Rose Silva

Para o sociólogo e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental Leonardo Pinho, criar empregos com direitos sociais e previdenciários é um dos principais desafios do novo mundo do trabalho, onde nos setores de tecnologia de ponta a contratação ainda se dá em modelos de superexploração anteriores à década de 1940.

Pinho afirma que o impacto das péssimas condições de trabalho são hoje, no Brasil, o principal motivo de afastamento. Nesta entrevista, fala sobre a importância da regulamentação da Lei Paul Singer para que a economia solidária ganhe centralidade no projeto de desenvolvimento nacional. E defende a reindustrialização verde, com tecnologias de baixo impacto, para criar novos postos de trabalho que preservem o meio ambiente.


Quais são os principais desafios do mundo do trabalho hoje, com inovações tecnológicas, robotização e a inteligência artificial eliminando postos de trabalho?

O primeiro deles é que temos, em vários setores tecnologia de ponta, contratos de trabalho pré-CLT, com modelos de contratação sem direitos, sem nenhuma condição. Basta ver o fenômeno que tem sido chamado de uberização. Então, o primeiro e grande desafio é como colocar os contratos de trabalho de acordo com as novas dinâmicas do mundo do trabalho. Precisa haver um processo de reorganização capaz de trazer segurança e perspectiva de vida para a classe trabalhadora. Esse elemento é tão importante que, derivando desse primeiro, o segundo desafio é enfrentar os impactos do trabalho na saúde mental dos trabalhadores, hoje o maior indicador de afastamento no Brasil. Basta ver que o movimento sindical conseguiu uma conquista importante, a Norma Regulamentadora 01, obrigatória a partir de maio do ano que vem, que coloca no plano de gerenciamento das empresas a obrigatoriedade de medidas preventivas de promoção de saúde mental. Isso mostra como a desregulamentação tem afetado as condições de vida e até de reprodução da classe trabalhadora brasileira. Implementar essa norma com indicadores nos planos de gerenciamento e melhora das condições de trabalho, segurança, organização da vida e estabilidade é um grande desafio. O terceiro é criar medidas que garantam uma renda básica de cidadania para o conjunto dos trabalhadores afetados pela implantação novas tecnologias.

O trabalho por conta própria no Brasil cresceu muito nos últimos anos, o que, de certa forma, dificulta a regulamentação do trabalho. O senhor vê alguma perspectiva para solucionar esse impasse?

O processo para ampliar a desregulamentação trabalhista e ao mesmo tempo colocar nova tecnologias de ponta criou uma situação interessante no país. O Brasil, que já era conhecido em sua estrutura por ter uma grande informalidade na economia, tem hoje praticamente a metade da sua força de trabalho em situações de ausência de contrato ou regulamentação e que opera na informalidade total. Isso significa, objetivamente, que essas pessoas não têm acesso aos direitos previdenciários e outros direitos sociais. Para mudar essa situação, é necessário trazer os setores informais para a economia formal. Uma importante medida foi a criação dos chamados microempreendedores individuais, no entanto, é uma resposta muito pontual às pessoas que empreendem sozinhas. Muitos empreendimentos econômicos nas periferias, comunidades e no campo que são arranjos produtivos de atividades coletivas. Além de fortalecer o Programa Nacional de Apoio ao Cooperativismo (Pronacop), é necessário tomar iniciativas de formalização do Pronacop Social, voltado à população mais vulnerabilizada, usuários de saúde mental, pessoas com deficiência e egressos do sistema prisional. Seria também necessário fortalecer o MEI, trazendo a possibilidade de mais processos de qualificação profissional e ampliação dos direitos associados para a sua proteção social.

A economia solidária em grande escala pode ser uma forma de oferecer mais direitos a quem trabalha por conta própria?

Com certeza, inclusive uma luta histórica de todos os grupos do movimento de economia solidária e do associativismo foi a Lei Paul Singer, aprovada e sancionada pela Presidência da República, depois de décadas de tramitação no Congresso Nacional, que está na etapa de regulamentação. É uma lei que que coloca a economia solidária como política de Estado, e este é um momento chave, pois na regulamentação serão estabelecidos os instrumentos de implementação da lei. Tenho defendido que a economia solidária ganhe centralidade no projeto de desenvolvimento nacional, e e com a regulamentação da lei Paul Singer temos a oportunidade de fazer isso. Precisamos que a política de economia solidária seja uma diretriz para o conjunto dos ministérios que trabalham na área de direitos humanos, direitos sociais e principalmente na política econômica nacional. Pois assim será possível constituir uma política de indução de empreendimentos econômicos solidários, por modelos associativos e cooperativos, nas periferias, comunidades e zonas rurais. Na verdade, uma política de fomento que combine qualificação profissional e inclusão por meio das universidades e polos tecnológicos, com tecnologias sociais aplicadas, uma política de crédito robusta e principalmente uma política de formação e regulamentação desses empreendimentos.

Vivemos em uma sociedade que se baseia na ampliação do consumo para fazer inclusão social. Mas o mundo do trabalho também precisa se adaptar aos desafios ambientais. O senhor vê uma perspectiva de criar uma sociedade em que a inclusão não seja baseada na ampliação do consumo?

É fundamental essa discussão sobre a mudança da centralidade do desenvolvimento nacional. Não só temos uma economia baseada na ideia de quanto mais consumo mais crescimento, mas também, na área rural brasileira temos um forte investimento e uma indução para produção de commodities, uma produção primária para exportação. Reproduzimos o modelo econômico que vem desde a época do Brasil colônia. Precisamos diversificar e, principalmente, trazer a agregação de tecnologias com baixo impacto ambiental para mudar de um padrão que baseia, na área rural, na produção de commodities. Isso seria possível trazendo tecnologias leves para a produção de alimentos e agroindústria, que também possam gerar mais postos de trabalho na área rural. E, nas áreas urbanas, é preciso reorganizar os modelos de desenvolvimento das cidades, dominadas por grandes áreas voltadas à especulação imobiliária, e não para criação de locais, por exemplo, de praças e parques que possam melhorar a qualidade de vida. Um terceiro elemento muito importante é trazer novos polos industriais, apostar em um grande processo de reindustrialização no Brasil baseado em indústrias com baixo impacto na produção de carbono, uma reindustrialização verde.