Jardim São Manoel receberá R$ 178 milhões do PAC
Por Rose Silva
Bairro situado no litoral paulista concentra 2 mil famílias residentes em palafitas e seus moradores lutam há 30 anos por moradia digna
O governo federal selecionou 59 propostas de estados e municípios para receber R$ 5,5 bilhões do PAC, que serão utilizados na regularização fundiária e urbanização de favelas. A estimativa é que as propostas selecionadas beneficiem diretamente mais de 87 mil famílias, o que significaria por volta de 310 mil pessoas. Parte dos recursos provém do orçamento geral da União e parte do FGTS. A ação prevê melhoria das condições de vida nas periferias urbanas brasileiras.
Um dos territórios contemplados nesta seleção é o Jardim São Manoel, localizado em Santos, no litoral paulista, que hoje é uma das comunidades brasileiras com o maior número de famílias residentes em palafitas. De acordo com o vereador Chico Nogueira, que hoje preside a Comissão da Habitação da Câmara Municipal de Santos e apoia os moradores do bairro, a luta pela regularização da área iniciou cerca de 30 anos atrás, quando foram ocupadas algumas áreas na franja do mangue, onde se consolidaram muitas moradias.
“Já tem duas ou três gerações que as palafitas estão ali. Eu fui acionado em 2016, como vereador, porque nesse período de 30 anos houve uma ação do Ministério Público com a prefeitura relacionada à questão ambiental e à necessidade de oferecer vida digna para as pessoas que moram nas palafitas. Houve audiências públicas, e a prefeitura foi obrigada a construir habitações e fazer a remoção dessas pessoas para as novas casas. A princípio, as famílias que moravam nas palafitas estavam muito felizes com a possibilidade de sair da área degradada. Porém, foram construídos apenas 200 apartamentos, número insuficiente para as 2 mil famílias residentes em palafitas”, afirmou.
Contudo, segundo o vereador, a prefeitura iniciou a remoção das pessoas de forma truculenta, inclusive das famílias que já estavam consolidadas naquela área em casas de alvenaria. “Na época colocamos nosso mandato à disposição da luta e chamamos nova audiência pública. As pessoas que haviam construído sua propriedade ali deveriam permanecer, pois tinham direito àquele território. E as que estavam nas palafitas obviamente precisavam muito mais do que aquelas que moravam em casas de alvenaria. Alguns dos moradores removidos de forma truculenta se arrependeram, pois suas casas foram derrubadas. Outras foram invadidas”, relatou.
A partir de então, 70 famílias se organizaram e criou-se o movimento da Rua João Carlos da Silva, em busca da regularização fundiária do bairro, e iniciou-se uma forte luta contra o termo de ajuste judicial que obrigava a prefeitura a remover todo mundo. “Fizemos uma ação política junto ao Ministério Público e um dos promotores, sensível à nossa causa e ao pleito da associação de moradores, reviu a decisão judicial para tentar consolidar o máximo possível de moradores em seu espaço. Mas ele impôs como condição que de fato a prefeitura se comprometesse com a urbanização e os direitos garantidos pela Constituição Federal para todo o bairro, começando pelas palafitas. O projeto de urbanização elaborado pela prefeitura foi encaminhado ao governo federal e contemplado com R$ 178 milhões de recursos do FGTS”, disse Nogueira.
Segundo o presidente da Associação dos Moradores da Rua João Carlos da Silva, Genivaldo José da Rocha, em torno de mil pessoas se mobilizaram para permanecer em suas casas quando a Cohab tentou retirá-los, sete anos atrás. “O pessoal que saiu se arrependeu, pois terão de pagar durante 35 anos as prestações da nova moradia, embora não tenham condições financeiras”, relatou.
Antes de construir seu sobrado, Rocha pagou aluguel em outros três lugares. Ele vive no bairro com toda sua família: esposa, netos, filhos, nora e cunhado. E destaca a importância do projeto que possibilitará aos moradores regularizar e ter os documentos dos imóveis. “Sou operador de máquina. Todo mês eu comprava material e pagava meu cunhado, que é pedreiro, para trabalhar na construção. Primeiro construí a casa do meu filho, de alvenaria, depois fiz a minha, no segundo andar. Minha filha mora comigo em outra casinha, que fica atrás, e também tem um lugar para o meu cunhado. Assim estamos vivendo, cada um em seu espaço. Daqui não quero sair de jeito nenhum”.
Retomada – A diretora do Departamento de Regularização, Urbanização Integrada e Qualificação de Territórios Periféricos da Secretaria Nacional de Políticas para Territórios Periféricos Júlia Lins Bittencourt informou que o governo federal já teve uma linha de financiamento para urbanização de favelas, que ganhou escala sobretudo com o PAC 1 e 2. No entanto, há mais de dez anos não eram selecionados novos projetos para alocação de recursos. “Essa retomada tem o potencial de impactar a vida dessas famílias de forma global, pois muitas delas sairão de uma situação extrema de precariedade, terão acesso a titulação, serviços públicos, acessibilidade e moradia digna”, disse.
A nova seleção dos projetos foi feita a partir de uma edital que estabelecia critérios de participação aos estados e municípios, com cotas por região e por unidade da federação, orientadas pela quantidade de domicílios em favelas urbanas divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A ideia é viabilizar uma distribuição territorial igualitária no país. O conjunto de propostas foi avaliado considerando alguns critérios de priorização: projetos elaborados com participação social, aqueles voltados a áreas com elevado grau de precariedade (palafitas, favelas sujeitas a risco ou em lixões) e também o grau de complexidade das propostas.
A ação prevê investimentos em infraestrutura urbana (saneamento básico, contenção de encostas, sistema viário, iluminação pública), recuperação ambiental, qualidade habitacional, produção de moradias para reassentamentos, regularização fundiária e trabalho social, além de promover intervenções urbanísticas de qualificação. “A gente apoia uma intervenção integral no território, ou seja, a prefeitura ou estado deve olhar o conjunto de necessidades daquele local e montar uma proposta capaz de dialogar com todas elas: a carência de infraestrutura, a inadequação de moradias, a necessidade de recuperação ambiental, regularização fundiária, trabalho social e ação comunitária, equipamentos públicos”, afirmou Bittencourt.
População Jardim Santos Dumont sofre violência e ameaças
Uma das principais consequências da ocupação irregular de territórios é que as pessoas se tornam alvos de violência e ameaças por parte de especuladores imobiliários. Esse é o caso do Jardim da Oliveiras, na região de Santos Dummont, em Guarulhos (SP), como relata a vereadora suplente Fernanda Curti.
O bairro nasceu de uma ocupação, quase 30 anos atrás, e a primeira ação de reintegração do local data de 1995. O suposto proprietário, por meio de uma cooperativa de casas populares chamada Primeira Casa, entrou com um pedido de reintegração de posse se dizendo dono da área. A disputa judicial arrastou-se por anos, até que, em 2013, houve uma mesa de negociação, com a participação da prefeitura, da cooperativa e dos moradores para fazer o loteamento e a venda. As famílias assinaram um contrato de aquisição, porém, a venda era condicionada à regularização da área.
Paralelamente, havia uma ação civil pública contra a cooperativa, devido a uma parte do loteamento estar em área de preservação ambiental, onde existem três nascentes, que também é considerada área de risco. O Ministério Público entrou com ação civil pública para que cooperativa sanasse o dano ambiental na área. “São duas ações que correm separadas, a de 1995 e mais esta civil pública, nós já solicitamos para juntarem as duas, pois são interdependentes, e já avançamos na digitalização da peça”, relata a vereadora suplente, que presta assistência jurídica aos moradores daquela área.
“Fora tudo isso, a cooperativa Primeira Casa não cumpriu os termos de ajustamento de conduta, não regularizou a área e suspendeu a emissão de boletos para as famílias que estão próximas de terminar de pagar seus imóveis, com o objetivo de gerar inadimplência. Com isso, pretendem valer-se da ação de 1995 para expulsá-las de suas casas, desconsiderando todas as negociações”, afirma ela. “A única opção oferecida a elas para permanecer no local é assinar novo contrato, esquecer o que já foi pago até agora, dar uma entrada que varia de 10 a 30 mil reais e comprometer-se com 240 parcelas de R$1400. Quando morrerem, seus filhos voltam a pagar tudo de novo”.