Givanildo M. da Silva-Giva

Os indígenas enfrentam um processo violento e permanente de silenciamento, que se manifesta em diversas dimensões. O assimilacionismo, por exemplo, foi uma das políticas abertamente defendidas pelo Estado brasileiro até a década de 1970, período marcado por uma ditadura empresarial-militar-civil. O que se observa, no entanto, é que o etnocídio tem sido a política mais constante do Estado contra os povos originários — uma prática fundamental para consolidar a lógica imposta desde a invasão de 1500.

Essa ação contínua não apenas apaga, mas também naturaliza a invasão e suas consequências, especialmente no que diz respeito às diversas formas de violência: a negação do genocídio, da escravização, dos estupros e da desterritorialização, entre outras. Uma dessas negações refere-se à origem das cidades. Em grande parte da história oficial, prevalece uma narrativa mágica e heroica dos invasores, sobre a formação do território de Pindorama/Brasil, ignorando que a maioria absoluta das cidades surgiu em locais que já possuíam presença indígena — e não a partir da ocupação de algum colonizador.

Ocupação e permanência

A formação de núcleos urbanos sempre dependeu de condições básicas de sobrevivência, como acesso à água – justamente os territórios já ocupados por povos indígenas. A colonização, portanto, não “fundou” cidades, mas invadiu, destruiu e se apropriou de espaços que tinham condições preexistentes, exatamente porque eram ocupados por povos indígenas daquele local. Superar o “pensamento mágico e heroico” sobre a origem das cidades é urgente, pois revela uma verdade incontestável: nós sempre estivemos aqui.

Etnocídio e invisibilidade

O etnocídio persiste não apenas pela violência física, mas pelo apagamento estatístico e político. O Censo do IBGE (2021) revela que indígenas estão presentes em 90% dos municípios brasileiros (4.832 cidades), um dado que desmonta a narrativa de seu “desaparecimento”. No entanto, as políticas públicas ainda operam sob uma lógica colonial: ignoram essa presença ou a tratam como exceção. Seja na educação, saúde, habitação ou mobilidade urbana, é essencial reconhecer quem já estava aqui e suas formas específicas de existir no mundo.

Descolonizar as cidades

Vivemos uma era de urgência climática (“capitalismoceno”), onde o modelo urbano-colônia-capitalista acelera a crise planetária que estamos vivendo. Reverter o apagamento indígena não é apenas uma reparação histórica, mas uma alternativa vital: a cultura e cosmovisão indígenas, os modos de vida e formas de habitar o planeta que conectam seres humanos e natureza. Incluir essas visões não é “sensibilidade”, mas sobrevivência. Caso contrário, caminhamos para um colapso irreversível.