As periferias e a luta socioambiental
As periferias e a luta socioambiental: entre o território, a institucionalidade e o setor privado
Ruan Bernardo de Brito1 e Victoria Lustosa Braga2
Há seis anos o Projeto Reconexão Periferias desenvolve o “Mapeamento de Coletivos e Movimentos Sociais das Periferias Brasileiras”, um levantamento com quase mil organizações sociais das periferias mapeadas por todo o país. As organizações são distribuídas em três eixos temáticos: Cultura, Trabalho e Violência, e trabalham com temas e públicos diversos, mas esta pequena análise apresenta dados que se referem às organizações que atuam especificamente com o tema socioambiental.
Entre as 982 organizações do mapeamento, 31 citam meio ambiente e/ou questões ambientais como suas principais bandeiras de luta. Nessa amostra, 26% são coletivos, 19% ONG, 16% institutos, 16% associações, 13% movimentos sociais, 6% coletivos artísticos, e 3% são fóruns. Diferente do restante das entidades mapeadas, não há no banco fundações, cooperativas e sindicatos que lidem com o tema, o que reflete limitações na metodologia do mapeamento e a necessidade de expandir os contatos com organizações periféricas que atuam nessa pauta. Elas estão distribuídas em todas as regiões do país e há entidades cujas fundações remetem às últimas décadas do século passado até mais recentes, fundadas nos últimos anos.
Assim como o restante das organizações mapeadas, os grupos que lidam com questões socioambientais destacam principalmente a atuação com os temas da educação e dos direitos humanos. Porém, enquanto no total de mapeados os temas da luta antirracista e da violência aparecem na sequência dos dois primeiros, nessa amostra o terceiro e quarto temas de atuação mais citados são desenvolvimento territorial e povos e comunidades tradicionais, conforme o gráfico abaixo:
Fonte: Mapeamento de Coletivos e Movimentos Sociais das Periferias Brasileiras
Essa diferença reflete o público prioritário das organizações da amostra, que são: mulheres negras, comunidades tradicionais, indígenas etc. De acordo com o estudo “Racismo ambiental e justiça socioambiental nas cidades”3 (2022) do Instituto Polis, esses são os grupos que mais sofrem com o racismo ambiental, com as desigualdades territoriais e com desastres ambientais. Conforme Porto e Carmo4 (2023), por conta de necessidades materiais e imateriais e da presença insuficiente do Estado nos territórios periféricos, esses grupos marginalizados passam a assumir o protagonismo na vocalização de suas demandas por meio da organização de coletivos e movimentos sociais.
De modo similar aos demais mapeados, essas organizações enfrentam diversos cerceamentos, com destaque para o racismo (45%) e o machismo (45%). Esses dados iluminam como desigualdades de raça/cor e gênero são recorrentes mesmo em grupos que trabalham com temas tão diversos. A repressão policial também é frequente (35%). No entanto, as organizações dessa amostra relatam sofrer menos com fundamentalismo/intolerância religiosa (26%) e LGBTfobia (23%). No mapeamento de modo geral, 37% das organizações citam fundamentalismo/intolerância religiosa como cerceamentos frequentes e 36% citam LGBTfobia.
Com relação à participação em espaços mais institucionalizados, 68% das organizações dessa amostra relatam participarem ou já terem participado de conselhos de controle e participação social, enquanto esse número corresponde a 53% no geral dos mapeados. Essa diferença sugere um maior interesse e articulação dessas entidades em torno de espaços de interlocução com o Estado. Sabendo-se a centralidade dos conselhos na elaboração e monitoramento das políticas públicas, a participação de organizações que pautam questões socioambientais nesses espaços é de extrema importância para o engajamento da sociedade civil com esse tema e aprimoramento das políticas de meio ambiente.
Outra comparação que chama atenção se refere ao financiamento dessas organizações. Enquanto no mapeamento de modo mais amplo predominam formas de autofinanciamento (59%), seguidas pelo financiamento coletivo (41%), público-estatal (26%), privado de pessoa física (24%) e privado de pessoa jurídica (17%), os mapeados que atuam na causa socioambiental recebem mais do que o dobro de financiamento privado de pessoa jurídica e dependem 15% menos de financiamento coletivo, conforme o gráfico abaixo. Essa diferença pode refletir um processo histórico de aumento de financiamentos privados a projetos socioambientais como consequência de acordos e reuniões internacionais como a Rio-925 (AMARAL, 1995)6.
Fonte: Mapeamento de Coletivos e Movimentos Sociais das Periferias Brasileiras
Os dados expostos acima permitem uma compreensão mais detalhada da atuação das organizações periféricas que atuam com temas socioambientais e fazem parte do mapeamento do Projeto Reconexão Periferias. Destaca-se principalmente como, apesar das adversidades, essas entidades parecem conseguir manter relações simultâneas com os territórios periféricos, a institucionalidade e o setor privado.
1 Estagiário pesquisador das áreas de cultura e política e violência do Projeto Reconexão Periferias.
2 Pesquisadora da área de cultura e política do Projeto Reconexão Periferias.
3 Disponível em: “Racismo ambiental e justiça socioambiental nas cidades”. <https://polis.org.br/estudos/racismo-ambiental/>
4 PORTO, Joana; CARMO, Rafael. Pluralidade das periferias brasileiras: A conjuntura indígena no contexto urbano. In: RAMOS, Paulo; et alii (orgs.). Periferias no Plural [Livro eletrônico] – São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2023. p. 169 – 183. Disponível em: https://fpabramo.org.br/publicacoes/wp-content/uploads/sites/5/2023/12/Periferias-no-plural_final_15_01.pdf. Acesso em: 02 fev. de 2024
5 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), na cidade do Rio de Janeiro em 1992.
6 AMARAL, Sergio Silva do. Meio ambiente na agenda internacional: comércio e financiamento. Estudos Avançados, [S.L.], v. 9, n. 23, p. 237-246, abr. 1995. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0103-40141995000100015.