Por Rose Siva

Mariana Giroto compõe a equipe de articuladores e a coordenação estadual São Paulo do Instituto Paul Singer, da Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. É Graduada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e fundadora da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da USP, onde atuou como conselheira e formadora.

Também atua na coordenação executiva da Rede Brasileira de Gestores de Economia Solidária e nos Fóruns Paulista e Brasileiro de Economia Solidária, além de integrar o coletivo que coordena o setorial de Economia Solidária do PT Nacional e o de São Paulo.

Nesta entrevista, ela falou à revista Reconexão Periferias sobre o modelo de economia solidária para o desenvolvimento local nas periferias e como esse projeto poderia ajudar a melhorar a qualidade de vida nos territórios, além de criar redes de trabalho justo.

Reconexão Periferias O trabalho por conta própria no Brasil garante a sobrevivência de uma grande parte da população das periferias. No entanto, a maioria desses trabalhadores não têm proteção social. A economia popular e solidária poderia ser pensada para suprir essa necessidade?

Mariana Giroto – A maioria dos trabalhadores no Brasil está na informalidade ou trabalha por contra própria, cerca de 60 milhões. É sem dúvida um desafio a organização desses trabalhadores, por terem uma lógica mais individual. Mas é possível, sim, a economia solidária propor uma organização em rede, coletiva, para essas pessoas, que podem trabalhar individualmente, mas organizar coletivos para comprar, divulgar o seu negócio, criar circuitos de trocas e de compras.E, entre os pequenos negócios, comprar insumos. Sobre a seguridade social,a economia solidária pode criar mecanismos, como fundos dentro dos empreendimentos, para garanti-la. Uma forma de garantir isso seriam as compras públicas. Se esses recursos que vão para as grandes empresas passarem a ir para pequenos empreendimentos de economia solidária, dentro de um valor que permita viabilizar os fundos, seria possível garantir a seguridade social dos trabalhadores.

Um dos principais desafios no Brasil hoje é a sustentabilidade ambiental. Você acredita que o modelo de desenvolvimento a partir da economia solidária tem relação com o meio ambiente?

Um dos princípios da economia solidária é a preocupação com o meio ambiente, com a comunidade, com seu entorno. Então, reutilizam-se materiais para gerar menos resíduos. E, na lógica do pequeno negócio e do desenvolvimento territorial, já se reduz o impacto ambiental. Quanto menor a unidade produtiva, menor o impacto ambiental. Quando se tem pequenos negócios, próximos à casa dos trabalhadores, isso gera menos deslocamento, diminui o uso de transporte. Tem ainda essa questão da preocupação com o reaproveitamento de materiais, evitando desperdício, e preservação do entorno, das comunidades. Porque quando se mora ali, há interesse de preservar o ambiente e o território que tem relação direta com o empreendimento. Há também a questão do custo: quando você reaproveita, abaixa o custo. Então, tudo isso é pensado dentro da lógica do empreendimento econômico solidário.

Você acredita que, com o atual governo, as políticas públicas para as cooperativas e o cooperativismo avançaram? Quais são as principais dificuldades das cooperativas atualmente?

Existe uma legislação própria que regula o cooperativismo no Brasil, mas é bem antiga e atrasada, de 1981, ela precisa ser modernizada e atualizada para a nova realidade de trabalho. Essa é uma luta também do movimento da economia solidária. E a aprovação dessa Lei Nacional de Economia Solidária é um avanço, que cria a nova figura jurídica de empreendimento, que é o empreendimento econômico solidário. Recentemente vivemos um desmonte da política de economia solidária no Brasil, nas eras Temer e Bolsonaro. Com o governo Lula, houve uma retomada. Foi recriada a Secretaria Nacional de Economia Solidária e houve uma retomada da política. Foi reativado o Conselho Nacional de Economia Solidária. E desde o ano passado estão sendo realizadas conferências municipais, regionais, estaduais. Vai acontecer ainda, em agosto, a Conferência Nacional de Economia Solidária, discutindo propostas de políticas públicas para o Plano Nacional de Economia Solidária. Dentro da Secretaria de Economia Solidária existe o programa Paul Singer, do qual faço parte, voltado a formação e mapeamento dessas experiências. O que a gente entende de empreendimentos, de redes, de cadeias produtivas, da economia solidária, de entidades que trabalham com economia solidária? Será um avanço conseguirmos identificar e mapear onde estão essas experiências e o que elas estão fazendo, como sobreviveram, quais são essas novas tecnologias e formas de trabalho desenvolvidas dentro da economia solidária nos últimos dez anos. Com esse cadastro, conseguiremos ver mais precisamente onde estamos e o que achamos, os empreendimentos e as experiências de economia solidária.

Você poderia citar exemplos de como empreendimentos de economia solidária podem ajudar no desenvolvimento de territórios periféricos?

Por exemplo, as escolas públicas poderem comprar e contratar serviços de reparos, pequenas reformas da própria comunidade, dos pais, dos alunos, que muitas vezes estão desempregados. Então, se for trabalhado dentro do território, por exemplo, em torno das escolas, que esses pais, possam prestar serviços de reparos e reformas, que as mulheres possam produzir uniformes das escolas e ser contratadas para fornecer a merenda escolar, tudo isso geraria um círculo virtuoso dentro do território. E ainda garantir para essas famílias que as crianças permaneçam estudando com qualidade de vida, que possam se alimentar bem, se vestir bem, e a partir dessa renda obter qualidade nesse desenvolvimento. Com certeza isso pode ocorrer em inúmeros outros produtos e serviços. Em vez de fazer grandes licitações, que às vezes trazem até produtos de outros estados para suprir aquela demanda. Se isso fosse concentrado em empreendimentos do território geraria uma grande avanço no desenvolvimento e na circulação da riqueza e na melhoria da qualidade da comunidade, para as pessoas que ali atuam.

Eu gostaria que você falasse um pouco sobre o acesso ao financiamento. Como você vê essa questão?

Essa questão é uma grande barreira, uma dificuldade das cooperativas e dos empreendimentos atualmente. Hoje é muito difícil acessar crédito e financiamento por conta das exigências legais e burocráticas que existem. Você precisa ter um patrimônio para dar como garantia de crédito. Não há um fundo garantidor de um patrimônio que garanta esse crédito. Isso já é uma enorme barreira. As taxas de juros são altíssimas, as exigências de estar com toda a documentação, possuir tudo em dia também é um obstáculo. A questão das exigências de ter que apresentar um plano de negócio ou contratos para poder liberar esse crédito. São dificultadores de acesso ao crédito, que é imprescindível para desenvolver o negócio. Porque quando se pega um contrato é preciso ter crédito para comprar matéria prima, comprar os insumos, investir equipamentos, investir em materiais de segurança. É um impeditivo, mesmo porque muitos dos empreendimentos e a grande maioria da economia solidária é formada por trabalhadores das periferias do Brasil.

Trabalhadores que estão fora do mercado de trabalho formal e não têm capital guardado nem acesso ao sistema bancário convencional. É fundamental que haja linhas de crédito com juros subsidiados ou com fomento a fundo perdido para ter esse investimento inicial, essa estruturação inicial dos empreendimentos, para que consigam de fato competir de igual para igual nesse mercado capitalista.

Você acredita que a organização em cooperativas poderia ser uma alternativa para trabalhadores contratados por aplicativos? Conhece experiências de cooperativas de empregadores que você avalie positivamente?

Essa questão do cooperativismo de plataforma, das cooperativas de entregadores, é uma questão nova, mas que tem surgido cada vez mais frequência e força dentro da economia solidária. Existem algumas experiências que estão sendo formadas. Uma primeira foi de uma cooperativa de motoristas de carro por aplicativo em Araraquara. Eles procuraram e conseguiram contratar um aplicativo para conseguir a licença de uso no município, pagaram para competir diretamente com a Uber e obtiveram resultados muito positivos, porque eles mesmos fazem fazem a gestão do aplicativo. Então, tiraram esse atravessador, que fica de 20 a 30% do lucro. Os próprios motoristas contrataram pessoas para ajudar na gestão, e esse esse valor, que iria para a plataforma, hoje fica na cooperativa. Outros exemplos também foram formados. Uma cooperativa de moto-entregadores com egressos do sistema prisional. São pessoas que geralmente têm dificuldade de inserção no mercado de trabalho, não são aceitos, não são contratados em lugar nenhum. Isso é economia solidária, é uma alternativa. É montar o seu próprio negócio e poder ser dono sem depender da boa vontade de uma empresa para ser contratado. Eles também são donos desse aplicativo, por meio de um incentivo, um edital feito pela prefeitura, para desenvolverem aplicativo próprio. Em Diadema também houve uma experiência de organização de trabalhadores moto entregadores para formar uma cooperativa com a ajuda da prefeitura. Porém, é complexo, porque eles estão acostumados a trabalhar numa lógica individualista. Tudo isso tem de ser trabalhado.

A economia popular e solidária pode ser vista como um modelo de desenvolvimento para o Brasil? Fale um pouco sobre isso. Como é que você vê essa questão?

Defendo essa proposta de economia solidária como um novo modelo de desenvolvimento, que olhe para as questões sociais, ambientais e culturais dos território. Que promova o desenvolvimento territorial e local a partir de uma lógica de cooperação e de solidariedade entre as pessoas com formação de redes de empreendimentos de economia solidária, que possa trabalhar dentro de um dos princípios da cooperação do trabalho associado, do consumo responsável, da preservação ambiental, onde os trabalhadores possam promover o desenvolvimento dos territórios a partir de pequenos negócios que sejam geridos coletivamente, democraticamente, que possam ter acesso a tecnologias, conhecimentos, formação e assessorias voltadas voltadas e desenvolvidas para as diversas necessidades e diferentes realidades de cada território. Que sejam acessíveis, tecnologias fáceis de serem implementadas e de baixo custo, que tenham uma lógica de comércio na qual os fornecedores sejam também do local, os consumidores sejam formados e entendam que ao comprar aqueles produtos, estão promovendo o desenvolvimento. Isso gera uma qualidade de vida muito melhor para para todos, para toda a comunidade.