Luís Inácio Lula da Silva, nosso presidente Lula, fez mais uma vez história no Brasil. Nunca antes um presidente tinha sido eleito com mais de 60 milhões de votos e para um terceiro mandato, mas também nunca antes com um país tão declaradamente dividido. De um lado, pessoas que defendem a democracia, a justiça social, a liberdadede sermos quem somos, a construção de um país tendo como base a valorização do trabalho, a erradicação da miséria e da fome. De outro, pessoas que topam qualquer barbaridade, autoritarismo, violência, para manter seus privilégios de classe, raça e gênero. No meio disso tudo, muita gente assediada cotidianamente por medos infundados,mentiras estapafúrdias, manipulações religiosas, tentativa de compra de votos e descrença na política em geral. Ainda assim, Lula foi o mais votado no total e também na maioria das periferias do país. Isso se deu especialmente pela percepção real da população de que o governo Bolsonaro só piorou as condições de vida dos mais pobres, das mulheres, de negros e negras. Sob o governo Bolsonaro, por exemplo, de acordo com dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a renda média das mulheres negras ganham menos da metade dos homens brancos.Importante ressaltar, contudo, que o racismo não começou com o governo Bolsonaro, ao contrário, nunca houve democracia racial no Brasil, uma vez que nossa sociedade foi construída a partir da escravidão e criou estruturas e culturas racistas que demoram tempo e demandam luta política para serem alteradas. Mas a ação de governos, especialmente à frente de políticas nacionais, podem tanto contribuir para consolidar estruturas e práticas racistas – como faz Bolsonaro – ou para mudanças positivas, como esperamos agora com o novo governo Lula 2022. E esse é o tema central da edição deste mês da Revista Reconexão Periferias: a luta antirracista no novo cenário institucional pós eleições no Brasil.
Para contribuir com as reflexões, entrevistamos Macaé Evaristo, recém-eleita deputada estadual em Minas Gerais pelo PT e liderança histórica da luta antirracista e do movimento de educação no país. Macaé acredita no poder da educação para a transformação social e na importância de a esquerda se fazer cada vez mais presente nos territórios brasileiros, com participação social que leve as pessoas a compreender a ação política a partir do seu território.
A seção Quando Novas Personagens Entram em Cena traz uma entrevista com Thainara Faria, primeira mulher negra a ser eleita vereadora em Araraquara, em 2016, reeleita em 2020 com a maior votação entre os vereadores e vereadoras que tentaram reeleição. Foi também a mais jovem. Aos 27 anos, ela alçou um voo maior e foi eleita deputada estadual em 2022.
A equipe da Plataforma Periferias na Pandemia contribuiu com um artigo relatando o processo de construção e atual estágio dessa ferramenta, que apresenta testemunhos de resistência das periferias de diferentes estados do Brasil. A Plataforma acredita que esses registros podem ser extremamente úteis para se repensar algumas políticas públicas voltadas para o combate à propagação e prevenção da Covid-19, bem como para a gestão de futuras pandemias que possam vir a ocorrer no país.
A seção Perfil traz a história o Clube dos Cutubas, sediado em Leopoldina (MG), na Zona da Mata, que foi fundado em 1925 e ainda hoje permanece em funcionamento. Os primeiros clubes sociais de negros surgiram no fim do século XIX, antes da abolição da escravatura, numa época em que as pessoas negras eram frequentemente barradas em lugares de lazer. A partir da rejeição, esses grupos começaram a construir seus próprios espaços de socialização, como uma forma de resistência ao sistema vigente. E se firmaram como importantes espaços, disputados hoje em dia inclusive pela população não-negra.
O artigo da presidenta do Instituto da Mulher Negra do Piauí – Ayabás, Haldaci Regina da Silva trata do surgimento da organização, há 13 anos, que compõe atualmente a coordenação da Rede de Mulheres Negras do Nordeste e integra a Articulação de Mulheres Negras no Brasil. Sua missão respalda-se nos trabalhos com mulheres da periferia de Teresina, juventude negra, mulheres de terreiros, quilombolas, mulheres vítimas de violência doméstica, em parceria com diversos outros coletivos.
O novo governo Lula inicia sob um cenário de grandes desafios e disputas. Não será fácil,tampouco será exercido sob mar calmo, dado o Congresso Nacional eleito e o amplo arco de slianças necessário para a vitória. Assim, temos compreensão de que o próximo período demandará muita luta social para avançarmos em políticas antirracistas e de justiça social. Temos um presidente eleito que é aliado de nossa agenda, mas como bem disse o poeta Drummond de Andrade, “as leis não bastam. Os lírios não nascem da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra.” Nesse sentido, esperamos que essa edição da Revista contribua para a reflexão dos temas aqui tratados e para que muitos “tumultos” ocorram nas periferias nesse país!
Boa leitura.
Boas lutas!