Desde 2016, quando fundou o “Jornal Empoderado”, o jornalista Anderson Marques procura dar voz às “pessoas invisibilizadas”. Aos 44 anos, ele se divide entre o trabalho como jornalista da imprensa independente e a militância antirracista e em defesa dos direitos humanos. Na verdade, os dois campos andam juntos, uma vez que, em ambos, Anderson imprime a mesma dedicação e o propósito de transformar a realidade. Além de dirigir o Jornal Empoderado, premiado este ano pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e pela SECOM, ele apresenta o programa de debates “Domingo na Fórum”, na TV Fórum. Também participa de coletivos como Barão de Itararé, onde faz parte da diretoria, e é membro da Frente Nacional Antirracista e da. Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial de São Paulo (Cojira-SP). Nesta entrevista, ele conta um pouco de sua experiência como comunicador social.

Como você iniciou seu trabalho de base?

Conheci no bairro onde nasci (Jabaquara), a rádio de uma mãe de santo, a Ilê. Depois, fui perceber que ela foi a primeira pessoa a dar voz às pessoas invisibilizadas do bairro.

Entrei no telemarketing e lá conheci a Valmira Silva (já falecida que foi diretora do SINTRATEL), uma militante negra do PCdoB e da UBM – União Brasileira de Mulheres, que me levou para conhecer o partido e a livraria Anita Garibaldi. Isso abriu minha mente para a luta social e de como fazer a luta.

Depois de um tempo fundei uma rádio online esportiva (2014) e ali dei os primeiros passos para dar voz às pessoas torcedores (as) que não tinham espaço, como fizera a Mãe Sylvia antes. Quando a rádio acabou eu fundei em 2016 o Jornal Empoderado (JE) que desde o início segue na luta como um instrumento de luta antirracista e pelos direitos humanos. 

Com isso, conheci melhor movimento negro e lideranças comunitárias. Atuando dentro de favelas reportei casos, ajudamos em denúncias de violações de direitos humanos e também mostrando como tem talentos escondidos nas quebradas.

Quais foram os principais desafios no início?

Fazer jornalismo social abre possibilidades de ajudar quem precisa, mas carece de ajuda governamental, pois sem recursos fica quase inviável ter grandes estruturas (equipamentos, sede e remuneração adequada). Pior: sem recurso, como pagaremos advogados se formos processados? Compensamos as dificuldades estruturais com garra e amor.

Você adotou ou se inspirou em alguma metodologia que já conhecia? Ou teve de desenvolver a sua própria?

Tenho grande enormes professores e professoras no jornalismo como a Laura Capriglione, Walter Falcetta, Altamiro Borges, Luís Nassif, Juca Kfouri, Juca Guimarães, Renato Rovai, Dennis de Oliveira, Maria Frô, Rosane Borges, Flávio Carrança, Priscilla Silvestre. Também me inspirei entidades da mídia independente, como o Barão de Itararé, FNDC, Cojira, Jornalistas Livres, Revista Fórum, DCM, ÈNóis Jornalismo, Ponte Jornalismo… Além de entidades como MNU, Unegro, Cufa, Geledés, Coalizão Negra por Direitos, Prerrogativas, Coalas… Mas é lógico que o próprio Jornal Empoderado foi me ensinando muita coisa nessa trajetória. Digo que aprendemos juntos todo dia.

Em termos de resultados práticos, quais já foram as principais  conquistas de sua luta?

O Jornal Empoderado foi premiado por trabalhar na pandemia, por exemplo. Além das matérias, ajudamos 100 famílias com vale-gás e cestas básicas, na Baixada Santista, em parceria com a CUFA.

Temos algumas matérias que contribuiram para soltar jovens negros e periféricos que foram presos injustamente, como o caso do Bruno que a mãe depois nos agradeceu publicaente.

Constantemente somos convidados para palestrar em escolas. Ano passado até participamos da IX Jornada Pedagógica e este ano do “Seminário Regional dos Grêmios Estudantis“, no CEU Azul da Cor do Mar, que fica na região de Itaquera, em São Paulo.

Aproveitando que estamos em período eleitoral, em 2018, fizemos a maior divulgação de candidaturas negras e periféricas entre mídias progressistas e comerciais. Esse trabalho nos levou até Brasília para fazer um diagnóstico sobre verbas de campanha para mulheres e mandatos populares.

Em que medida você avalia que o trabalho desenvolvido por você e seu grupo contribuiu para a politização das pessoas do seu território?

Contribui quando reforçamos a importância de raça, classe e gênero nesses espaços. Por exemplo, quando um PM atira em um menino do tráfico é pobre matando pobre. E se os dois lados se olhassem como parte da mesma luta, estariam lutando contra o verdadeiro inimigo que é o sistema capitalista. O fim do racismo, do machismo e outros problemas do dia a dia passam pelo fim da ideia capitalista.

Nos últimos anos, com o crescimento da direita, você sente mais hostilidade aberta contra sua militância? 

Lógico que sentimos mais hostilidade. Eu apresento um programa de direitos humanos no Youtube, na Revista Fórum, e já sofri racismo. Percebo que antes essas pessoas não faziam ataques diretos, mas após a eleição do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro o ódio, o desrespeito e as violações de direitos humanos parecem que foram legitimadas por um projeto de extrema-direita no Brasil.

No Jornal Empoderado, seguimos a linha do debate de ideias e não dos ataques pessoaiss. Primeiro, porque isso nos protege (ataques e processos), e segundo, que não acredito no ódio como ferramenta de jornalismo (narrativa) e política social. Pois eu sempre falo que o Brasil violento ou em crise seja qual for, será o povo negro e pobre que mais  sofrerá, seja tomando 80 tiros de “advertência” em plena avenida ou comendo sobra de osso.

Em cinco pontos, o que você diria para quem quer começar a fazer  trabalho  de base e não sabe como?

Tenha base: Eu acredito que militante tem que ter “chão de fábrica”. As redes sociais servem para maximizar nossa luta e voz, mas não se cria militante da virtualidade e sim dos encontros em rodas de conversa, nos protestos, seminários, construção de marchas, dos sindicatos, movimento negro, estudantil e social.

Os (as) mais velhos (as): Ouça muito no início, em especial quem veio antes de você. Mas siga seu coração para perceber o que é crítica para te apoiar ou é só negatividade.

Juntos e Misturados: Faça parceria com entidades e pessoas que já estão consolidadas. Isso vai ajudar te impulsionar.

Economize: Use todo dinheiro que tiver com inteligência e economize o suficiente para ter reserva nos momentos de crise.

Tutoriais: Hoje o Youtube te ajuda a aprender tudo que precisa na sua área. Mas não deixe de ler bons livros e ouvir importantes militantes. Uma coisa é receber boas referências, outra é ouvir malucos metidos a “Coachs”. Fuja dos gurus da modernidade. E por fim, Ser pobre não é problema, ruim é não ser criativo rs.