mil reservistas e 220 mil paramilitares.

Em termos de aviões militares e os caças, Israel está na frente com cerca de 600 e 240, enquanto o Irã possui cerca de 550 aeronaves e 180 caças. Essas diferenças por si só não evidenciam ainda uma outra desvantagem do Irã que é a qualidade das aeronaves, sendo que Israel possui caças como os F-15, F-16 e o F-35 (quinta geração) e Irã possui caças como o F-14 e Mig-29 (quarta geração)[xvi].

Entretanto, como mencionamos anteriormente, o grande diferencial do Irã são os mísseis hipersônicos, entre outros tipos de mísseis de curto, médio e longo alcance. Enquanto Israel possui poucos mísseis desses, o Irã, numa estimativa por baixo, tinha mais de 3 mil. Essa estimativa seguramente está muito abaixo do que de fato o Irã possui, o próprio governo estimou que apenas 5% do seu potencial foi utilizado até o dia 20/06/25[xvii].

Em compensação, Israel tem um dos melhores sistemas de defesa antiaérea do mundo. Afirmamos isso, mas não nos deixamos enganar pelas retóricas do domo de ferro impenetrável. Como explicam Rodolfo Laterza e o Comandante Farinazzo, os iranianos têm um conjunto de drones e mísseis que são utilizados de forma ordenada com o intuito de provocar um saturamento das defesas antiaéreas sionistas e localizar onde essas estão instaladas.

Uma vez feito isso, através de drones (como o Shahed 136) e mísseis (EMAD), que são bem mais baratos, começam a utilizar os mísseis hipersônicos como o Fattah e o Khorramshahr-4, que possuem maior alcance, maior velocidade e maior capacidade de destruição. Foi assim que conseguiram furar o sistema antiaéreo sionista – formado por o iron dome, Arrow-3 e David’s sling – e atingir diversos alvos militares e estratégicos (sobretudo fontes de energia)[xviii].

Um outro problema para Israel é que manter essa excelente bateria antiaérea é muito custoso e o processo de reposição de equipamentos é mais demorado do que a capacidade de produção e ataque dos mísseis, sendo necessária uma linha logística com imensa capacidade de reposição, o que só pode ser garantida com os suprimentos do Ocidente e dos EUA, sendo um ponto de insegurança e vulnerabilidade militar de Israel. Foi por esse motivo que o Aiatolá Khamenei, quando já iniciado este conflito iraniano-israelense, questionou por quanto tempo Israel continuará conseguindo se defender desse constante ataque realizado pelo Irã.

E no caso da defesa antiaérea do Irã, até então eles têm utilizado, principalmente, um sistema antiaéreo russo, o S-300, mas ainda não demonstrou ter o S-400, que seria o sistema mais avançado russo e que poucos países possuem. Entretanto, durante a guerra da Síria os russos utilizaram o S-400 entre outros, o que significa que o Irã, devido a sua cooperação militar com os russos, ainda é possível vir a utilizá-lo. Ademais, o Irã tem investido na sua autonomia produtiva militar, como nos casos de baterias antiaéreas de médio e longo alcance, por exemplo o Bavar-373 (similar ao S-300 russo), o Talash e o Mersad, versão moderna do sistema Hawk[xix].

Um outro equipamento militar que diferencia ambos os países são os drones. Enquanto que o Irã conseguiu produzir em série um tipo de drone que custa menos de US$ 20 mil[xx], Israel usa drones como o Hermes 450 que custa em torno de US$ 50 milhões[xxi] e outros que custam US$ 40 milhões como o Heron TP[xxii]. Soma-se a isso, que o sistema de defesa de Israel para barrar os mísseis também é muito mais caro, um exemplo é cada vez que se utiliza um míssil de defesa do “estilingue de David” o custo é de US$ 1 milhão[xxiii].

7.

O presidente Donald Trump, que tem atuado de maneira imprevisível, com diversas políticas contraditórias entre seus discursos, especialmente os discursos de campanha, que criticava as ações militares e de assistência de defesa no exterior, e sua prática após assumir seu segundo mandato em janeiro/2025.

Por exemplo, seu discurso de campanha era acabar com a guerra da Ucrânia e não abrir nenhuma nova frente de guerra. Entretanto, ele ordenou um ataque que violou uma das normas do direito internacional mais importantes, que é de não atacar instalações onde existem desenvolvimento de energia nuclear.

Entretanto, Donald Trump não terá total liberdade de ação, já que os democratas estão tentando impedir a continuidade da guerra pelos EUA mediante o Congresso estadunidense. E não são apenas os parlamentares, já que as manifestações contrárias à guerra já estão ocorrendo em diversos países e também nos EUA.

Além disso, Donald Trump tem experientes estadistas como concorrentes, especialmente Xi Jinping e Putin, líderes da China e da Rússia, respectivamente. No dia seguinte ao anúncio de Donald Trump, o qual afirmou que iria atacar o Irã, Putin ordenou um dos maiores ataques feitos até então na cidade de Kiev. Com isso, aparentemente, os russos indicaram que se os EUA viessem avançar na guerra contra o Irã, haveria riscos para perder grande parte ou a totalidade das terras raras que esperam se apropriar na Ucrânia.

E, após o ataque dos EUA a três usinas nucleares iranianas, um dos grandes aliados de Putin, o ex-Primeiro Ministro e atual Vice-Presidente do Conselho de Segurança da Rússia Dmitry Medvedev, afirmou que não seria difícil o Irã conseguir armas nucleares[xxiv]. E, também após o ataque, o ministro das Relações Exteriores do Irã fez uma viagem à Rússia para se reunir com Vladimir Putin.

E outro fator chave ocorrido é que detectaram voos de aviões de carga chinês, tipo Boeing 747, típicos para carga de equipamentos e materiais militares, desembarcaram no Irã. Isso levanta a possibilidade de os chineses estarem abastecendo o Irã com mais mísseis e armas[xxv]. Ademais, após o ataque dos EUA, os chineses se posicionaram firmemente contra a ação, sustentando que a oficialidade chinesa considera evidente que foram gravemente violados os princípios da Carta da ONU.

Ao que parece, os demais membros da OCX podem não se envolver diretamente no conflito (e nos possíveis conflitos no futuro, dada a fragilidade do atual acordo de cessar-fogo), mas muito provavelmente devem fornecer continuamente os armamentos necessários para o Irã, além de reforçar avanços militares em outras frentes de batalha essenciais para os EUA, como no caso da Ucrânia.

E, um outro elemento importante, a quantidade de petróleo que existe no Irã é a maior garantia que este país tem capacidade de arcar com o fornecimento contínuo de mais armamentos e seus aliados, de fornecerem tecnologias úteis à modernização militar iraniana, no futuro.

Em resumo, se o regime iraniano sofrer uma derrocada, haverá aumento da insegurança, especialmente, geopolítica russa e geoeconômica e estratégica chinesa. Em relação à OCX e aos BRICS+, seria um revés de grandes proporções, uma mudança de regime no Irã.

E esse tabuleiro vai ficando cada vez mais complexo ao lembrar que existem outros países com poder de fogo para entrar na guerra. Por exemplo, os países árabes e islâmicos. O primeiro ministro do Paquistão foi um dos primeiros países, que ainda não está envolvido diretamente nesse conflito, a declarar apoio tácito ao Irã e conclamou os demais países islâmicos a se unirem[xxvi]. Vale lembrar que o Paquistão é um dos países que não assinou o Tratado de Não Proliferação de armas nucleares (TNP) e possui suas próprias bombas atômicas.

Além disso, vale lembrar que Israel é conhecido por ter um arsenal de bombas atômicas. De fato, uma bomba atômica tem um efeito poderoso de dissuasão estratégica, e, caso utilizada, irá provocar uma imensa reação da comunidade internacional, o que pode vir a chamar e afastar outros países da guerra. Infelizmente, não podemos duvidar que Israel pode vir a utilizar suas bombas atômicas diante de uma maior ofensiva contra o seu país.

Depois de os sionistas terem bombardeado inescrupulosamente tantos civis inocentes e desarmados em Gaza (além de continuarem avançando na Cisjordânia[xxvii]), inclusive crianças, idosos e enfermos em hospitais e locais de grande aglomeração civil, não podemos duvidar que façam qualquer tipo de ataque inumano como esse, caso se sintam estrategicamente ameaçados por um adversário com poder militar considerável, como o Irã.

Vale lembrar que foi inclusive seu próprio padrinho, os EUA, o único país a utilizar tal arma em agosto de 1945, nos fins da Segunda Guerra Mundial, em áreas civis do território japonês.

Mas também não devemos esquecer que outros oito países (Rússia, China, EUA, França, Reino Unido, Índia, Paquistão e Coreia do Norte) já declaram ter bombas atômicas. Ou seja, um ataque nuclear irá gerar uma reação imprevisível da comunidade internacional, o que poderá atrair as demais potências nucleares para o campo de batalha, ademais que poderá afastar ou convocar todos os países islâmicos, especialmente a nível societário, para uma guerra de grandes proporções, com a possível comoção e sentimento de insegurança de seus povos.

O Estado sionista sabe que se usar essa arma, haverá consequências e represálias imprevisíveis, e tudo isso pode vir apenas aumentar a dificuldade de manutenção da posição de posto avançado dos EUA no Oriente Médio – que é Israel – ou poderá fazer uma avançar uma guerra total entre as grandes potências, o que traz consequências imprevisíveis para a humanidade.

8.

Não podemos descartar, também, um avanço dos EUA e Israel na região, o que só iria prolongar o conflito e deixar algumas terras arrasadas, com sociedades instáveis e economias em ruínas, como ocorreu no Iraque, Síria e Líbia.

Mas esse cenário não necessariamente gera acúmulos diretos para Israel ou EUA – afinal não foram eles que tomaram conta da Síria – mas pode vir a gerar acúmulos, como o que ocorreu no Iraque, mas que teve como consequência o desenvolvimento de organizações terroristas e extremistas que ora servem os EUA, ora servem interesses próprios à revelia dos EUA – vide os atentados de Onze de Setembro (2001) – como bem descrito nas obras de Luiz Alberto Moniz Bandeira (1935-2017)[xxviii]. O único objetivo que pode ser satisfeito com a terra arrasada é impedir que outras nações tenham acesso a essas matérias primas essenciais, o que não é um objetivo menor.

Entretanto, vale lembrar que o “saldo” do Iraque ocorreu no tempo de plena ascensão da hegemonia mundial e unilateral dos estadunidenses, e, em contrapartida, agora estamos assistindo a perda relativa e contundente de poder em diversos terrenos, no econômico, político, e finalmente, no militar.

Além de assistirmos à contestação de sua hegemonia imperial e à ascensão de uma possível multipolaridade, em um período de caos sistêmico, o que aumenta a reação do império visando à manutenção do seu status-quo na distribuição de poder mundial. Para isso, a posse de meios bélicos e o uso da força, em meio à instabilidade, são variáveis estratégicas importantes para o imperialismo, na defesa de seus interesses e de seus aliados contra possíveis rivais e países questionadores dessa ordem, construída do pós II Guerra Mundial, reafirmada no pós Guerra Fria e, em crise paulatina nesse primeiro quarto do século XXI.

Nesse sentido, a reação russa à expansão da OTAN na Ucrânia (2022), é um marco importante nesse contexto e, no presente ano de 2025, esse novo conflito e a resposta iraniana à Israel, na região estratégica do Oriente Médio, que o imperialismo almeja controlar.

E, por fim, o que nos chamou bastante atenção foi o fato de os EUA se empenharam diretamente na guerra. Não que seja algo fora do normal que a máquina de guerra dos EUA esteja impulsionando e se envolvendo em mais um conflito, mas o fato curioso está na entrada efetiva dos EUA numa guerra iniciada por Israel.

Isso significa que o governo dos EUA, para ajudar Israel, decidiu por fazer um ataque ao território do Irã, mesmo sabendo que haveria uma possível retaliação e exposição dos seus soldados a partir de um possível contra-ataque iraniano. Contra-ataque este que foi executado pelo Irã de forma comedida, pois lançaram apenas 19 mísseis[xxix], não centenas, como tem feito em Israel.

Esse ataque iraniano deu um recado, de que eles podem vir a fazer caso haja novo ataque direto dos EUA ao seu território e população, ao mesmo tempo em que foi comedido pois devem ter a expectativa de que a população e congresso estadunidense pressionem Donald Trump para não entrar na guerra. Isto posto, o que queremos deixar evidente foi que mesmo com diversos elementos contrários ao ataque dos EUA, Donald Trump mesmo assim executou, o que evidencia o forte lobby sionista dentro da sociedade estadunidense.

Mesmo com uma intervenção limitada dos EUA, em apoio à Israel, que desejava uma guerra total contra o Irã na Região, vemos a disposição estratégica dos estadunidenses defenderem seu aliado com seus meios e recursos, ainda que os objetivos conjunturais de ambas as classes dominantes e interesses de Estado possam não estar, em certas situações, plenamente alinhadas.

Não podemos esperar que a frágil trégua anunciada por Donald Trump, em 23/06, e o cessar fogo entre Israel e Irã, seja o prenúncio de uma paz duradoura, já que, nessa etapa, não houve claros vencedores e perdedores do conflito. As tensões na região vão continuar e possíveis conflitos futuros virão, em um contexto de mudanças na ordem hegemônica global e seus impactos regionais.

*Guilherme Afonso Gomes dos Santos é doutorando em Economia Política Mundial na UFABC.

*Leonardo Severo é doutorando em Economia Política Mundial na UFABC.

Notas


[i] https://hedgepointglobal.com/pt-br/blog/oriente-medio-e-o-impacto-no-petroleo-asiatico/

[ii] https://aterraeredonda.com.br/dolar-o-centro-da-disputa-pela-hegemonia-global/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=novas_publicacoes&utm_term=2025-06-19

[iii] https://www.brasil247.com/entrevistas/o-ira-e-hoje-um-ator-estrategico-para-russia-e-china-diz-marco-fernandes

[iv] https://www.brasildefato.com.br/2025/01/17/russia-e-ira-assinam-acordo-de-parceria-estrategica-entenda-os-principais-pontos-do-documento/

[v] https://www.trtworld.com/middle-east/china-iran-begin-implementation-of-25-year-strategic-pact-53678

[vi] https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgmw9l9jz4wo

[vii] https://data.worldbank.org/indicator/MS.MIL.XPND.CN?locations=US

[viii] https://www.sipri.org/sites/default/files/2025-03/fs_2503_at_2024_0.pdf#page=2

[ix] https://oglobo.globo.com/mundo/epoca/noticia/2023/09/19/conheca-o-caca-americano-de-r-485-milhoes-que-desapareceu-apos-piloto-ejetar.ghtml

[x] https://www.gao.gov/blog/f-35-will-now-exceed-2-trillion-military-plans-fly-it-less

[xi] https://www.defesaaereanaval.com.br/naval/a-estrategia-para-a-construcao-de-porta-avioes-na-us-navy

[xii] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2023/04/04/missil-hipersonico-eua-russia-china.htm#:~:text=Segundo%20o%20Congressional%20Budget%20Office,(R$%2076%20milh%C3%B5es) .

[xiii] https://www.sociedademilitar.com.br/2025/02/dentro-da-gigantesca-fabrica-que-constroi-os-cacas-furtivos-f-35-producao-24-horas-por-dia-pecas-do-mundo-todo-e-um-custo-trilionario-fplv.html

[xiv] https://brasilescola.uol.com.br/geografia/israel.htm

[xv] https://brasilescola.uol.com.br/geografia/ira.htm#Dados+gerais+do+Ir%C3%A3

[xvi] https://www.poder360.com.br/poder-internacional/ira-tem-efetivo-militar-maior-mas-israel-tem-superioridade-aerea/#:~:text=A%201%C2%AA%20onda%20de%20ataque,tamb%C3%A9m%20de%20fabrica%C3%A7%C3%A3o%20norte%2Damericana

[xvii] https://www.telesurtv.net/guerra-abierta-iran-afirma-que-ha-empleado-menos-del-5-de-su-potencial-contra-israel/?fbclid=IwY2xjawLGhZxleHRuA2FlbQIxMQABHs1wscw0rQ03MneD2F5rKD6UAbXVtJz_ME-EiAuhT7YGRO2S3T-OGGjKHeuJ_aem_xvbOb8u-pwDdWVKfQKcVrw

[xviii] https://www.youtube.com/live/e2Dcq9N1WuU?si=eVpgJbI1FPH65MCc

[xix] https://www.aereo.jor.br/2024/10/06/a-forca-de-defesa-aerea-da-republica-islamica-do-ira/#goog_rewarded

[xx] https://www.twz.com/news-features/what-does-a-shahed-136-really-cost

[xxi] https://aeroin.net/forca-aerea-brasileira-compra-mais-um-drone-israelense-por-r-50-milhoes/

[xxii] https://en.wikipedia.org/wiki/IAI_Eitan#:~:text=A%20For%C3%A7a%20A%C3%A9rea%20Real%20Brit%C3%A2nica,conclus%C3%A3o%20do%20per%C3%ADodo%20de%20arrendamento.

[xxiii] https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/06/20/domo-de-ferro-e-estilingue-de-david-o-sofisticado-esquema-de-defesa-israelense-que-o-ira-conseguiu-driblar.ghtml

[xxiv] https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2025/06/23/aliado-de-putin-fala-em-fornecer-armas-nucleares-ao-ira-trump-faz-ameaca.htm

[xxv] https://www.terra.com.br/noticias/mundo/china-envia-avioes-cargueiros-ao-ira-apos-inicio-do-conflito-do-pais-com-israel-diz-jornal,c1f2b631b21f486340aceaf38c99ce87h13zhq2u.html

[xxvi] https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/paquistao-sobe-o-tom-chama-ira-de-pais-irmao-e-exige-reacao-dos-paises-islamicos-contra-israel/

[xxvii] https://www.terra.com.br/noticias/mundo/exercito-comeca-massacre-na-cisjordania-ocupada-perto-de-ramallah-e-palestinos-sao-alvo-de-ataques,6d23d33dfd0a159e0bc7c98c2178be8dbgl76nu6.html

[xxviii] Vide “A Segunda Guerra Fria. Geopolítica e Dimensão Estratégica dos Estados Unidos” (2013) e “A Desordem Mundial. O Espectro da Total Dominação” (2016)

[xxix] https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2025/06/23/ira-lanca-misseis-contra-bases-dos-eua-no-catar-e-no-iraque.ghtml