Desde 2018, os clubes ou associações culturais e recreativas voltadas para integração e sociabilidade da comunidade negra, que divulgam e realizam manifestações culturais de origem africana e afro-brasileira, são considerados de relevante interesse cultural para Minas Gerais. Entre eles o Clube dos Cutubas, sediado em Leopoldina, na Zona da Mata, que foi fundado em 1925 e ainda hoje permanece em funcionamento.

DÉCADA DE 40 -ESPERANÇA JAZZ E COMPONENTES DO CURSO DE CORTE E COSTURA DO CLUBE CUTUBAS. FOTO – ACERVO DE ELPÍDIO RODRIGUES

Os primeiros clubes sociais de negros surgiram no fim do século XIX, antes da abolição da escravatura, numa época em que as pessoas negras eram frequentemente barradas em lugares de lazer. A partir da rejeição, esses grupos começaram a construir seus próprios locais de socialização, como uma forma de resistência ao sistema escravagista vigente. E se firmaram como importantes espaços, disputados hoje em dia inclusive pela população não-negra.

Em todo o Brasil, centenas dessas associações realizavam bailes, festas de carnaval e confraternizações que garantiam relações de sociabilidade entre as famílias e amigos nos territórios.

GRIMALDO BOCARD DOS SANTOS, ELPÍDIO RODRIGUES, VALDIR DE PAULA “PICO”, JOSÉ EDUARDO DA SILVA PATROCÍNIO “ZEZINHO GORDURÃO”, ROBERTO SILVA, AMÉRICO SILVA”MERQUINHO”, MANOEL BERNARDO, FRANCISCO SILVA, NA 1ª REUNIÃO REALIZADA EM 06/06/2010, NA SEDE SOCIAL DO CLUBE COM A FINALIDADE DE RESGATAR SUA HISTÓRIA ATRAVÉS DE DEPOIMENTOS E PESQUISAS. . FOTO – ACERVO REVISTA HORA H

Festas, bailes, desfiles carnavalescos, passeatas festivas e cortejos sempre ocuparam a vida do clube dos Cutubas, como nos conta um de seus integrantes, Valdir de Paula, que começou a frequentar o lugar aos seis anos de idade, no carnaval. Ele já foi presidente da agremiação e hoje faz parte do seu conselho deliberativo.

Nascido em 1954, em Leopoldina, foi criado por uma família de pessoas brancas desde os dois meses de idade. E conta que recebeu todo carinho, estudou em bons colégios, em boas faculdades e trabalhou em três companhias aéreas comandadas pela extinta PanAm. Ele explica que tomou gosto pelos movimentos negros por ter sentido na pele a segregação racial.

Pico, como é conhecido entre os amigos, lembra em seu depoimento da urgência de inserção social que havia na época e era muito dificultada pelo extremo preconceito racial no país.

“Perto de onde fui criado, na Rua Tiradentes, havia uma praça principal, chamada Félix Martins, cujo centro era ocupado pelos brancos e onde havia um local sem iluminação, conhecido como ‘Praça dos Urubus’ e ‘África’, onde podiam circular as pessoas negras. Lá se concentravam os engraxates e pessoas pobres, que frequentavam o Cutubas”, lembra.

Ali mesmo, na “Praça dos Urubus”, hoje chamada Praça Zequinha Reis, ele teve a coragem de montar um Carnaval de marchas antigas para as famílias, o único que perdura até hoje em Leopoldina.

Pico relata que, ao lado do Cutubas, existia também um clube dos brancos, mas os negros eram impedidos de passar por ele, até mesmo na calçada. “Ficava um negro sentado na porta, em uma cadeira de madeira, que se chamava Mário, ele não permitia que circulássemos ali. Veja bem, ele era negro, mas mandava a gente sair”, recorda.

Na época do carnaval, os únicos negros que podiam entrar no clube dos brancos eram o presidente, o vice-presidente, a porta-bandeira e o mestre-sala. “A gente dava uma volta lá dentro e saía. Mas na hora de namorar aquelas mulheres negras bonitas, o brancos corriam lá para o Cutubas”, recorda ele

ESQUERDA: FACHADA DO CLUBE DOS CUTUBAS ANTES DA RESTAURAÇÃO, NA RUA 27 DE SETEMBRO, BEM NO CENTRO DE LEOPOLDINA (MG). DIREITA: PRÉDIO DO CLUBE RESTAURADO. CRÉDITO: ACERVO PESSOAL

Liderança conhecida na promoção da cultura e no combate ao racismo, ele fundou em Leopoldina a primeira associação de clubes sociais negros do Brasil e também um Conselho da Promoção da Igualdade Racial. É ainda fundador da Banda Musical Princesa Leopoldina. E hoje luta pelo tombamento de todos os clubes sociais negros mineiros, junto à Assembleia Legislativa do estado. Ele espera conseguir aprovar esse projeto até o ano de 2023.

Em Minas Gerais ainda existem vários clubes, muitos deles, com mais de 100 anos, que guardam em seus acervos documentos importantes: Clube 13 de Maio (Divino), Clube 13 de Maio (Coronel Fabriciano), Clube 13 de Maio (Araguari), Clube Black Chic (Uberlândia), Clube Chico Rei (Poços de Caldas), Clube dos Cutubas (Leopoldina), Clube Flor da Mocidade (Recreio), Clube Mundo Velho (Sabará), Clube José do Patrocínio (Prata), Clube Palmeiras (Ituiutaba), Clube Princesa Izabel (Itabira), Clube Raça Negra (Frutal), Clube União (Araxá), Clube União (Patrocínio), Esporte Clube Biquense (Bicas), Associação Quilombo dos Palmares (Mar de Espanha), Liga Operária Beneficente de Ubá (Ubá), Clube Operário (São João Nepomuceno) e Elite.

ELEIÇÃO DA RAINHA DOS CUTUBAS EM MEADOS DA DÉCADA DE 1950. CRÉDITO: ACERVO PESSOAL