No mês de lutas das mulheres, destacamos a contribuição delas para a democracia brasileira. A democracia só existe porque as mulheres também lutaram. Ainda que cerceadas de diversas maneiras, ao longo de toda história, as mulheres se fizeram presentes com suas reivindicações por transformações profundas na sociedade.

Hoje, no Brasil, elas são as protagonistas dos movimentos de periferias, à frente das ações sociais de combate à fome, de luta por moradia, por melhores condições de saúde, de proteção de crianças e adolescentes e das associações de bairros. Contraditoriamente, não são a maioria das pessoas que participam institucionalmente da política, porque há barreiras estruturais erguidas contra essa representação. Parte delas é a imposição às mulheres do trabalho de cuidados com crianças, idosos e pessoas deficientes ou doentes. São inúmeras horas do dia, da semana, do mês, que as mulheres precisam dedicar-se prioritariamente a essas tarefas, em vez de livremente usufruir do seu tempo.

Para derrubar o limite da pouca presença das mulheres na política é preciso mudar essa divisão do trabalho, baseada no sexo das pessoas. Homens e mulheres devem ter deveres igualmente cobrados, e o Estado também precisa participar, garantindo equipamentos públicos que permitam o compartilhamento dos trabalhos de cuidados, tais como creches, hospitais, lavanderias públicas e restaurantes coletivos.

No âmbito do mundo do trabalho, tais iniciativas também são fundamentais para se alcançar mais igualdade. Atualmente, as mulheres ganham, em média, 21% a menos do que os homens – o equivalente a R$ 2.305 para elas e a R$ 2.909 para eles, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) divulgados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos (Dieese). A transformação dessa realidade é prevista, em parte, com a Lei da Igualdade Salarial, sancionada no 8 de maço desse ano. Contudo, tal Lei alcança mulheres que estejam em atividades formais, deixando de fora milhões de outras que estão na informalidade, caso da maioria das moradoras das periferias. Contudo, a existência de iniciativas como essa, por parte do governo Lula, mostra disponibilidade em avançar nessa pauta, o que é bastante positivo e necessário.

Na pauta da violência sexista, os números seguem evidenciando uma tragédia: nosso país mata mulheres e meninas diariamente, fazendo uma vítima a cada 4 horas, segundo dados da Rede de Observatórios da Segurança. E não é só à violência física que as mulheres e meninas precisam sobreviver, a violência psicológica e virtual tem ganhado espaço nos últimos períodos.

Para dar visibilidade ao processo de luta e resistência das mulheres indígenas diante da democracia no Brasil, apresentamos o artigo de Nedina/Xiu Yawanawa, professora indígena e coordenadora da Organização das Mulheres Indígenas do Acre-Sitoakore. Nedina afirma que a participação das indígenas vem crescendo, pois passam a ocupar cargos de liderança em suas aldeias e territórios, que antes eram apenas destinados aos homens, tornando-se protagonistas de um novo processo de democratização da política indígena e não indígena.

A entrevista do mês é com a secretária Municipal de Mulheres do PT em São Paulo, Pagu Rodrigues. Mulher indígena fulni-ô, socióloga formada pela Universidade de São Paulo e estudante de Direito, Pagu é também membra da Comissão de Povos Indígenas da OAB. Na entrevista, ela fala sobre a perspectiva integracionista do Estado brasileiro em relação à população indígena, que ignora sua diversidade. “Cerca de 36% da população indígena do Brasil vivem em contexto urbano e apenas 3% dessa população vive de fato em território demarcado”, afirma.

Foto: Marcelo Camargo/AG Brasil

Pagu aborda também os desafios do novo governo para garantir a superação das desigualdades de gênero no mercado de trabalho brasileiro, que é estruturante na sociedade patriarcal. “Uma das questões muito históricas do movimento de mulheres e do movimento feminista, que é a igualdade salarial, está pautada na igualdade de oportunidades e de direitos. Enquanto a gente não tiver políticas que garantam a autonomia econômica das mulheres, não haverá avanços na discussão da igualdade salarial. O que eu quero dizer com isso? O Estado realmente precisa se incumbir das política dos cuidados, com ampliação de creches, inclusive noturnas, e um sistema de educação que compatibilize realmente a rotina das mães em relação aos seus filhos, para que elas possam trabalhar e os filhos tenham o direito à educação de qualidade”, diz.

O Perfil desta edição é do Movimento de Mulheres do Subúrbio Ginga, que surgiu com o objetivo de realizar atividades para proteção e atendimento às mulheres vítimas de violência, além de promover sua autonomia f inanceira e psicológica. O grupo realiza reuniões, oficinas, cursos para a formação e conscientização das mulheres da periferia de Salvador sobre seus direitos. O núcleo gestor do coletivo reúne em torno de 15 mulheres, cujas atividades são mantidas por contribuições próprias, de moradores da comunidade e de parceiros.

Uma de suas integrantes, Claudia Isabele Pinho, conta que a Ginga foi também um encontro geracional. Suas fundadoras foram estavam principalmente na faixa dos 40, 50 anos e tinham caminhadas mais extensas na comunidade. “Estavam muito incomodadas com os processos de feminização da pobreza, de pauperização das mulheres, de estigmatização e da necessidade de acesso à universidade.”, afirma.

Na sessão “Quando novas personagens entram em cena”, apresentamos Vivi Martins, a nova secretária Nacional de Cultura do Partido dos Trabalhadores. Vivi afirma, entre outros pontos, que a Cultura é uma boa porta de entrada para despertar a juventude para a política, porque têm ideias de liberdade muito fortes, e que “talvez por isso os inimigos da democracia têm tanto medo da Cultura”.

Construir um país melhor para meninos e meninas, homens e mulheres, passa, necessariamente, por enfrentar as desigualdades de gênero. Nessa luta, sabemos que as mulheres são as protagonistas, mas esperamos a solidariedade e empatia de todos, todas e todes. Esperamos que o conteúdo dessa edição da Revista contribua para fortalecer essa tão almejada igualdade de direitos.

Boa leitura! Boas lutas!

Léa Marques – Editora da Revista Reconexão Periferias