Adrianinha e o desenvolvimento de um método
Integrante do Núcleo Evangélico do PT, a advogada e militante fala sobre a importância da formação. Como você iniciou seu trabalho de base? O meu trabalho de base se iniciou mesmo antes da minha militância. Eu me filei ao PT em 10 de novembro de 2012, mas meu trabalho de base se iniciou quando eu […]
Integrante do Núcleo Evangélico do PT, a advogada e militante fala sobre a importância da formação.
Como você iniciou seu trabalho de base?
O meu trabalho de base se iniciou mesmo antes da minha militância. Eu me filei ao PT em 10 de novembro de 2012, mas meu trabalho de base se iniciou quando eu participava dos grêmios estudantis. A gente se reunia, os colegas, lá em sala de aula e a gente reivindicava com a diretora, com os professores, reclamava, mas a gente se organizava. Reclamava sobre a quadra, sobre questões de como organizar festas, sobre uma torneira quebrada, o banheiro que estava com a porta quebrada, reclamações sobre alguma inspetora. Ou das áreas de uso comum no bairro: o parquinho, o balanço que estava quebrado ou enferrujado, às vezes o esgoto na frente da casa do colega estava vazando… A gente achava os telefones de quem poderia resolver e reclamava que o esgoto estava céu aberto.
Já a militância de trabalho de base partidária, no início foi tudo muito solto, sem uma linha de trabalho definida ou pré-estabelecida.
Eu não tinha um território identificado para atuar. Atuava em qualquer espaço, em qualquer território. Falava de política na família, no trabalho, na faculdade, ali com os amigos, às vezes ia no mercado, num barzinho, num churrasco, qualquer lugar. Falava de política e do PT na igreja, nas panfletagens, logo que eu fui para o partido. E outros procuravam informações, procuravam orientação. Conforme surgiam as dúvidas e dificuldades, eu ia tentando me informar, tirar as dúvidas, lá no PT, com quem estava de presidente, ou quando encontrava alguém.
Fui indo assim por um bom tempo até eu estar hoje um pouco mais madura e já conseguir entender um pouco mais o que é território e saber me orientar, me esquematizar, me planejar melhor.
Quais foram seus principais desafios no início?
Os desafios foram muitos, mas, no momento em que aconteceram os desafios, eles não foram encarados como desafios e sim como incompetência e despreparo. Eu me sentia incompetente e despreparada para falar de política e para fazer qualquer coisa. Eu não entendia que aqueles desafios surgiam por que eu não tinha uma base teórica, porque eu não estava tendo uma formação. Hoje eu vejo que não era nada daquilo que eu pensava. Na verdade, era falta de orientação e direcionamento e de ter a consciência de que esses desafios seriam superados através do acolhimento partidário aos novos filiados e militantes com foco na formação política. E isso permitiria que eu fosse fazer trabalho de base mais segura, sem tantas dúvidas.
Quais eram os meus objetivos na época em que fui militar?
O principal era estabelecer o primeiro contato, sempre ganhar a confiança da pessoa com quem estava conversando, para assim gerar a possibilidade desse diálogo poder evoluir para uma relação mais concreta, que permitisse então ensejar futuras conversas com foco na construção e na estruturação de um trabalho de base com essa pessoa, fortalecendo desse modo não só o meu trabalho, mas envolvendo outras pessoas.
Nessas conversas, o que eu prezo? Promover primeiro a escuta. Eu escuto essas pessoas que eu tenho esse foco de atrair para nós, atrair para o partido, envolver na luta, envolver com o trabalho de base e apresentar ao PT, para que essas pessoas, quem sabe, se destaquem como líderes, como formadores.
Quando eu fazia a escuta dessas pessoas, deixava elas falarem muito, eu promovia a interação com elas. Eu abordava elas dentro daqueles pontos negativos que elas falavam do PT. Eu neutralizava esses pontos negativos, falando do PT, respondendo um por um dos pontos negativos, mostrando para essa pessoa, para esse grupo, que o PT não era aquilo que ela sabia ou que tinham feito ela acreditar que era.
Depois, eu apresentava o PT: falava sobre a organização do PT, sobre os grupos do PT, os projetos do PT, como é ter um projeto para uma sociedade justa, igualitária, onde todas as pessoas e os membros tenham os mesmos direitos, oportunidades, respeito às novas gerações, respeitar que a lei seja aplicada para todos de forma justa e correta, ou seja, sempre tentando apresentar o jeito PT de governar justo.
O jeito PT de governar JUSTO! Não é? O jeito PT de governar justo!
Você adotou ou se inspirou em alguma metodologia que já conhecia ou teve de desenvolver a sua própria?
Eu tive que desenvolver a minha própria, porque como eu era nova e não tive acolhimento, essa questão da formação, eu nem sabia o que era metodologia, nem sabia que poderia ser aplicada uma metodologia no jeito de eu fazer o trabalho de base. Precisei desenvolver a minha metodologia, o que hoje eu entendo que atrasou todo o meu processo de desenvolver o trabalho de base, pois quando eu aplicava algo novo, eu errava muito.
Até eu refletir que aquilo que tinha feito não tinha sido legal, eu tinha que repensar uma nova forma de aplicar. Nisso, eu fui amadurecendo dentro dos meus erros. Agora existe algo pronto para que a gente possa aplicar. Quando a gente tem acesso a isso, facilita muito o trabalho de base, e acelera o processo de amadurecimento político e a nossa participação, e isso permite com que uma liderança se destaque mais facilmente dentro de um processo quando ela tem essas ferramentas já à mão.
Desde que começou, como você avalia a capilaridade do processo, ou seja, a capacidade de atrair pessoas interessadas, militantes e novas lideranças?
Eu entendo que a capilaridade do trabalho de base que eu realizo ainda é um pouco frágil, porque eu não tenho o tempo que eu gostaria para me dedicar como é necessário. Contudo, eu vejo que o processo eleitoral de 2022, que culminou com a eleição do Lula, favoreceu muito que hoje, no trabalho de base, essa capilaridade avançasse um pouco mais. O meu território, de maior avanço, de maior trabalho, é justamente nos meios evangélicos, onde eu percebia muita resistência pelas questões já conhecidas: o bolsonarismo, o antipetismo. No entanto, com a eleição do Lula, nós tivemos uma abertura muito favorável. Isso tem se ampliado, tem sido muito positivo. Hoje, nós temos lideranças que nos procuram para saber quem é o prefeito da cidade, quem vai sair como vereador, por exemplo.
Nunca, na história de São Bernardo, teve tantos pré-candidatos evangélicos à vereança como nós temos hoje. É a maior pré-candidatura de vereadores de evangélicos na cidade. Mas, ainda assim, eu gostaria de ter mais tempo para trabalhar nos bairros. Hoje, eu consigo atuar em 18 bairros, mas os bairros são bem frágeis.
Em termos de resultados práticos, quais já foram as suas principais conquistas?
A mais importante foi reverter o pensamento de muitos evangélicos que apoiavam a extrema-direita para vê-los hoje apoiar pré-candidatos do PT e alguns saindo pelo PT como pré-candidatos a vereadores.
Para mim, isso é uma das maiores conquistas. Hoje eu consigo realizar reuniões periódicas com um grupo de 12 jovens para discutir conjuntura. Esse é um trabalho de base muito importante para trazer consciência, não só a da política de divisão de classe, mas a da responsabilidade de melhoria no bairro, de melhoria na escola e, sobretudo, que essas melhorias são feitas com organização.
Isso está sendo algo muito importante. Eu tenho me debruçado muito para ver métodos de desenvolver cada vez mais e envolver esse grupo. O meu foco agora é levar eles para o PT. É um trabalho de formiguinha.
Um outro ponto importante é trazer o diálogo do projeto PT para a sociedade com pessoas que eram avessas ao PT, como familiares, amigos, vizinhos que não podiam nem ouvir falar do PT… Hoje nós já conseguimos conversar amigavelmente de uma forma que eles dão abertura para saber um pouco mais do PT. E combater as fake news tem sido a porta de abertura, porque quando eles citam qualquer informação, reportagem ou ouviram dizer algo e eu vejo que é fake news, eu consigo combater essa fake news e ainda consigo mostrar a verdade da reportagem.
Mas a principal conquista mesmo foi a do segmento evangélico. Eu creio que com um trabalho árduo e incansável, a gente consegue alcançar esse público evangélico que foi cego pelo bolsonarismo e pela extrema direita. Eu acredito que o respeito e confiança no trabalho que realizo como militante evangélica, ele também é uma das conquistas que posso citar como muito importante para poder ser a base para continuar o trabalho com muita seriedade e com muita dedicação.
Como renovar o interesse das pessoas de modo a garantir uma mobilização constante?
Eu acredito que é preciso haver uma manutenção dessas pessoas com o estímulo permanente da militância, envolvendo mandatos, sindicatos, todas as nossas organizações que dialogam com a nossa militância, com foco na formação qualificada, porque muitas vezes algumas formações são dadas de formas muito rasas ou de formas que não envolvem a militância. Às vezes, a militância começa a fazer um, dois dias de formação e já desiste. Eu acredito que tem que pensar em uma formação que envolva essa militância de forma mais dinâmica, algo que traga na prática essa formação e que faça a fidelização desses militantes com o intuito de que eles queiram fazer outras formações.
Em que medida você avalia que o trabalho desenvolvido por você e seu grupo contribui para a politização das pessoas do seu território?
Eu avalio que contribui na medida que nós conseguimos organizar nos nossos modos de abordagem. A gente sempre está presente nos nossos territórios, nos cultos, nas casas dos irmãos, nas reuniões, nos ensaios das irmãs, nos ensaios dos jovens, nas festividades. A gente se envolve em todos os trabalhos que a igreja propõe. Isso mantém a nossa presença fiel dentro da igreja e eles nos veem não só como petistas, mas também como evangélicos que nós somos.
É importante frisar isso. A gente não pode sair da base onde a gente atua. É preciso haver uma constância.
Trabalho de base em tempos de fascismo
Nos últimos anos, com o crescimento da direita, você sente mais hostilidade aberta contra a militância, mais dificuldade em realizar seu trabalho de base?
Sim, indiscutivelmente. Isso se dá, principalmente, com a demonização criada contra o PT. Nós sofremos uma investida frenética, movida pelo bolsonarismo e pela extrema-direita, 24 horas, sem trégua. Onde ela foi potencializada, se deu o avanço dos evangélicos, que são conservadores, e essa manipulação da população evangélica.
Essa hostilidade é crescente e é observada com o aumento dos casos de violência contra a mulher, feminicídio, do aumento do racismo, essa prática racista, como se essas pessoas fossem acima da lei. A violência generalizada ela aumentou o ranço da extrema-direita e ela alcança, principalmente, os beneficiários também do Bolsa Família e outros que trabalham, porque tentam colocar a sociedade contra esses beneficiários do Bolsa Família, como se eles fossem pessoas vagabundas, como se o PT, o presidente Lula estivesse dando dinheiro para essas pessoas e essas pessoas não precisassem.
A extrema-direita é cruel quando ela tenta mostrar para a sociedade que os direitos que a população tem, isso vem com uma hostilidade para coma pessoas que são beneficiárias. É cruel. Na contramão desse crescimento do aumento da violência, eu observo também uma resistência que está começando a emergir na sociedade. Aí eu fico na dúvida. Não consegui avaliar ainda se essa resistência está se dando por uma nova geração, porque ela é tímida, mas já começa a dar os primeiros sinais de um levante, para enfrentar essa extrema-direita.
Como você avalia o peso e a importância do ambiente digital para desenvolver um trabalho de base hoje em dia?
É imprescindível a importância do ambiente digital em época de tecnologia, de inteligência artificial, com inúmeros recursos e plataformas no desenvolvimento e aprimoramento de um trabalho de base. O ambiente digital nos permite nos atualizar sobre uma conjuntura altamente diversa e, por isso, a gente consegue repassar essas informações para pessoas com as quais que a gente esteja ali reunido para discutir política, um tema de educação, uma questão de melhoria no território, para poder avaliar a importância da nossa influência num bairro, enfim, são muitas possibilidades novas para exercer o trabalho de base, de maneira que ele sempre seja fortalecido, dinâmico e atrativo.
É importante também lembrar que trabalho de base digital acaba tendo características diferentes, mas devemos manter a mesma finalidade, que é fazer esse trabalho de base pensando nesse território e nessa comunidade com a qual a gente não consegue estar reunido o tempo todo ou tanto tempo como gostaríamos.
Você avalia que o ambiente digital pode criar novas formas de fazer trabalho de base? Quais?
O ambiente digital pode criar novas formas de trabalho de base sem dúvida. Na minha experiência, isso se iniciou quando ficamos no isolamento total por conta da pandemia, o que fez com que nós tivéssemos que nos reinventar nossas reuniões, nossos seminários e até mesmo nas duas eleições desse período, 2020 e 2022. Nesse momento, a gente estava totalmente envolvido por essa rotina virtual — e o trabalho de base não tem como fugir disso.
Quando eu penso no trabalho de base feito de uma forma digital, eu já começo pensando qual parte dele no planejamento das reuniões que nós realizaremos para decidir as formas de atuação nos territórios. Nas reuniões virtuais, a gente decide qual é o território, quais são as fragilidades daquele território, como que nós vamos visitar o território, quais as formas de falar sobre essas fragilidades. Depois há uma segunda etapa, que é dividir as tarefas. Então, fazemos , e aí nós nos reunimos depois para passar essas tarefas, e nós tiramos novas ações, ou seja, o trabalho de base está sendo realizado de forma organizacional, de uma forma virtual, e depois também de uma forma prática, quando a gente vai até o território para executar o que foi tirado de uma forma de uma reunião virtual.
Acredito também que o trabalho de base é realizado de forma virtual, quando você consegue evoluir de tal forma, que você consegue fazer uma reunião com as pessoas desse território, para decidir, por exemplo, a criação de uma sede de um bairro. Eu cito, por exemplo, na Vila São José, em São Bernardo, nós não temos uma sede, e hoje nós começamos a nos reunir, conversamos em quatro pessoas, nós vamos nos reunir virtualmente para decidir quais são as ações que nós vamos tirar, para poder ver a criação de uma sede do bairro, então quer dizer, o trabalho de base está sendo realizado através de reunião virtual, é um case.
Outras possibilidades da reunião de trabalho de base é, por exemplo, reunir jovens para conversar, para debater sobre a importância de se tirar um título, de marcar reunião para debater com esses jovens sobre as campanhas de imunização, de se criar fóruns de discussão deles mesmos, de permitir que a gente lance uma problemática e deixar que eles desenvolvam e estabeleçam e deem a direção de se resolver problemas, de darem as soluções.
O trabalho de base na era digital é superfavorável e eu acredito que ele deve ser bem mais explorado.
Os cinco pontos
- Eu passaria para essa pessoa a cartilha em modelo digital e também entregaria o modelo impresso e já passaria o link do site da cartilha do trabalho de base, porque é um ótimo noteador para quem quer começar e para quem já está no trabalho de base.
- O segundo ponto, eu diria para essa pessoa definir, escolher o território que ela quer atuar e é escrever os pontos de afinidades, de dificuldades e as necessidades desse território para ela poder, ela está elaborando melhor o trabalho de base que ela quer executar nesse território.
- Eu diria para ela também participar do PT, da região dela, se ela não é filiada, para ela se filiar, participar ativamente da vida do PT, se apropriar de todo o regimento do PT, de como trabalha o PT e se aproximar das lideranças partidárias, dos vereadores, dos deputados, para que ela possa receber toda a orientação e apoio necessário para trabalhar nesse território.
- Em quarto, eu pediria para ela traçar os objetivos dela e o que pretende obter como resultado dessas ações dela. Ela vai ter um objetivo? Com que proposta? Olha, tem esse objetivo para ter esse resultado. Essa é a quarta indicação.
- Na quinta indicação, eu pediria para ela relacionar nome de pessoas com quem ela gostaria e poderia compartilhar e contar com esse trabalho de base, que ela não pode fazer sozinha. Seria interessante se eu tivesse uma ou duas ou mais pessoas ao lado dela. Com quem ela poderia contar?