O terreno já parecia desenhado para a jornada de Camila Jara, que em 2022 foi eleita deputada federal pelo PT-MS. Nascida e criada no Cerrado, estava na metade de seu primeiro mandato como vereadora na capital Campo Grande quando lançou-se ao desafio de concorrer à Câmara dos Deputados, na quase vizinha Brasília. A política já fazia parte de sua vida desde a infância, pelo exemplo da avó e dos pais militantes. Isso não significa que todo o roteiro já estivesse escrito.

Camila sonhava em ser médica, mudou de rumo e cursou Ciências Sociais. Antes de assumir seu mandato de deputada federal em 2023, uma passagem pela equipe de transição do governo Lula em construção, em que contribuiu com os projetos na área de Meio Ambiente.

Conte um pouco sobre você. Quem é você?

Essa é uma pergunta que parece complexa, mas é bem simples. É só lembrar de onde a gente vem, da nossa base. Eu sou a filha mais velha do jornalista Gerson e da professora Edna, que cresceu cercada pela natureza exuberante de Bodoquena, no interior de Mato Grosso do Sul, e também por exemplos incríveis de militância. Minha avó, Narciza, foi uma das fundadoras do grupo de mães do bairro onde morava em Campo Grande, justamente depois de ter saído de uma relação abusiva e ter criado os filhos sozinha, e é também uma das fundadoras do Partidos dos Trabalhadores aqui em Mato Grosso do Sul. Os meus pais mesmo se conheceram na militância e sempre me levaram desde bem pequena pra participar de bandeiradas, campanhas políticas, nos almoços de domingo com a família falar de política sempre foi normal. E foi por crescer nesse meio de diálogo e de luta por justiça social que acredito que a política só faz sentido se for pra transformar a vida das pessoas.

Dos seus planos para o mandato de vereadora, você acha conseguiu cumpri-los?

Quando um grupo de jovens – um tanto quanto decepcionados com a realidade que viviam – decidiu se unir e lançar um nome para a Câmara Municipal de Campo Grande na campanha de 2020, não foi por simples aventura. Sabíamos que podíamos não ganhar, mas lançamos uma campanha bem estruturada, ouvimos grupos muito amplos e diversos de pessoas, vindas de diferentes realidades e que viviam diferentes desafios no dia a dia também. Conseguimos reunir todas as demandas em 31 propostas, 31 ideias para mudar Campo Grande. E justamente por não serem promessas fantasiosas ou soluções milagrosas para os problemas da cidade e sim ideias realistas e possíveis de serem executadas, conseguimos nesses 2 anos de mandato concluir praticamente todas. As que estão encaminhadas, mas ainda não foram executadas propriamente, vamos ter o mandato da vereadora Luzia Ribeiro, que entra na Câmara quando assumirmos em Brasília, para dar continuidade ao trabalho.

Dos projetos, qual a prioridade número 1 do mandato de deputada federal?

Certamente a prioridade é reduzir a desigualdade que cresceu drasticamente no país nos últimos anos. Para isso, vamos trabalhar para dar base ao presidente Lula ser capaz de reconstruir o país. E quando falamos de reconstruçãofalamos de pensar, propor e votar projetos e emendas que permitam à população mais carente do país, que tanto sofreu nos últimos seis anos desde o golpe contra a Dilma, voltar a ter dignidade: com comida no prato, moradia, estudo, emprego…reduzir as nossas desigualdades é urgente. As pautas ambientais também ganham destaque porque eu, que cresci longe dos grandes centros, sei do impacto que as mudanças climáticas estão causando, especialmente com a destruição do Pantanal e do Cerrado. Temos que lutar contra a devastação da Amazônia, isso é consenso, mas pouco se fala dos biomas do Centro-Oeste. Eu vou lutar para denunciar as queimadas no Pantanal e o desmatamento do Cerrado.

FOTO: ARQUIVO PESSOAL/FACEBOOK

Como você entrou para a política e como decidiu concorrer a um cargo eletivo?

Além da história familiar de muita proximidade com a política, quando desisti do cursinho pra tentar vestibular pra Medicina e fui cursar Ciências Sociais na Universidade Federal daqui de MS, me deparei com uma universidade sucateada e com muitos problemas. Foi assim que militei dentro dos movimentos estudantis, ao mesmo tempo que atuava também pelo Partido dos Trabalhadores, coordenando as campanhas de juventude nas eleições de 2014 e 2016; participei também do Estágio Visita na Câmara Federal em Brasília. Essa experiência fez o meu nome ser escolhido para representar aquele grupo de jovens que estava descontente com a realidade que vivia e não se sentia representado por ninguém que ocupava um cargo eletivo naquele momento. E também não via um candidato se aproximar das nossas causas, das nossas ideias. Então decidimos nos unir e lançar nosso próprio representante.

Quais os setores que te apoiam e quais os setores que mais te fazem oposição?

Pela própria natureza do partido em que estou, temos o apoio dos trabalhadores de forma geral, servidores públicos, principalmente professores e profissionais do SUS, estudantes, acadêmicos e pesquisadores.Além disso, a população LGBTQIAP+, movimentos negros, indígenas e de mulheres.

A oposição vem dos setores que defendem tudo aquilo que a gente entende que não contribui para a construção de uma sociedade mais justa e menos desigual: movimentos armamentistas, conservadores e o agronegócio que concentra renda.

Destaque um momento bom e um momento ruim que marcaram a tua trajetória como parlamentar até aqui.

Momentos bons tivemos muitos, não só a aprovação e a sanção de projetos fundamentais, como a Renda Básica, Dignidade Menstrual e Órfãos do Feminicídio, mas também ao ir pra rua e ouvir histórias anônimas de pessoas que se reconhecem nesses projetos. Não diria que tivemos momentos ruins, tivemos momentos desafiadores, porque a escalada do conservadorismo está constantemente questionando a capacidade e a competência de mulheres e querendo nos convencer que esses espaços de poder que ocupamos com tanta dificuldade não é nosso.

O que você diria para os jovens que estão pensando em entrar para a política?

Eu diria para o jovem que está pensando em entrar para a política a mesma coisa que o presidente Lula me disse quando falei que estava em dúvida sobre sair candidata a deputada federal: “o jovem só perde a luta que ele não faz”.

A gente precisa de mais jovens na política porque quem vai ser mais impactado pelas decisões políticas seremos nós. Para renovar, a gente precisa diversificar. Só a juventude tem capacidade de diversificar a política e mudar a forma de fazê-la.

O que você diria para esse jovem para convencê-lo a se aliar aos ideais da esquerda?

Eu diria “estude”, rs. Brincadeira. Eu estudei muito política e posso dizer, do fundo dos meus bons anos em Ciências Sociais, que a esquerda é a melhor saída para um país em desenvolvimento como o Brasil. Veja só os exemplos fantásticos de bem-estar social em países social-democratas – nem precisa comparar a medicina cubana com a estadunidense. Basta olhar os indicadores, o que impacta mais a nossa vida? O PIB ou o IDH? Ou seja, a riqueza total ou a qualidade de vida que essa riqueza pode gerar para todos?

Para você convencer um jovem a defender valores progressistas, como eu, basta perguntar: você quer um futuro inclusivo ou exclusivo?