Em 6 de novembro foi realizado um debate sobre a plataforma virtual Periferias na Pandemia . Lançada em 26 de agosto de 2022, reúne testemunhos – em áudio, vídeo e texto – de populações periféricas sobre sua vivência deste período tão conturbado, em que pandemia de Covid-19 alterou as regras de convivência social, milhares de brasileiros perderam sua fonte de renda, muitas vidas foram perdidas devido à doença e à inabilidade da gestão pública de atender às necessidades de saúde da população.

Além disso, a plataforma também apresenta um acervo de notícias de imprensa e relatórios que tratam da pandemia de Covid-19 nas periferias, uma galeria de fotos enviadas por pessoas que contribuíram com seu testemunho, além de um blog e uma aba com as produções derivadas da pesquisa que perpassa esse projeto. O propósito do evento era fazer uma primeira avaliação dessa plataforma e estudar seu potencial para contribuir para a pesquisa sobre aquele momento histórico, bem como para a formulação de políticas públicas mais alinhadas às necessidades das populações periféricas. Para tanto foram convidados para o evento: Rebecca Neaera Abers, professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, Marcela Purini, executiva pública da Coordenadoria de Ação Social – Proteção Social Especial, da Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo, e Fábio Biolchini, dos Médicos Sem Fronteiras. Os convidados responderam a duas questões colocadas para debate:

  1. Como a plataforma poderia contribuir com seus respectivos trabalhos
  2. Como a plataforma poderia tornar-se mais eficiente e útil, inclusive no longo prazo?

A ideia de trazer diretamente a voz das periferias foi amplamente elogiada pelos convidados. Rebecca Abers destacou a existência de vários projetos que tratam de memória, mas que são geralmente focados naqueles que já se foram, inclusive no âmbito das vítimas de Covid-19. Nesse sentido, a ideia de um memorial dos que sobreviveram traz um ineditismo, uma vez que valoriza quem sofreu, trazendo um espaço de compartilhamento dessas experiências.

De maneira prática, e traçando um paralelo com seu projeto na área de mobilização social que também apresenta um repositório de mobilizações contra a Covid-19, Rebecca reforçou a importância deste tipo de repositório para utilização em sala de aula, inclusive no ensino médio, para compartilhar as diferentes vivências deste período que tanto afetou a sociedade no Brasil e no mundo. Em sua opinião, o fato de alguns dos testemunhos serem em áudio e vídeo também ajuda a criar um laço emocional para quem os escuta, o que pode ajudar no processamento da memória e até mesmo na cura do trauma gerado pela pandemia.

Falando pela ótica de gestão de políticas públicas, Marcela Purini destacou a importância da plataforma para que se escute o lado do receptor dessas políticas, ao invés de apenas o lado do gestor, como muitas vezes acontece. Estas vozes ajudam a compreender de forma muito prática se as ações tomadas estão de fato sendo efetivas nas comunidades, respondendo, assim, ao seu propósito. A gestora destacou também a galeria de fotos que está no site e que, em sua maioria, ilustra a entrega de cestas básicas a comunidades. No âmbito da pandemia e seus efeitos socioeconômicos, a disponibilização de cestas básicas foi crucial para a sobrevivência de inúmeras famílias, ainda que este tipo de política assistencialista não seja particularmente apreciado no meio dos gestores. Na opinião de Marcela, apresentar essas imagens é uma forma de deixar mais visível o efeito prático deste tipo de ação e tornar números e estatísticas mais concretos e representativos.

Por fim, falando por uma terceira perspectiva, do ponto de vista da ação humanitária, Fábio Biolchini relembrou do período em que esteve em Manaus, durante a crise da falta de respiradores, dos corpos amontoados em hospitais e das famílias tentando invadir os hospitais. Destacou que essas imagens representaram apenas a ponta do iceberg de uma crise muito maior em Manaus e que incluiu, entre outros, a propagação de fake news facilitada pelo isolamento social e o encerramento de visitas de agentes comunitários nos bairros. Destacou, ainda, o legado de doenças mentais geradas a partir deste trauma coletivo, especialmente nos agentes de saúde, que se viram forçados a tomar atitudes como, por exemplo, forçar familiares de vítimas a saírem das portas dos hospitais. Nesse sentido, sugeriu que seria importante fazer uma busca ativa dessas pessoas e incluir seus testemunhos na plataforma. Refletindo sobre seu trabalho no Médicos sem Fronteiras, Fábio mencionou o esforço desta instituição no sentido de mudar sua abordagem de forma que responda mais a demandas locais, trabalhando menos “de cima para baixo”. Nesse cenário, a plataforma Periferias na Pandemia teria um papel central, por trazer justamente as vozes das pessoas periféricas, servindo, assim, como um espaço de consulta, oferecendo um parâmetro do que as pessoas vivenciaram nestes espaços.

Com pouco mais de dois meses de existência, a plataforma Periferias na Pandemia já apresenta testemunhos de diferentes estados do Brasil. Além de possibilitar a contribuição diretamente através do site, a equipe responsável está engajada num processo de busca ativa de testemunhos. É importante destacar que, ainda que a sensação neste momento seja de que a pandemia “passou”, a Covid-19 ainda está circulando, e as lições aprendidas a partir desses dois anos podem ser extremamente úteis para se repensar algumas políticas públicas voltadas para o combate à propagação e prevenção da Covid-19, bem como para a gestão de futuras pandemias que possam vir a ocorrer no país.

Equipe

Ana Maura Tomesani – Pesquisadora Principal:
Pesquisadora do Centro de Estudos em Conflito e Paz – CCP, NUPRI/USP. Consultora do BID e do PNUD para assuntos de segurança, qualidade dos dados e participação social. Pesquisadora do Frameworks Institute e coordenadora de parcerias do Laboratório Social.

Camila de Macedo Braga – Pesquisadora Principal:
Professora colaboradora e pós-doutoranda do Instituto de Relações Internacionais, Universidade de São Paulo. Pesquisadora do Centro de Estudos em Conflito e Paz (CCP), associada ao Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (NUPRI), Universidade de São Paulo.

Joana Ricarte – Pesquisadora Principal:
Investigadora Integrada no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho. Pesquisadora do Centro de Estudos em Conflito e Paz (CCP), associada ao Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (NUPRI), Universidade de São Paulo.

Roberta Holanda Maschietto Pesquisadora Principal:
Pesquisadora de pós-doutorado, Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra Pesquisadora do Centro de Estudos em Conflito e Paz (CCP), associada ao Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (NUPRI), Universidade de São Paulo.

Maria Clara Oliveira – Pesquisadora associada:
Doutorada em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Atualmente é Professora Auxiliar Convidada no Núcleo de Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

Bruno Gomes Ponciano Assistente de pesquisa:
Estudante de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo, vinculado ao Centro de Estudos em Conflito e Paz (CCP), Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (NUPRI), Universidade de São Paulo.

Amanda Escobar – Assistentede Pesquisa:
Estudante de História da Universidade de São Paulo, vinculado ao Centro de Estudos em Conflito e Paz (CCP), Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (NUPRI), Universidade de São Paulo.

Ruan Bernardo- Assistente de Pesquisa:
Estudante de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo. Estagiário pesquisador do projeto Reconexão Periferias, Fundação Perseu Abramo, e vinculado ao Centro de Estudos em Conflito e Paz (CCP), Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (NUPRI), Universidade de São Paulo.