Tecnologia social nas periferias pode alavancar transição ecológica
Rose Silva
Roda de conversa online reuniu integrantes do governo federal, sociedade civil e técnicos para debater conceitos, práticas e políticas públicas para o a vida sustentável
A Reconexão Periferias, da Fundação Perseu Abramo, realizou em 18 de agosto a roda de conversa “Transição Ecológica, trabalho, meio ambiente e participação social nas periferias”, que reuniu integrantes do governo federal, organizações da sociedade civil e técnicos com o objetivo de debater conceitos, práticas e políticas públicas em torno desses temas para posicionar a atuação dos dirigentes petistas. O resultado do debate será publicado em um caderno que dará subsídios para o desenvolvimento de ações e políticas voltadas à periferias.
Na abertura, o vice-presidente da Fundação Perseu Abramo, Brenno Almeida, lembrou que quando o presidente Lula ofereceu a candidatura do Brasil para sediar a COP 30 foi justamente no sentido de trazer esse debate e provocar uma reflexão sobre as características e a autoridade que o Brasil tem para falar em transição ecológica, por seus recursos, pelo acúmulo social e político e por ter sido o partido de Chico Mendes. “Tudo isso nos credencia a ter esse olhar da participação social nas periferias, na perspectiva da transição ecológica, E dialoga muito com a necessidade de radicalizarmos, levarmos até as bases essa reflexão sobre o que essa mudança quer dizer na prática”, afirmou.
Também participaram pela FPA o coordenador da Reconexão Periferias, Paulo Ramos, o consultor responsável pela área, Artur Henrique Silva Santos, a responsável pelo eixo trabalho Darlene Testa, e os consultores Victoria Lutosa Braga, Ruan Bernardo, Bárbara Martins e Danilo Morais.
Para estimular as reflexões, foram convidados o secretário Nacional de Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente Adalberto Maluf, a engenheira agrícola e vice-presidenta para Energia da Confederação Nacional dos Urbanitários da CUT, Fabiola Antezana, o agrônomo, integrante da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens, Gilberto Cervinsk, o Secretário Nacional Periferias do Ministério das Cidades, GuilhermeSimões, e o gerente de Projetos Estratégicos da Fundação Tide Setúbal e gestor do Galpão ZL — Rede de Inovação, Transformação e Empreendedorismo Marcelo Ribeiro.
Combate às desigualdades – O secretário Nacional de Periferias, Guilherme Simões, falou sobre a necessidade de conectar as agendas sobre a crise climática e o combate às desigualdades. E mencionou o relatório Painel do Clima da ONU, segundo o qual os moradores de regiões vulneráveis morrem quinze vezes mais por enchentes, tempestades e secas em relação a regiões com boa infraestrutura.
“Na periferia de São Paulo, há ilhas de calor com algo em torno de dez graus centígrados, em média, a mais do que os bairros do centro ou centro expandido de São Paulo. É preciso pensar qual a relação entre a ausência e a precariedade de infraestrutura urbana, por exemplo, e a exposição aos efeitos das mudanças climáticas. E isso precisa ser aprofundado, inclusive institucionalmente, para o desenvolvimento as políticas públicas”, afirmou.
Outro ponto fundamental apontado Por Simões é a identificação da potencialidade desses territórios para construir respostas às vulnerabilidades. “A ausência, ineficiência e as contradições da atuação do Estado nas periferias ajudaram também a construir o que a gente chama de economia da sobrevivência. As pessoas se organizam e dão respostas pontuais, paliativas, mas às vezes bastante estruturantes. Eu costumo falar muito do exemplo das cozinhas solidárias, que me parece algo que já chegou pronto ao governo do presidente Lula virar política pública”, pontuou.
Transversalidade – De acordo com Maluf, o meio ambiente é a agenda mais transversal do governo Lula. “São vinte e nove ministérios com departamentos de meio ambiente, sustentabilidade e clima. Isso é muito bom, porque a gente vê a política pública sendo executada lá na ponta”, afirmou.
Ele disse que o MMA está focado em políticas públicas com base em evidências e dados. “Finalizamos uma plataforma de indicadores de saúde ambiental com quarenta e quatro indicadores que impactam, em especial, a primeira infância e adolescentes, com recorte territorial, para saber onde a política pública deve ser focada. Hoje, por exemplo, a nossa secretaria, que é meio ambiente urbano, recursos hídricos e qualidade ambiental é uma das que mais entregam ações e planos. E isso tem a ver com a priorização da qualidade de vida das pessoas, pois 85% dos brasileiros moram nas cidades”.
Transição energética – Fabiola Antezana destacou que como trabalhadora do setor elétrico vive até hoje os impactos socioambientais dos grandes empreendimentos hidrelétricos feitos nas décadas de 1950 a 1970. Segundo ela, o que se esperava do processo de transição energética com subsídios para que as eólicas e as solares se instalem é que fosse possível minimizar alguns dos erros históricos cometidos sessenta anos atrás, mas não é bem o que se tem observado.
“O conceito de transição surge dentro de um contexto de trazer políticas equitativas na questão energética, com diminuição da pobreza energética e uma participação pública significativa dos movimentos sociais. Temos uma crítica muito grande à velocidade com que o Brasil se colocou como sendo uma grande fronteira energética para receber tantos empreendimentos de energias renováveis, quando a gente considera que a matriz brasileira já era bastante renovável. Esses grandes empreendimentos não estão sendo feitos na periferia das grandes cidades, mas sim nos estados de menor IDH, no Nordeste e no Norte do Brasil. E o que se percebe é que já trazem impactos de desertificação, desmatamento, grilagem de terra e uma flexibilização do licenciamento a partir de um processo de burla à legislação brasileira”, criticou.
Para Gilberto Cervinski, o ponto de partida é o modo de produção capitalista. “Isso que nós estamos vivendo no clima é resultado do modo capitalista de produção, e não há como reverter essa situação se não mudar o modo de produção destrutivo. Há uma tendência crescente do consumo de combustíveis fósseis e emissão de gases de efeito estufa, e os cientistas e que estão preocupados com essa situação planejam reverter essa curva a partir dos próximos anos. Mas o modo capitalista busca a obsolescência programada, ele reduz o tempo deutilidade das mercadorias. Isso, de maneira geral, acelera o processo de destruição e e consumo de energia, cria crises também. Às vezes, uma máquina estraga por uma peça, mas poderia ser utilizada. Só que isso tudo vira lixo, precisa ser destruído e mais consumido, mais minério, mais energia, mais uma série de coisas. E se mudar isso o capitalismo entra em colapso. Essa é a questão”, pontuou.
Participação comunitária –O gerente de Projetos Estratégicos da Fundação Tide Setúbal e gestor do Galpão ZL — Rede de Inovação, Transformação e Empreendedorismo Marcelo Ribeiro citou o exemplo do Jardim Lapenna, situado no extremo leste de São Paulo, em São Miguel Paulista, um bairro ilhado com aproximadamente quinze mil habitantes, onde há experiências concretas de participação que vão além da mobilização pontual.
“Lá tem plano de bairro, colegiado, nove grupos temáticos de trabalho sobre imigrantes, economia solidária, meio ambiente, infraestrutura, reurbanização, esporte e lazer, infância, juventude, mobilidade. E já estão dialogando para ter no ano que vem o tema Lgbtqia+. E ainda tem ali os comitês de cultura, com 36 artistas que fazem sua própria produção. Eles criaram uma mostra que chama Cria na Vila, com uma série de programações dentro do território”, relata.
Durante a pandemia de Covid-19, surgiu no local um grupo de guardiãs do território formado por duzentas mulheres que fazem trabalho de acolhimento e hoje acolhem vítimas da violência de gênero, além de manter projetos fomentados com a pauta ambiental.
Sobre a crise climática, Ribeiro defende que a diversidade urbana, ribeirinha, quilombola e indígenas deva estar no centro do debate. “Afinal, esses grupos não são apenas vítimas, eles têm produzido soluções comunitárias de mitigação e adaptação que podem ser inseridas em políticas públicas”, diz.