Hellen Virgínia da Silva Alves, Doutora em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia na Universidade Federal de Rondônia/UNIR. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Geografia, Mulher e Relações Sociais de Gênero/GEPGÊNERO. Fundadora da Uirapuru Desenvolvimento, Educação e Pesquisa. E-mail: [email protected]

Denise Viana Borges, Geógrafa, presidente da Associação de Moradores da Reserva Extrativista Rio Preto Jacundá.

Nos últimos anos as discussões sobre as mudanças climáticas e seus impactos sobre a vida no planeta ganharam força, especialmente em consequência dos eventos climáticos extremos que assolam o mundo. Contudo, essa é uma discussão que possui muitas camadas e ganha distintas perspectivas, desde o local até o global.

Especialmente na Amazônica brasileira, as mudanças climáticas causam mudanças significativa no modo de vida das populações tradicionais e estão associadas à insegurança alimentar e ao imaginário coletivo a respeito do futuro.

Denise Viana Borges é uma jovem geógrafa que desde os sete anos de idade vive na Reserva Extrativista Rio Preto Jacundá, localizada nos municípios de Machadinho d’Oeste e Cujubim, no estado de Rondônia em uma região conhecida como “arco do desmatamento”. Até meados do século XX a região era povoada por vários povos originários que habitavam e disputavam esses territórios, principalmente, os recursos naturais como a caça e a pesca. Pode ser constatada a evidência de sua presença nos sítios arqueológicos, como os da Comunidade Dois de Novembro, local onde está projetada a construção da Usina Hidrelétrica de Tabajara, no rio Machado.

O olhar atento de mãe aprimorou o amor pelo território e fortaleceu Denise na luta pela defesa da vida “no” e “do” território em que vive. Atualmente ela preside a Associação de Moradores da Reserva Extrativista Rio Preto Jacundá (Asmorex). Segundo Denise: “Se há algumas décadas a invasão e os ilícitos ambientais praticados pelos invasores representavam a principal ameaça aos moradores e ao território, atualmente existem outros fatores que causam insegurança e incerteza na região.”

Durante o ano de 2023 o Diagnóstico Socioeconômico e Ambiental realizado na resex Rio Preto Jacundá revelou como a comunidade percebe as mudanças climáticas, os seus efeitos e as principais ameaças relacionadas ao tema.

Dentre as situações relatadas pelos moradores, a diagnóstico revelou:

1) sensação que a temperatura está bem alta e o tempo mais seco do que em relação às mesmas épocas de anos anteriores, o que dificulta o plantio agrícola, o crescimento e florescimento das plantas e a colheita;

2) menor produção da floresta, assim como mudança no tempo de florada;

3) a estiagem severa tem ocasionado a diminuição do volume d’água dos rios, o que prejudica as comunidades que vivem na área de várzea e dificulta a navegação;

4) o ar fica mais pesado, com menos oxigênio e mais poluição, de modo que causa fadiga e mal-estar nas pessoas;

5) menor quantidade de chuva, fato que também dificulta a procriação das faunas aquática e terrestres;

6) chuvas desreguladas, isto é, menos dias de precipitação distribuídos durante o ano, porém tem vindo com ventos e trombas d’água e causam danos ao solo (erosão e empobrecimento);

7) redução de ocorrência de friagens, o que comprova alterações no tempo climático;

8) aumento na ocorrência de combustão espontânea e propagação de incêndios florestais;

9) rios e nascentes têm secado com maior intensidade do que em outros tempos;

10) os plantios são feitos, mas não nascem, e caso germinem eles não crescem ou não

produzem;

11) vendavais e ventanias mais fortes.

Em relação a perspectivas de medos, apreensões e angústias, constatou que em 87,5% das unidades familiares a crise climática é considerada não mais como uma possibilidade e sim como realidade. Além disso, avaliam que a situação poderá tornar-se ainda mais crítica, caso não sejam tomadas de contenção, o que inclui conscientização ambiental e recomposição de áreas desflorestadas e degradadas.

Na percepção 78,1% dos moradores, a Reserva Extrativista Rio Preto Jacundá a floresta em que vivem pode contribuir de algum modo a melhoria da qualidade de vida, seja nos municípios vizinhos ou no planeta, no enfrentamento dos desafios sobre mudanças e crises climáticas.

“Quando se fala em mudanças climáticas parece algo para o futuro, mas na resex Rio Preto Jacundá, minha casa, já estamos sentindo há algum tempo. Os períodos de seca severas são alternados com chuvas intensas e trazem o reflexo da nossa dificuldade de tráfego interno pelas estradas, rios que não dão condição para escoar a produção, incêndios que afetam a saúde por causa da fumaça inalada. Esses são apenas alguns exemplos que mostram que a floresta sente e quem habita nela muito mais. É necessário pensar e agir não só para o futuro, mas sim para o agora!”, pondera Denise Borges.

Portanto, essa comunidade tradicional possui a consciência prática da importância da manutenção da floresta em pé para assegurar a vida na Terra. Assim, as vivências e reflexões dos moradores trazem como base de dados empíricos concretos um conjunto de experiências, as quais podem ser muito significativas, como valiosas para potencializar a consciência planetária e o desenvolvimento de ações que melhorem as condições ambientais, sociais, econômicas e culturais.