Maioria dos coletivos de periferias se autofinancia, revela pesquisa
A maior parte dos movimentos e coletivos que estão em ação nas periferias das cidades brasileiras não tem ligação orgânica com partidos políticos, não está conectada em rede com outros grupos e tem no autofinanciamento sua principal fonte de sustento material.
Esses resultados fazem parte de pesquisa divulgada na manhã desta terça-feira pelo projeto Reconexão Periferias, da Fundação Perseu Abramo. O principal elo comum a todas as 370 entidades mapeadas nos últimos nove meses de pesquisa é o fato de o foco de atuação estar nas periferias.
66% dessas entidades têm no autofinanciamento seu principal pilar (mas não único). 51% não têm ligação orgânica com partidos – mas das que têm, a grande maioria está no campo da esquerda – e 43% delas não atuam em rede. 55% dos movimentos ouvidos se autodenominam coletivos (e não ONGs ou fundações). Porém, ao contrário do que possa parecer, nem todos esses coletivos têm pouco tempo de vida, estando boa sendo boa parte em atuação desde os anos 1980. E a forma de atuação é sofisticada e multifacetada.
A pesquisa, intitulada Mapeamento de Movimentos e Coletivos das Periferias, foi apresentada como parte da programação do segundo e último dia de seminário nacional do Reconexão realizado na capital paulista. O mapeamento ainda está em curso, com o objetivo de diagnosticar o perfil e a área e modo de atuação de outros 230 coletivos nas periferias brasileiras.
“Uma das propostas da pesquisa é revelar qual a agenda programática que precisamos perseguir. Existe uma parte significativa do movimento democrático que é vanguarda. A gramática que eles imprimem renova a política. E se o sistema político não conseguir acompanhá-la, vai levar muito mais tempo que o previsto para aperfeiçoar seu diálogo com as periferias”, comentou o coordenador do Reconexão, Paulo Ramos, durante debate.
Outro destaque da pesquisa é que a maior parte dos coletivos (aproximadamente 50%) afirma ter como principal linha de ação a produção e difusão de cultura. Em seguida, vem os coletivos que lutam pela geração de emprego e renda para as populações locais (28%). O combate à violência é o terceiro foco de ação mais presente, sendo citado por 23% das entidades entrevistadas.
Porém, esses focos de atuação se misturam no cotidiano das entidades. Por exemplo: um coletivo de cultura frequentemente produz trabalho e renda para os artistas que o compõe, ao mesmo tempo que combate as diversas formas de violência nas letras de música que divulga ou nos espetáculos teatrais que apresenta. “Há transversalidade nas ações, a realidade dessas populações perpassa a luta desses coletivos”, explica Paulo Ramos.
Além de querer compreender melhor a luta coletiva nas periferias e consolidar diálogo, essa ação do projeto Reconexão Periferias também entende que para que esses movimentos ganharem densidade a parceria pode ser benéfica.
Ao dar início ao mapeamento, a equipe de pesquisa não conhecia a maioria dos coletivos. O ponto de partida foi um método batizado de “bola de neve”: os pesquisadores e pesquisadoras indicaram algumas entidades na área de especialização de cada um. Após responderem à pesquisa, essas entidades previamente escolhidas indicavam outras, e assim por diante.
Os questionários iniciais contêm 47 perguntas. As entrevistas foram feitas ou por telefone, pessoalmente ou por envio de questionários. Todas as regiões do país foram cobertas, e as mais diferentes formas de expressão foram catalogadas.
Outro ponto comum às entidades é o fato de já terem sofrido algum tipo de cerceamento, seja por força policial, intolerância religiosa e outros tipos de preconceito. Os participantes da pesquisa, quando deram início a esse trabalho, mal podiam imaginar quais seriam os resultados das eleições presidenciais deste ano. Mas agora sabem que a repressão deve aumentar. “As agendas desses coletivos estão na mira. Combate ao racismo, à homofobia, à violência contra a mulher, são as que mais estão sob ataque antes mesmo da posse do futuro governo e estarão na linha de tiro em breve. É preciso construir redes de solidariedade e proteção”, comentou a professora Helena Abramo, que mediou e comentou a apresentação do mapeamento.
Por outro lado, os resultados da pesquisa mostram a vitalidade da organização popular nas periferias. A atuação dos coletivos abrange, em sua maioria, toda a cidade em que estão inseridos, a despeito de não terem grandes estruturas físicas ou materiais. Conhecê-las passa a ter também o papel de consolidar essa rede de solidariedade de que falou a professora Helena.
Outros coletivos que quiserem participar do mapeamento podem responder o questionário clicando aqui.