Danilo de Souza Morais, Paulo César Ramos e Ruan Bernardo de Brito

As periferias brasileiras, em seus contextos plurais, são palco de intensa imaginação e ação político-culturais. Nesses espaços, a agência coletiva enfrenta obstáculos que, muitas vezes, resultam em reconfigurações, pausas ou até mesmo no encerramento de organizações que nasceram para transformar seus territórios. É justamente esse fenômeno que foi debatido em evento realizado em 30 de setembro, a partir da pesquisa Continuidades e descontinuidades do associativismo periférico: o que a Fundação Perseu Abramo tem dizer.

Realizado pela Reconexão Periferias, área da Fundação Perseu Abramo, o estudo foi elaborado por Victoria Lustosa Braga, Ruan Bernardo de Brito e Paulo César Ramos, que apresentaram na ocasião uma síntese dos achados da pesquisa, contando com as contribuições da debatedora convidada Ana Claudia Chaves Teixeira – professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Unicamp e pesquisadora do INCT Participa –, bem como de organizações de periferias convidadas para o evento.

Os dados e a análise da pesquisa, bem como as contribuições do debate, reforçam a interpretação de que o associativismo periférico é marcado por resiliência, mas também por fragilidades que precisam ser compreendidas e enfrentadas, quando partimos da premissa de que essas formas de associativismo trazem contribuições indispensáveis à construção democrática nacional.

Desde 2018, a FPA, com o Reconexão Periferias, realiza o Mapeamento de Movimentos Sociais e Coletivos das Periferias Brasileiras, que mapeou até o momento 1100 organizações em todo o país. O levantamento se concentra em três eixos centrais – Cultura, Trabalho e Violência – e, ao longo dos anos, tem oferecido um retrato valioso sobre a força e diversidade do associativismo popular e periférico. Nesta pesquisa, que constitui o 2º informe relacionado ao eixo Cultura, a atenção se volta para um tema delicado: os casos em que essas organizações deixaram de existir.

De acordo com a atualização do mapeamento feita entre o fim de 2024 e o início de 2025, 90 entidades encerraram suas atividades – o equivalente a 9% do total de mapeadas até então. A autora e os autores do trabalho analisaram dados quantitativos (disponíveis no Painel de Dados, que é parte dos produtos do Mapeamento de Movimentos Sociais e Coletivos das Periferias Brasileiras), e conduziram entrevistas com representantes de 13 dessas organizações. O resultado traz à tona os desafios cotidianos enfrentados por tais atores: da falta de recursos e apoio institucional às dificuldades de formalização e de manutenção de redes de colaboração mútua.

A pesquisa ainda mostra que a descontinuidade não é sempre definitiva. Há casos em que entidades consideradas extintas apresentam, nas entrevistas, sinais de tentativa de retomada de suas atividades. Em outras situações as demandas de um coletivo, que deixa de se aglutinar em certa organização, são incorporadas por uma organização próxima e, portanto, são expressas e mobilizadas, mesmo que por outras formas de associativismo.

Parte significativa dos coletivos que interromperam atividades no período estudado tinha nas mobilizações artísticas e culturais suas principais ações, além de trabalhar com um público de adolescentes e jovens e/ou ser protagonizada por jovens. No debate ocorrido em fins de setembro para dialogar sobre esses dados, momento em que lideranças de organizações de periferias trouxeram suas contribuições e comentários sobre a pesquisa, destacaram-se relatos sobre a dificuldade de lidar com os ritos burocráticos, necessários para buscar recursos (públicos e privados), para potencializar as atividades já realizadas por seus coletivos.

A pesquisa e o debate promovido na FPA salientaram que, embora existam muitos estudos sobre formas de ação coletiva nos contextos periféricos, ainda é preciso adensar muito o conhecimento sobre os fatores que determinam a continuidade, as interrupções ou a reconfiguração dessas iniciativas em tais contextos associativos. O 2º informe do Reconexão Periferias busca justamente contribuir em tal direção e oferecer subsídios para fortalecer organizações que atuam nas periferias do Brasil. Afinal, compreender os desafios que levam à descontinuidade é também abrir caminhos para que novas formas de atuação coletiva possam florescer, essencial a essas entidades, dado que entre a maioria dessas organizações a busca em efetivar direitos fundamentais – como a alimentação, cultura, moradia, uma vida segura – urge, bem como justifica sua criação e atuação nos territórios.