Por Darlene Testa e Leo Pinho


O Brasil tem duas chagas estruturais que demandam um conjunto de políticas e alternativas organizativas para enfrentar o desemprego e alta informalidade na classe trabalhadora.

Nessa perspectiva, temos uma oportunidade histórica, a partir da aprovação da Lei que cria a Política e o Sistema Nacional de Economia Solidária. Trata-se de construir uma regulamentação da Lei com o propósito de garantir a efetividade dos compromissos e as agendas internacionais, em especial a do desenvolvimento sustentável: direito ao Desenvolvimento, Agenda 2030 e Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, além do alinhamento com as estruturas e dispositivos já construídos no país pelo Sistema Nacional de Emprego (SINE)/MTE.

A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986, das Nações Unidas, deixou claro que as políticas públicas devem ser construídas tendo as pessoas como “o sujeito central e deveriam ser participantes ativas e beneficiárias do direito ao desenvolvimento” e que “o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar”.

No Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, instituído no Brasil pelo decreto n. 592/1992, afirma em sua: “PARTE III – ARTIGO 6º (….) As medidas que cada Estado Parte do presente Pacto tomará a fim de assegurar o pleno exercício desse direito deverão incluir a orientação e a formação técnica e profissional, a elaboração de programas, normas e técnicas apropriadas para assegurar um desenvolvimento econômico, social e cultural constante e o pleno emprego produtivo em condições que salvaguardem aos indivíduos o gozo das liberdades políticas e econômicas fundamentais” (grifo nosso).

Mais recentemente, nosso país torna-se signatário da Agenda 2030, com seus 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e suas 169 metas, comprometendo-se com as três dimensões do desenvolvimento sustentável: social, econômica e ambiental.

Importante destacar que esses compromissos estão assentados na Constituição, que afirma em seu artigo 3º como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Desafios

A partir desses compromissos internacionais e do sentido estratégico da nossa Constituição, devemos pensar a regulamentação da Política e Sistema Nacional de Ecosol. Vale lembrar que o Brasil já construiu Políticas Nacionais e Sistemas Nacionais, como o Sistema Único de Saúde, previstos na Lei nº 8080/1990, que afirmou os seguintes princípios: “Universalização, Equidade e Integralidade”.

Nessa mesma perspectiva de construção da regulamentação da Política e do Sistema Nacional, alinhada com experiências exitosas de constituição de sistemas nacionais de direitos, é fundamental afirmar a necessidade da construção de uma sinergia entre o Sistema Nacional de Economia Solidária com o Sistema Nacional de Emprego (Sine), que foi instituído com vistas a cumprir a Convenção nº. 88 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Atualmente, o Sine já está presente em todo o território nacional, cofinanciando estruturas e equipamentos públicos, por meio dos Convênios Plurianuais do Sine (CPSINE) com as Unidades da Federação, municípios com mais de 200 mil habitantes e entidades privadas sem fins lucrativos.

A constituição de um Sistema Nacional de Ecosol, com capilaridade e capacidade de ser um dispositivo inovador de garantia do Direito ao Desenvolvimento em todas as regiões do país, passa pela construção dessa sinergia com os equipamentos e estratégias já realizadas pelo SINE em todo o país. A sinergia Sine e Sistema Nacional de Ecosol é a possibilidade objetiva de o Brasil garantir o Direito ao Trabalho Assalariado, como também o Direito ao Trabalho Associado e Autogerido, garantindo respostas concretas à crescente e estruturante informalidade no mundo do trabalho.

Esse sistema se coloca como garantidor da construção de saídas coletivas a partir de uma relação orgânica entre a economia solidária, o cooperativismo, os movimentos e experiências criativas e solidárias das periferias e com o movimento sindical brasileiro. A unidade na diversidade das experiências de defesa dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras é o caminho para consolidar uma Política e um Sistema Nacional de Ecosol que tenha capilaridade nacional e, principalmente, seja uma resposta promotora de direitos para a maioria da classe trabalhadora que está na informalidade ou em um “empreendedorismo” que não garante nenhum direito.

A consolidação da Política e do Sistema Nacional de Ecosol passa também pela necessidade de dar mais um salto de qualidade nas políticas públicas que promovem o Direito ao Desenvolvimento em nosso país, que é a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição n° 69, de 2019, no Senado Federal, incluindo a economia solidária no ordenamento econômico nacional, previsto em nossa Constituição. Garantir a economia solidária como política de Estado e presente na Constituição Federal, como prevê a PEC 69/2019, é afirmar que teremos uma política econômica que irá de fato efetivar o artigo 3º da nossa Constituição, combinando a geração de trabalho e renda, a inclusão social e a sustentabilidade ambiental para construir uma sociedade livre, justa e solidária.

A regulamentação da Política e do Sistema Nacional de Ecosol é uma oportunidade histórica para garantir que o Brasil possa ter uma política econômica centrada nos trabalhadores e trabalhadoras e na progressividade dos seus direitos, garantindo o direito ao desenvolvimento e o trabalho decente ao conjunto do povo trabalhador “periferizado”.

Trabalho popular, solidário e comunitário

É imperativo que o mundo do trabalho volte a ter centralidade no debate de direitos e de desenvolvimento sustentável. Sem direito ao trabalho, sem considerar o território como um lugar de bem viver, qualquer projeto de desenvolvimento nacional nasce deficiente. O NAPP Trabalho reafirma essa concepção, quando diz: ”Além de um novo arcabouço macroeconômico e fiscal adequado a um projeto nacional de desenvolvimento – como apresentado no Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil elaborado em 2020 –, é necessário buscar formas ativas de participação do Estado no mercado de trabalho, para além da intermediação e capacitação, e criar as condições para um amplo programa de desenvolvimento nacional capaz de recuperar a capacidade de investimento e de direcionar tanto os capitais públicos quanto os privados para a geração de empregos de qualidade e a promoção trabalho decente. (…) Para retomar o caminho de redução da pobreza e da desigualdade e reverter a desestruturação do mercado de trabalho gerada pelas crises do ultraliberalismo e da pandemia, é fundamental recuperar e fortalecer de forma incisiva os programas de inclusão social e distribuição de renda, em forma articulada ao combate ao desemprego e à precarização do trabalho.”

Dessa forma, urge uma Agenda para a economia popular, solidária e comunitária. Uma atuação vigorosa e incisiva que vai desde os movimentos organizados às políticas públicas de um governo que prioriza o povo pobre e trabalhador, que está nas periferias.

O Reconexão Periferias, da Fundação Perseu Abramo, prioriza essa temática, com elaboração, produção e difusão de reflexões visando instigar as direções partidárias e a militância a aprofundar esse debate e a produzir ação concreta.

Nesse próximo período, reafirmamos as ideias e dados apresentados no livro Viver por conta própria, organizado por Jacques Mick, da Universidade Federal de Santa Catarina, e João Carlos Nogueira (leia entrevista na página 13), do Observatório da Rede Brasil Afroempreendedor (UFSC/Reafro), buscando estimular a produção de políticas, a organização de ações nas periferias e a construção de uma agenda de políticas para fortalecer a economia popular comunitária. E, ao mesmo tempo, combater as discriminações, pois viver por conta própria nas periferias brasileiras é um desafio como também essencial para a distribuição de renda, a promoção da igualdade de gênero e raça e para o desenvolvimento econômico, social e sustentável.