O governo Bolsonaro finalmente chega ao seu fim este mês. Mas, infelizmente, os impactos cruéis gerados por seu governo não terminarão por decreto. Uma dessas sequelas é a ideologia perversa defendida por ele e por seus seguidores de que Direitos Humanos são meios para defender bandidos ou, por outro lado, de que deveriam ser apenas para “humanos direitos”. Na realidade a consolidação do termo Direitos Humanos deu-se com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948, três anos após o término da II Guerra Mundial, e propunha parâmetros mínimos a serem exigidos dos Estados para que todos e todas pudessem, de fato, serem “livres e iguais em dignidade e direitos”. Assim, a própria história de sua construção mostra que o termo nada tem a ver com objetivos de favorecer a criminalidade ou algo do gênero, tampouco deveria ser restrito a um grupo determinado de pessoas. Pelo contrário, é na garantia plena dos direitos civis e políticos, econômicos, sociais, culturais, difusos e coletivos a todas pessoas, que as sociedades poderão de fato enfrentar suas desigualdades, injustiças sociais e violência de todos os tipos.
Agora novos tempos estão começando no Brasil. Serão tempos em que um novo governo Lula e a sociedade poderão estar em maior sintonia na defesa dos direitos humanos. Na defesa de uma vida digna para todos, todas e todes. Nós, do Reconexão Periferias, esperamos ser tempos em que mais do que apenas resistir e sobreviver, as periferias poderão passar a propor e acompanhar o desenvolvimento de ações e políticas públicas para avançar no combate às desigualdades estruturais de classe, gênero e raça. Na verdade, mais do que uma esperança, entendemos que essa é uma urgência. Assim, é urgente e preciso que o novo governo Lula se empenhe na garantia de direitos humanos básicos a todos brasileiros e brasileiras. Na garantia da vida da juventude negra periférica, que segue sendo alvo de um genocídio racista histórico em nosso país. Na garantia de uma vida digna para as mulheres, com direito de acesso ao trabalho, com igualdade salarial e com autonomia sobre nossos corpos e nossas vidas. Na garantia do direito de acesso de todos e todas à justiça e de sua necessária transformação para não seguir perpetuando diretrizes patriarcais e o racismo institucional. Na garantia de moradia, educação, alimentos e acesso à cultura e lazer.
E com essa visão sobre direitos humanos, e no marco do Dia Internacional dos Direitos Humanos, 10 de dezembro, a Revista Reconexão Periferias deste mês traz o artigo do Festival Entretodos, que é uma iniciativa comprometida com as gerações futuras, fomentando a cultura dos Direitos Humanos e Cidadania priorizando o público jovem e crianças. No artigo o Entretodos nos conta sobre sua essência, de promoção do diálogo, da participação e produção cultural, disseminando o tema dos Direitos Humanos e Cidadania entre estudantes, professores e a comunidade em geral, através da exibição de filmes de curta-metragem transformadores e de processos formativos do olhar para o cinema.
A entrevista do mês é com Maria Cristina Quirino, mãe do adolescente Denys Henrique, um dos nove jovens de 14 a 23 anos mortos em 1º de dezembro de 2019, durante a Operação Pancadão da Polícia Militar no baile da Dz7, em Paraisópolis, periferia da Zona Sul de São Paulo. Após o massacre, Maria Cristina conheceu o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo, que começou a reunir os familiares das vítimas para lutar para que a verdade seja apurada, e o Estado responsabilizado por sua ação.
Em artigo, Gabriela Shizue Soares de Araujo e Marina de Mello Gama, advogadas e, respectivamente, membro da Comissão Nacional de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB e membro do Observatório Eleitoral da OAB/SP, analisam a violência de gênero na política brasileira e durante as últimas eleições. As autoras afirmam que para avançar nos direitos humanos, que perpassam pelos direitos políticos de todos, todas e todes, para o exercício igualitário da cidadania, são necessárias condições efetivas que assegurem a inclusão de candidaturas, a atuação das eleitas e a segurança das mulheres que se dispõem a participar ativamente da arena política.
O coletivo do mês que apresentamos é o da Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves, sediada em João Pessoa, Paraíba, desde 1994, cuja missão é fortalecer e difundir a cultura de respeito aos direitos humanos na perspectiva dos movimentos populares e da justiça social. Atualmente a instituição tem dois eixos de atuação: o direito à cidade e acesso à Justiça.
Na seção “Quando novas personagens entram em cena”, entrevistamos Camila Jara, Deputada Federal eleita pelo PT/MS para o próximo mandato, atualmente vereadora em Campo Grande (MS). Camila, de 27 anos, nos conta sua trajetória, desafios e prioridades, além de fazer um chamado à juventude, afirmando que “a gente precisa de mais jovens na política porque quem vai ser mais impactado pelas decisões políticas seremos nós. Só a juventude tem capacidade de diversificar a política e mudar a forma de fazê-la.”
Sabemos que os desafios para a garantia de direitos humanos a todos, todas e todes, especialmente para as populações periféricas são gigantes. Mas também sabemos que é na luta que abrimos brechas para romper barreiras históricas e aparentemente intransponíveis. E não duvidamos da disposição das periferias brasileiras em construir esses novos tempos no Brasil. Esperamos que as reflexões e questões levantadas nessa edição da Revista Reconexão Periferias possam contribuir nessa jornada.
Boa leitura!
Boas lutas!