Ativistas do Fórum Social Mundial desvendam as raízes da ocupação de Gaza por Israel
Publicado originalmente por IPS – Inter Press Service / Tradução de Carmen Munari
Romi Ghimire tem uma vida ocupada administrando uma organização sem fins lucrativos dedicada à população rural do Nepal, mas também se sente motivada a fazer algo a respeito de Gaza. “Há muitos problemas acontecendo no mundo, mas no momento o genocídio em Gaza é o mais urgente”, disse ela dentro da tenda da Palestina no Fórum Social Mundial (FSM) em Katmandu no sábado.
“Estamos assistindo ao vivo…. estamos vendo isso diariamente: todas as manhãs e noites eu estou consumindo isso e não consigo parar de pensar nisso. Não posso fingir que não está acontecendo”, disse Ghimire à IPS. “Temos que aumentar a conscientização sobre isso em todo o mundo porque somos tudo o que os palestinos têm. Eles não têm armas ou munição, nenhum exército – eles têm apenas pessoas como nós.”
“Pessoas como nós” incluem os cerca de 30.000 ativistas que devem participar do FSM, o encontro anual global de ativistas sociais, que este ano acontece em Katmandu, capital do Nepal, até segunda-feira. Este quarteirão do centro da cidade está repleto de ativistas, correndo para chegar a um workshop programado ou esbarrando em colegas de mais de 90 países em meio a tendas brancas montadas como salas de aula temporárias em um parque de diversões.
O ataque contínuo de Israel a Gaza, em resposta a um ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, é uma das questões mais discutidas.
Na sexta-feira, o dr. Varsen Aghabekian falou para 30 ativistas do Nepal, do sul da Ásia e de outros países. Ex-comissário-geral da Comissão Independente Palestina para Direitos Humanos, Aghabekian detalhou a história que culminou na ocupação da Palestina por Israel, enfatizando as raízes profundas dos ataques atuais.
Estratégia demográfica
Por exemplo, no Mandato da Palestina (como era conhecida em 1947), os palestinos constituíam 93% da população e os judeus eram 7%. Em 2023, a composição mudou drasticamente, com os palestinos com 51% e a população judaica com 49%, disse Aghabekian, rotulando o processo como parte do “apagamento” de Israel.
A “anexação” histórica inclui a tomada de propriedades públicas e privadas. Em 1947, 90% dessas propriedades pertenciam aos palestinos; em 2023, eles haviam sido relegados a 22% da Palestina histórica.
As leis e políticas israelenses “institucionalizam a superioridade e privilegiam o status dos judeus”, acrescentou Aghabekian. Elas reservam o direito de autodeterminação em Israel exclusivamente para o povo judeu e declaram o hebraico como o idioma oficial do estado, rebaixando o árabe, que era o segundo idioma oficial do país.
“Chamamos (a situação) de apartheid com razão, mas quando fazemos isso, muitos países ocidentais franzem a testa e dizem: “Não pode ser!’… Israel está tentando projetar que um estado ocupante é vítima de nossa resistência e de nossa violência (mas) temos o direito de resistir como um povo ocupado que quer ser libertado”.
Eventualmente, Israel precisa fazer as pazes com os palestinos, acrescentou Aghabekian. “Se eles estiverem prosperando e nós estivermos sofrendo, não haverá paz. O genocídio de Gaza, apesar de seus desastres, é uma oportunidade… até mesmo os EUA disseram seriamente ‘talvez devêssemos pensar na solução de dois estados’. Acho que estamos caminhando para isso”.
Além de Israel estar deturpando sua ocupação e o atual ataque a Gaza, a situação revelou a hipocrisia da tradição jurídica, religiosa e cultural ocidental, argumentou Mitri Raheb, o primeiro presidente da Universidade Dar-al-Kalima em Belém, que falou depois de Aghabekian.
A resposta de Israel ao ataque do Hamas revelou o “Deus guerreiro”, não o Deus da paz, disse Raheb, citando um exemplo pessoal. Um bispo alemão que ele conheceu aconselhou os palestinos a permanecerem não violentos. Porém, poucas semanas depois, Raheb, que também serviu como pastor da Igreja Luterana do Natal em Belém de 1987 a 2017, viu o bispo na TV pedindo que os países ocidentais fornecessem tanques à Ucrânia para combater a invasão da Rússia.
Os palestinos, acrescentou ele, costumavam “acreditar e lutar pelos direitos humanos porque pensávamos que eles eram internacionais, que eram para todos. Mas estou começando a questionar isso. Acho que os direitos humanos foram criados para os europeus brancos, para que eles não matem mais uns aos outros, mas não há problema se o resto do mundo for morto pelo império”.
“Negócio do colonialismo”
O especialista jurídico Wasem Ahmad dissecou a estrutura econômica que sustenta a ocupação de Israel. “Israel refinou a arte da colonização por meio do que chamo de melhor prática comercial do colonialismo, que convida atores e corporações multinacionais a investir em seu projeto colonial. E isso proporciona um incentivo econômico para garantir que as posições políticas apoiem Israel.”
Ahmad, um acadêmico de direitos humanos, disse à IPS que reconhece as limitações do sistema de direitos humanos. “Quanto mais você faz esse trabalho, mais cínico você se torna em relação ao sistema como ele é proposto. (Os direitos humanos) parecem muito bonitos no papel, mas quando você tenta colocá-los em prática, percebe que há muitos obstáculos políticos para essa realização e isso tem a ver com os interesses imperiais mais amplos em jogo.”
“Nosso papel”, continuou ele, “é pressionar e envolver esse sistema e forçar as rodas da justiça a girar. Ou ele funciona em nosso benefício ou nós o expomos e, com o tempo, esse sistema mudará, mesmo que seja necessário um colapso para reconstruí-lo.”
Mas a oposição à colonização de Israel por meio do sistema jurídico é apenas uma abordagem, acrescentou Ahmad. “A ideia de que vou me basear apenas nos mecanismos legais, ignorando que a lei é uma construção social ligada a interesses e crenças econômicas, políticas e culturais na sociedade, ignora essa realidade.”
Apesar de sua crítica às tradições jurídicas e culturais do Ocidente, Raheb disse que se sentiu revigorado pela multidão de pessoas em todo o mundo, e no FSM, protestando contra os ataques de Israel. “Gaza foi o sinal de alerta para todos nós. E acho que no futuro isso ficará cada vez mais forte… Gaza galvanizou o Sul global porque foi a lupa: de repente, pudemos ver claramente. Esse foi o ponto de virada.”