Cresce a migração forçada e definha a justiça, dizem ativistas no Fórum Social Mundial
Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução de Marcos Diniz
KATMANDU – À medida que a migração involuntária aumenta em todo o mundo, em parte em resposta aos impactos das mudanças climáticas, a justiça está amplamente ausente para aqueles que deixam seus lares e famílias para ganhar a vida, afirmaram ativistas reunidos no Fórum Social Mundial (FSM) em Katmandu no domingo (18).
Em vários painéis, participantes da Europa, norte da África e América Latina detalharam governos fechando as portas para os migrantes que tentam entrar em seus países. Histórias perturbadoras da Ásia focaram em indivíduos que se tornaram vítimas de empregadores e traficantes, enquanto seus governos faziam vista grossa enquanto lucravam com os rendimentos dos migrantes enviados para casa.
O FSM termina na capital do Nepal, Katmandu, nesta segunda-feira (19). Durante o evento, ativistas globais se reúnem para discutir questões que vão desde a educação até ao alívio da dívida, à legalização do trabalho sexual e à falta de controle dos agricultores pobres sobre suas terras e recursos.
“Uma das mulheres com quem conversamos nos disse que teve que dormir com seis a sete homens diariamente por seis meses. A parte mais triste é que a esposa do empregador regularmente lhe dava uma pílula para que ela não engravidasse”, disse um pesquisador da organização de Bangladesh OKUP. “Outro trabalhador foi diagnosticado com câncer de cólon: seu empregador o mandou para casa sem pagar um centavo do seu salário.”
A OKUP organizou o painel ‘Mudanças Climáticas, Migração e Escravidão Moderna’ para compartilhar seu relatório documentando o tratamento dado aos trabalhadores migrantes de regiões costeiras de Bangladesh que foram forçados a sair após os impactos das mudanças climáticas destruírem suas fazendas e outros meios de subsistência.
A pesquisa descobriu que 51% dos agregados familiares migraram após serem atingidos por ciclones, inundações, intrusão de água salgada em seus campos, chuvas irregulares e outros desastres climáticos. “Não há oportunidades de adaptação sustentável para eles. Na maioria dos casos, as pessoas recebem assistência do governo após os desastres, mas não há assistência sustentável. É por isso que as pessoas dependem de empréstimos para reconstruir suas casas ou reiniciar suas atividades agrícolas”, disse o presidente da OKUP, Shakirul Islam.
“Antes que possam devolver o dinheiro, eles enfrentam o próximo ciclo de emergência climática”, acrescentou, “tornando-os desesperados para ganhar dinheiro em outros lugares do país ou no exterior”.
Oitenta e seis por cento dos deslocados migram dentro do país; 14% internacionalmente. No caminho, 90% enfrentam taxas excessivas, 81% não recebem a autorização de trabalho prometida e 78% têm seus salários retidos. “Acredito firmemente que a mesma situação está presente em outros países do Sul da Ásia”, disse Islam.
A ativista malaia Sumitha Shaanthinni Kishna alertou o grupo para não culpar as mudanças climáticas pelos problemas dos migrantes. “O medo que tenho é que os governos utilizem as mudanças climáticas para justificar a migração, dizendo que ‘é por isso que temos que enviar nossos migrantes para fora’. Eles fizeram isso para justificar a migração devido à pobreza”.
“O deve que deve ser discutido é que as mudanças climáticas são uma realidade e como as políticas do governo estão contribuindo para as mudanças climáticas”, acrescentou Kishna, da organização Our Journey, que fornece apoio jurídico a migrantes e refugiados.
Em uma discussão em outra sala de aula, a poucos metros de distância, ativistas da Índia estavam aprendendo sobre uma linha direta criada após a COVID-19 para ajudar trabalhadores migrantes em dificuldades. Em menos de um ano, a Rede de Assistência e Informação para Migrantes respondeu a mais de 800 chamadas, disse seu diretor, Dr. Martin Puthussery.
Os casos incluem 40 mortes (34 acidentais e 6 suicídios), 20 casos de trabalho forçado e 16 casos de assistência jurídica ou mediação, envolvendo roubo de salários, pagamentos atrasados, confinamentos ilegais e prisões.
Durante a sessão de perguntas e respostas, uma participante do estado de Bihar observou que a migração é necessária porque “tudo está fechado. Para onde vão as pessoas de Bihar para ganhar a vida?”.
“Podemos criar pequenas indústrias nós mesmos?” ela perguntou. “Não podemos depender do governo.”
Os governos não estão motivados a resolver os problemas dos migrantes porque o dinheiro que eles enviam para casa mantém as suas economias em funcionamento, disse Arie Kurniawaty, da Solidaritas Perempuan, na Indonésia, em um dos últimos painéis do dia, intitulado ‘Chamado para Coordenação de Migração dentro do FSM em Katmandu’.
“O problema básico são as perspectivas de nossos governos, que pensam que os trabalhadores migrantes são uma mercadoria… Eles tentarão enviar muitos trabalhadores migrantes para o exterior sem considerar se sua situação será boa ou ruim”, acrescentou Kurniawaty.
Outros palestrantes, que abordaram França, África, Palestina e América Latina, além da Ásia, observaram o aumento do número de migrantes, mas também a crescente hostilidade contra eles, liderada pelos governos.
Na América Latina, as ações dos governos estão ligadas ao aumento do racismo e da xenofobia, disse Patricia Gainza, do Fórum Social Mundial sobre Migrações. “Isso não é novidade, mas, neste caso, tivemos algumas decisões muito equivocadas dos governos, como o Peru, que convidam as pessoas a migrarem para lá, mas depois, por razões políticas, as expulsam”.
Na Europa, o Novo Pacto sobre Migração e Asilo, de dezembro de 2023, “encoraja acordos informais e confidenciais entre os países europeus e os países de origem dos migrantes que não são legalmente vinculativos, para que o Parlamento Europeu não precise ratificá-los”, disse Glauber Sezerino, do Centro de Pesquisa e Informação para o Desenvolvimento, sediado em Paris. “O pacto tenta encorajar cada vez mais esse tipo de acordo, por isso podemos esperar mais violações dos direitos humanos dos trabalhadores migrantes”, acrescentou.
No norte da África, os governos estão dominando cada vez mais o debate sobre políticas de migração, “deixando pouco espaço para a sociedade civil”, disse Sami Adouani, da FTDES Tunísia. Em fevereiro de 2023, um discurso xenófobo do presidente tunisiano, Kais Saied, teve como alvo os migrantes da África subsaariana. Isso desencadeou um êxodo, mas também “expôs aqueles migrantes restantes a mais violência institucional”, acrescentou.