Bancário e líder sindical, o paulistano Antônio Netto tem 38 anos. Começou sua miltância no movimento cultural, fez moviumento estudantil e, quando se tornou funcionário do Banco do Brasil, concentrou seus esforços no trabalho de base sindical

Bancário e líder sindical, o paulistano Antônio Netto tem 38 anos. Começou sua miltância no movimento cultural, fez moviumento estudantil e, quando se tornou funcionário do Banco do Brasil, concentrou seus esforços no trabalho de base sindical. Em entrevista ao site, contou um pouco de sua trajetória e como encarou os desafios de ter retomado a luta dos bancários depois do Golpe de 2016

Como você iniciou seu trabalho de base?

Eu comecei militando na época do movimento cultural, no movimento punk. Ingressei na Universidade de São Paulo em 2008. Fiz parte do movimento estudantil e atuei no movimento de ocupação da reitoria de 2012, onde a gente foi preso, naquele processo de criminalização do movimento de ocupação da reitoria da Universidade de São Paulo. Também militei no movimento sindical, quando trabalhei como servidor público da Prefeitura de São Paulo como assistente de gestão de políticas públicas. Fui militante de base e representante sindical da base.

Ingressei no concurso do Banco do Brasil em 2014. Comecei também como militante de base, como delegado sindical. Desde então, venho participando e fazendo organizações no meu local de trabalho, com os movimentos de e durante as greves. Também faço a ações no meu local de trabalho. Posteriormente,  entrei para a diretoria do sindicato pela ETEC São Paulo em  2016. Quando eu entrei no movimento sindical, era exatamente o momento do golpe de 2016, e isso nos leva também a nos engajarmos nos  movimentos populares de resistência e também  nos Comitês Populares de Luta.

Nós fizemos também as ações do Comitê Popular de Luta durante as campanhas de 2018 e de 2022, além das campanhas municipais, como a de 2020. Tivemos um processo de manutenção de uma frente de luta popular democrática na região da zona Sul de São Paulo, mais precisamente no Largo 13. Houve uma tentativa muito deliberada de nos tirar daquele espaço, um espaço tradicionalmente do comércio popular, da população pobre da zona Sul de São Paulo, dos migrantes nordestinos.

A gente até brinca: a gente não ia deixar o Largo 13 ficar na mão da extrema direita e dos fascistas. Então, eles colocaram ali os seguranças, aqueles caras que, de modo informal, fazem a segurança dos estabelecimentos comerciais com roupas da campanha da extrema direita, verde-amarelo, “meu partido é o Brasil”… Eles passavam e tentavam nos intimidar. Chegamos a receber ameaças de morte, mas nós não nos intimidamos com isso. E o Comitê Popular de Luta resistiu: fez ações culturais, apresentações teatrais lá no meio do Largo 13.

Fizemos uma mobilização muito intensa ali na Zona Sul, que fez parte de uma contribuição muito importante para esse resultado eleitoral que nós tivemos aqui na região metropolitana de São Paulo, que foi vitoriosa tanto na campanha do companheiro Lula presidente, até na campanha do Haddad como governador. Também elegemos o companheiro Luiz Cláudio Marcolino, deputado estadual.

Quais eram os seus principais desafios no início?

Eu sempre fui um militante de base, mas eu tinha minha formação política, que vem até de berço, né? Meu pai foi militante metalúrgico na década de 70, muito decepcionado e frustrado porque era metalúrgico da base de São Paulo e tinha uma decepção muito grande com os quadros aqui de São Paulo. Ele tinha uma identificação muito forte com o que ele via nos bancários aqui em São Paulo e com os metalúrgicos do ABC. Então, a gente brinca que lá em casa, eu e meu irmão, a gente aprendeu a falar Lula-lá antes de falar pai e mãe.

Quando eu me torno dirigente da base do Sindicato dos Bancários de São Paulo, eu venho com essa bagagem, mas eu chego em 2016.  Ou seja, eu chego em um contexto de fazer uma reunião sindical numa agência do Banco do Brasil e falar qualquer coisa, era a posição mais solitária do universo, porque as pessoas não olhavam nos seus olhos, não davam nenhum crédito para a gente. Nós éramos os petralhas que estávamos ali a serviço do governo e da direção do banco para defender o governo do PT, que era um governo corrupto. Essa era a leitura de uma maioria da nossa base sindical, da nossa base de representaçãona categoria inclusive.

Eu sentia que nos bancos privados havia uma aceitação até maior, por uma questão de educação, de respeito, porque os bancários de banco privados, que são mais carentes da necessidade da intervenção do sindicato, entendiam que era melhor manter uma boa relação conosco, ao passo que o pessoal dos bancos públicos realmente tinha uma aversão muito grande. Depois do golpe, a agenda do governo Temer e, posteriormente, Bolsonaro para os bancos públicos foi uma política de terra arrasada.

Aos poucos, a percepção da nossa base comum com o nosso trabalho foi se moldando. Então, eles passaram a perceber que aquelas coisas que a gente havia dito e os  diagnósticos que nós fazíamos sobre o que estava ocorrendo no país e no banco em particular eram verdade. Assim, as pessoas passaram a ter uma disponibilidade, uma disposição para a movimentação e a luta coletiva. Passaram a se aproximar mais da gente, a dialogar mais conosco, a conversar.

Eu cheguei no movimento sindical com a concepção de que o trabalho de base não é, não é uma coisa que você chega e você vai produzir frutos daquele trabalho de uma forma imediata. O trabalho de base exige, sobretudo, paciência.

Quer dizer, é uma coisa que o trabalho de base exige, junto com a confiança na pessoa que está se dispondo a fazer esse trabalho. Essa confiança se constrói com uma perenidade, com responsabilidade, com muito profissionalismo.

A melhor das intenções, se não for feita de uma forma madura, se for feita só de forma espontânea, apenas respondendo a uma situação de contexto ou de conjuntura, não atende a um a um trabalho de base que eu entendo como ideal. Porque, veja, às vezes você tem um excelente discurso, você sabe falar no microfone, você consegue se comunicar, mas você não transmite nenhuma confiança. E, às vezes, existem dirigentes e existem militantes que não têm nenhuma dessas habilidades, mas, por se colocarem ao lado do trabalhador, por estarem ali sempre que ele precisa, por quando tem uma situação ali no local de trabalho que o trabalhador se queixa que tem um problema, ele tenta resolver.

Às vezes ele nem consegue, mas ele está ali. Ele se dispõe a estar do lado do trabalhador e tentar resolver aquela demanda. Aos poucos ele vai ganhando um respeito e uma confiança desse trabalhador. E eu acho que essa é a primeira etapa do nosso trabalho.

Acho que as pessoas, muitos de nós, às vezes entendemos a realização do trabalho de base como uma tarefa doutrinária, como uma tarefa de que nós somos iluminados, donos de uma verdade, donos de uma formação, de um conhecimentoque aquele grupo de pessoas alienadas e ignorantes não tem. E muitas vezes somos nós estamos alienados.

Nós, na condição de dirigentes sindicais, por exemplo, nós estamos afastados do dia a dia do trabalho, o nosso trabalho como representação. Ele é muito importante e é muito necessário. Mas ele nos aliena das questões mais concretas e dos problemas diários do local de trabalho.

Por isso que o trabalho de base, na minha opinião, ele se inicia com a escuta. Ouvir muito mais do que falar. A gente precisa fazer um exercício de ouvir e entender muito bem o que está se passando na a cabeça daquelas pessoas que nós queremos representar para que a gente possa representá-las de uma forma orgânica, de uma forma legítima e de uma forma que produza resultado, seja um resultado do avanço da consciência política desses trabalhadores, ou seja, o trabalho de um avanço, de uma conquista produto da dá de resultado deste trabalho. E é conquista deste produto, deste trabalho.

Você adotou ou se inspirou em alguma metodologia que já conhecia? Ou teve de desenvolver a sua própria?

Em termos bem pragmáticos nós somos uma geração que estudou que que foi atrás e entendeu o que foi a construção histórica do movimento sindical, bancário, o que é a história da retomada do sindicato. A  construção do movimento sindical bancário lá no período da retomada, ele tem uma continuidade. Nós não iniciamos nada que fosse totalmente alheio a  esse processo, que é o processo do novo sindicalismo brasileiro. Ele tem 40 anos, mas ainda é novo. Ele tem a minha idade praticamente, mas ainda é jovem. Ele ainda age, frutifica, se desenvolve e ainda vai crescer muito mais. Ele fez um presidente da República, coisa que seria inimaginável há, acredito, para as gerações passadas. É um feito gigantesco, mas eu acredito muito na trajetória e na continuidade.

Mas evidentemente que há uma mudança no perfil desses trabalhadores bancários que exigiu algum tipo de metodologia diferente que que a gente teve que colocar em campo e experimentar. Um exemplo foi quando a gente teve no Banco do Brasil um movimento de descomissionamento em massa e a retirada da Comissão dos Trabalhadores da Área Gerencial. Tradicionalmente se fazia movimento no Banco do Brasil a partir dos cargos iniciais, como os cargos de  escriturário, os assistentes ou até atendente, que é o caso do meu cargo. Nós  começamos a perceber que o banco estava fazendo um movimento de ataque não na massa salarial de base, mas na massa média, a chamada gerência média. E nós fizemos um movimento de muito debate e construção com os trabalhadores da área gerencial, dizendo que se nós fizemos o movimento político apenas com os escriturários e assistentes, nós não conseguiríamos avançar naquilo que a gente precisava para proteger o emprego de todo mundo. E isso rendeu frutos da gente ter feito no nosso período uma paralisação de gerentes, que eu acredito que nem tenha precedente na história do Banco do Brasil, por exemplo.

Esse desafio que foi colocado para a nossa geração, que é o de um de não caracterizar aquele cara que é o peão que tem o menor salário, que é a ponta da pirâmide, que é o que faz o movimento pelo outro. E da gente fazer um debate com toda a categoria e com a área gerencial para que eles entendam a importância de participar do movimento. Por isso, teve a adesão de gerentes nas últimas duas greves da nossa categoria em 2015 e 2016. E a gente tem frutos até hoje disso, tem movimentos organizados, eles entregam pautas hoje para nossa pauta de reinvindicação etc.

Nas ruas, é um movimento também muito semelhante, de muito de continuidade. Por exemplo, o movimento dos Comitês Populares de Luta é um resgate, como se estivéssemos voltando para o início desse processo de retomada de metodologias que nós estamos resgatando e que, na verdade,  nunca deveríamos ter abandonado. A existência dos comitês populares de luta e o resgate feito por esses comitês foram uma política imprescindível para o trabalho de base. Eu só lamento que a gente não se organize para manter a existência e organicidade dos comitês populares, não apenas em períodos eleitorais. Eu acho que a gente teria que manter essas atividades e esses diálogos. E é uma reflexão que eu acho que a gente precisa fazer, de como manter a estrutura desse trabalho de base mais perene.

As pessoas são muito carentes. Quando as pessoas estão na mão da direita, da extrema direita, seja porque é alguma coisa que acontece na igreja delas ou enfim, da comunidade, é porque elas estão carentes de qualquer coisa que elas sintam que façam parte. E às vezes a gente tem uma postura tão arrogante. Nós da esquerda. Aí é uma crítica que a gente tem que fazer, tem que botar o dedo na ferida. Se a gente não olhar pra esse nosso povo com um pouco mais de humildade, e ficar chamando todo mundo de gado… Isso não vai levar a gente a lugar nenhum. A gente tem que parar e ouvir por que as pessoas estão indo pra isso e por mais bizarro que seja, elas têm razão. É uma carência de tudo, de tudo. E a gente precisa fazer algo. É assim que eu me sinto

Intertítulo

Nos últimos anos, com o crescimento da direita, você sente mais hostilidade aberta contra sua militância? 

Em primeiro lugar, você precisa desarmar o seu inimigo. O seu inimigo quer te atacar, te agredir porque ele te enxerga como inimigo. Às vezes ele está te vendo com uma camisa vermelha e ele pensa: “Este cara é um bandido, está a serviço de uma quadrilha que quer me roubar.” A  primeira estratégia é você fazer a leitura de por que ele te enxerga como inimigo e ele te enxerga como inimigo, porque ele é bombardeado por uma máquina midiática.

E aí você precisa olhar no olho dele e dizer pra ele: “Veja bem, esta camisa vermelha aqui não significa que eu sou diferente de você. Pelo contrário, esta camisa significa que eu sou igual a você”. E você começa a falar daquilo que entre você e o seu interlocutor, que é um inimigo,  você tem que começar a falar daquilo que vocês tem em comum. Por exemplo, algumas das pessoas com as quais a gente falava  entre as comunidades mais populares entre os trabalhadores bancários ou entre a população ali que convive no Largo 13, com os comerciantes, pequenos comerciantes, comerciantes informais, que pendem para o lado da direita, eles entendem que são vítimas do Estado pela cobrança de impostos.

Ora, você chega para o cara e diz: “Eu também pago imposto, Eu também sou um cidadão contribuinte que pago meus impostos. Eu também não estou contente com a cobrança de impostos. Mas,  veja, você não acha que aqueles caras que são mais ricos, os multimilionários, os donos das grandes empresas, eles pagam o tanto de imposto que você paga proporcionalmente ao salário dele?” “Talvez você veja que esse pessoal do andar de cima pagam muito menos impostos do que a gente paga.”

Você começa a partir daí desarmar o cara. Não estou dizendo que com isso você vai convencer o cara e o cara vai botar uma camisa do PT e sair pedindo voto para o Lula, mas só o fato de você desarmar e de você permitir a possibilidade do diálogo primeiro evita que uma situação violenta ocorra. Segundo, faz com que a pessoa passe a minimamente a considerar algo daquilo que você está dizendo. E isso pode não ter um efeito prático hoje, mas pode ter um efeito prático daqui dois anos, daqui cinco, daqui seis…

Hoje, por exemplo, eu conversei com um bancário que muitos anos atrás, havia agredido fisicamente uma companheira num movimento de greve. Ele não concordava com o sindicato e empurrou uma companheira. Na época, a gente fez represálias. Depois,  ele precisou se mudar para o interior no período da pandemia.  Mas foi realocado de novo para trabalhar em São Paulo e  e estava tendo que se deslocar todo dia para vir para São Paulo ou, então, teria que ficar aqui durante toda a semana e ficar distante da família. Ele me procurou e eu atendi a demanda dele, fui lá com o banco resolver o problema dele. Conseguimos a transferência dele para o interior, que é algo muito difícil. Hoje, ele  me ligou de uma forma muito agradecida, Disse que se arrepende de tudo que fez, falou que gostava muito do nosso trabalho e que ele está numa outra base, mas que ele vai manter o contato, que ele gostaria de se sindicalizar.

Eu sei que aquilo que ele fez com a nossa companheira é muito ruim, mas eu acho que é muito bom que ele jamais vai fazer isso de novo, ele não vai ter mais esse comportamento. Isso é uma vitória. Isso é uma conquista de um trabalho de base que  que é esse trabalho de formiguinha.

O trabalho de base é essa coisa de paciência e essa coisa de enxergar as pequenas vitórias do dia a dia e da forma como a gente lida com as pessoas e como aa gente pode desarmar aquela pessoa que nos enxerga como inimigo. A gente é uma formiguinha, mais uma formiguinha semeadora, ela planta sementes.  Você tem que ter uma perspectiva de futuro. Bom, nós de esquerda, trabalhamos ainda com a ideia de utopia e nós só queremos mudar o mundo. Só isso.

Como como você avalia que o trabalho que você começou em 2016?

Eu acho que a gente ainda tem um processo em construção. As lideranças desse período histórico no  qual eu me insiro, ainda estão sendo formada.. O que eu acho que a gente tem hoje é um grupo que articipou desses comitês populares de luta, participou de reuniões que nós fizemos ali junto ao pessoal do Banco do Brasil e tem uma turma que está vindo de delegados que hoje são delegados sindicais e outros que já passaram e já estão vindo aqui para a direção do sindicato como grandes líderes, como lideranças políticas, nós ainda estamos. O que nós estamos fazendo hoje a esse processo, que é um processo histórico e que a gente é muito consciente dele, muito tranquilo. Por exemplo, a gente passou por esse processo todo da pandemia e nós tivemos a figura da juventude e da Ivone como nossas, como nossas lideranças aqui no movimento bancário

Esse trabalho todo de formiguinha, de pequenas relações, de diálogos nos locais de trabalho e até de movimentos mais fortes que nós — fizemos algumas paralisações do pessoal e as greves–  eles vão impulsionando as lideranças para ocuparem os espaços ao longo do tempo e e aqueles que fizeram parte de processos anteriores aos nossos já estão também assumindo essas outras tarefas importantes.

Como é que você sente a hostilidade da da direita na rua? Você tem alguma história ruim com você ou com gente muito do seu grupo, muito próximo a você?

A história que tevenos comitês Populares de Luta lá no Santo Amaro, lá no Largo 13, foi. Eu estava falando no microfone e o cidadão, covarde como era, ele chegou não diretamente a mim, mas a uma companheira, uma funcionária do sindicato que estava junto com a gente ali distribuindo material. Ele se dirige  ela e fala assim: ”Avisa para o rapaz no microfone que não vai ser na mão, vai ser na bala”.

Ela se desespera e vem correndo até mim. E eu estou falando lá no microfone e ela fala: “Para, para, o cara, falou que vai vir na bala”

Na hora…  Cara, hoje pensando gente que é militante é tudo doido, porque na hora baixou o presidente Lula. Eu falei: “Avisa para o cidadão que diz que vai vir na bala, que se ele vier na bala, a gente vai virar uma ideia.

Se matar um aqui, vai vir 100,  se matar 100, vai vir 100.000, que não adianta que nós vamos tirar o pé daqui. Aí o povão que ficava lá começou a gritar: “É isso aí”.

 E foi uma maluquice, por que naquela semana teve um caso de um companheiro numa das cidades do interior que foi assassinado. Depois teve aquele caso do da festa de aniversário também, se me engano, foi no Paraná.

Ali, de fato, era bravata para nos intimidar e para fazer a gente sair de lá. Aqueles caras que eram os “pé de pato”, que estavam com o uniforme branco e com um uniforme verde amarelo e faziam a segurança privada ali. Eu fui conversar com eles e eles falavam: “Não, aqui os cara manda a gente colocar essa roupa aqui. Nós somos Bolsonaro, que nós somos da segurança, mas, cara,fica tranquilo que ninguém vai fazer nada”.

 A partir do momento que você deixa de ter medo, que eles percebem que você não tem medo, eles recuam. Em modo geral, em casos, em alguns casos, isso foi grave. Isso aconteceu e eu acho que a gente lamenta e a gente tem que denunciar, expor e ir até as últimas consequências Mas  o que eles querem não é nos matar ou nos agredir,  eles querem que a gente tenha medo e que a gente não ocupe as ruas.

Foi o que aconteceu, por exemplo, na pandemia, naquele episódio de que queriam ir lá na porta dos hospitais impedir que que as jovens estupradas fizessem aborto. Se não fosse a turma das torcidas organizadas reagirem aquilo lá, imagina como estaria a situação hoje.

 A grande questão é que, infelizmente, para nós, militantes, agentes da transformação social e política nesse país, nesse mundo, não dá tempo para ter medo. É como diz o Guimarães Rosa:  “ O que a vida quer da gente é  coragem”. E o lema clássico é não cair em provocação.  Saber identificar e não cair em provocação, evitar essa coisa do bate-boca.

Como é que você avalia o peso e a importância do ambiente digital para desenvolver um trabalho de base?

Pode parecer bastante contraditório porque assim eu sou muito antenado, mas eu sinceramente acho que esse processo é todo superestimado. Por exemplo, eu acho que os nossos adversários tiveram muito êxito, não necessariamente só porque eles trabalham as redes sociais melhor do que nós, porque de fato eles trabalham. Mas eu estou dizendo aqui não é só isso, na verdade é  o contrário. Eles fizeram e aprenderam a fazer como nós fazíamos na década de 80, no o nosso período de levante, de avanço, de ascensão melhor do que nós estamos fazendo hoje, que é justamente a questão do trabalho de base. Eu acho que é exatamente o ponto do olho no olho, da conversa, do acolhimento que nos falta. E não é questão de produção, nem de disputa de conteúdo nas redes sociais.

Não quer dizer que a gente tenha que abandonar essa frente. Se a gente abandonar, a gente está vendido. Não dá mais para fugir disso. Só que o que acontece nas redes e no mundo real é uma relação também dialética. Então, se você está fazendo, produzindo 1 milhão de conteúdo e você não bota 100 pessoas na rua… A realidade se impõe até do lado deles também. Você vê que quando eles perdem a máquina e fazem atividades mais esvaziadas ou menores, é nitidamente perceptível a diferença. Mas pro nosso caso é exatamente isso. Acho que precisa de um trabalho mais consciente, mais perene,  mais profissional.

Eu não acredito que o povo é idiota e estúpido. A questão é que as pessoas vão reproduzir  aquilo que está circulando em voga no seu círculo de sociabilidade. E nós estamos tendo dificuldade de estarmos entre essa população que a gente mais representa, com  a qual  a gente mais tem identidade, de nos inserirmos  num círculo de convivência, de trazer a as discussões, as propostas, as visões de mundo que nós temos. É a partir daí você consegue criar redes que funcionam no mundo virtual. É esse trabalho de base, de olhar no olho, de construir uma  representação, seja ela sindical, de movimento social, de movimento de moradia,  de pauta identitária que seja, mas que seja organicamente construída com com espaços de debate, de discussão em que as pessoas possam falar, em que as pessoas possam trocar ideia. Os nossos fóruns  andam muito esvaziados. É muito cheio de gente querendo falar o quanto ela é incrível, quanto o que ela fez, o quanto que isso, o quanto aquilo e pouquíssima gente pra ouvir as pessoas que estão chegando agora.

Quais são as ferramentas que, na sua avaliação, podem ser melhor usadas ou exploradas?

Mais uma vez, eu  volto para essa questão dos comitês de luta e para a exoeriência que tivemos com  o pessoal do Banco do Brasil.

O pessoal do banco tinha uma resistência de vir com a gente pra discutir pauta política. Então era um problema que nós identificamos. E aí, o  que a gente fez? Pensamos: Galera, vamos pro bar do lado, o bar que eles bebem, que eles frequentam, vamo pegar um violão, tocar umas músicas que a gente gosta em comum, música brasileira, aquelas coisas todas e pegar aqui um minuto antes e fazer uma roda de conversa e falar sobre o que está acontecendo. Aí a gente jogou o preto no branco, a gente falou olha, existe a possibilidade privatização do banco. Ou a gente elege o campo que vai lutar pela manutenção da nossa empresa ou  a gente tá fudido. E aí falamos português claro, e depois chamamos todo mundo para conversar e depois para participar de uma atividade cultural.

Ou seja, precisamos promover fóruns de encontros que atendam às necessidades das pessoas. Ninguém tem muito tempo para ficar debatendo política, para ficar discutindo o sexo dos anjos, mas, ao mesmo tempo, as pessoas  querem pertencer a um grupo. Elas querem fazer parte de uma coletividade. E esta coletividade tem que ser o mais acolhedora possível. É  identificar comunidades com interesses incomuns e identificar quais são os  gostos,  quais são as preferências? Quais são as as coisas que essas pessoas gostam em comum e, a partir daí, trabalhar um senso de comunidade no sentido de que nós podemos nos reunir para fazer algo que nos dá prazer e nos que nos satisfaça, que seja divertido e legal. E também  podemos identificar entre nós aquilo que a gente sofre, aquilo que nos causa dor, aquilo que nos incomoda, aquilo que a gente pode fazer conjuntamente para tentar mudar. Começar pequeno. Vamos um dia juntar um grupo daqui que tem dez pessoas. Tem cinco pessoas que podem fazer uma panfletagem no metrô pra gente falar sobre taxa de juros ou para a gente falar da defesa do banco do Brasil como um banco público.

A partir da sua experiência, o que você diria para quem que começar um trabalho de base e não sabe como?

Primeira coisa, você  vai olhar para os dois lados.T em gente trabalhando com você na sua baia, do lado esquerdo, do lado direito, atrás, na frente. A primeira coisa é você conversar com essas pessoas sobre o que elas acham de bom no trabalho e o que elas acham que poderia mudar. A partir daí, você tem que formar um grupo. A partir de formar esse grupo, você tem que procurar quem pode te ajudarE a partir do quem pode te ajudar. Você precisa estabelecer relações.

É olhar pro lado e não pensar que só eu sou consciente do que está me afetando e, por isso, eu devo ser alçado a um papel de liderança e liderar. Não, eu acho que eu sou alguém importante para fazer um processo, porque eu estou olhando para o meu colega do lado e estou vendo que ele está se tremendo,  está tomando remédio para vir trabalhar, entende? Entende? Além da escuta, o olhar para identificar quem está com você ou que pode vir a estar se você der abertura.