Artur Henrique da Silva Santos é sociólogo, ex-presidente da CUT e consultor do Reconexão Periferias

Paulo César Ramos é sociólogo, coordenador da Reconexão Periferias e eleito presidente do PT Indaiatuba

Darlene Testa é geógrafa, coordenadora do Setorial de Energia PT-SP e do eixo trabalho da Reconexão Periferias.

O mundo do trabalho passa por transformações profundas. Globalização, revolução tecnológica, mudanças climáticas e desigualdades sociais formam um cenário complexo no qual se definem as oportunidades e os desafios para os trabalhadores, sobretudo aqueles que vivem nas periferias.

Os impactos da digitalização e das novas tecnologias como robotização, inteligência artificial, biotecnologia e nanotecnologia, as reestruturações produtivas e revoluções industriais que conectam máquinas, sistemas e ativos, por meio de fábricas inteligentes, sistemas cibernético-físicos que se comunicam, cooperam entre si e entre os humanos em tempo real possibilitaram o surgimento de novas categorias profissionais e uma diversificação da classe trabalhadora. Ainda assim, esta carrega em seu âmago as contradições do capital: intensificação da precarização, marcada pela informalidade e pela ausência de direitos trabalhistas.

Se, por um lado, abrem-se novas possibilidades de trabalho remoto, empreendedorismo digital e economia criativa, por outro há uma ampliação da insegurança e as formas precárias de ocupação geram novas doenças (stress, ansiedade, etc.) que interferem na vida profissional, pessoal e familiar; o teletrabalho, home office, o conta própria estimulam o individualismo e a competição, criando novos e ainda desconhecidos comportamentos de isolamento.

Toda essa complexa cadeia de situações levou ao acirramento da competitividade e da concorrência, com meritocracia e individualismo apresentados como valores universais e hegemônicos e um aumento da negação da política como espaço de participação e direitos.

As periferias, especialmente as urbanas, são particularmente afetadas por esse cenário. Muitas vezes, trabalhadores dessas regiões encontram no trabalho por aplicativos e por conta própria sua principal fonte de renda, o que os coloca em situações de vulnerabilidade. Nesse sentido, pensar o futuro do trabalho implica discutir também mecanismos de proteção social e de inclusão produtiva que reduzam desigualdades e a relação dessas comunidades com o meio ambiente e com a qualidade de vida.

Trabalho e Meio Ambiente: uma relação de interdependência

A relação entre mundo do trabalho e meio ambiente é marcada por tensões históricas. Por muito tempo, o desenvolvimento econômico priorizou a exploração de recursos naturais e a expansão industrial sem considerar os impactos ambientais. No entanto, as mudanças climáticas e a crise ecológica global evidenciam que não há futuro do trabalho sem sustentabilidade.

Empregos ligados à economia verde – como energias renováveis, gestão de resíduos, agricultura sustentável e mobilidade urbana limpa – apontam para uma reconfiguração produtiva. Mas essa transição não é neutra: exige políticas públicas que garantam que trabalhadores das periferias não sejam excluídos dos benefícios de uma economia de baixo carbono. Por isso, adjetivamos a transição como justa, onde a mudança de uma economia extrativista para uma economia regenerativa, promove um processo justo e equitativo, garantindo que ninguém seja deixado para trás e que os benefícios da transição ecológica sejam otimizados; isso exige também a construção de estratégias nacionais e regionais para uma economia sustentável e a garantia de empregos dignos, com a identificação das pessoas mais afetadas pela transição, e foco especial em jovens e reintegração de trabalhadores e trabalhadoras. Ao mesmo tempo, a transição justa também tem como tarefa impulsionar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de forma sistêmica.


Nesse sentido, os movimentos de trabalhadores e nossa ação no Eixo Trabalho do Reconexão Periferias se pauta pela concepção de que é necessário a centralidade do trabalho num novo projeto de desenvolvimento sustentável e solidário, como elemento estruturante da vida em sociedade, que tenha como objetivo e compromisso a eliminação das desigualdades e a promoção da qualidade de vida para todos e todas.

É preciso colocar a política industrial nesse mesmo diapasão, voltada para a promoção de políticas de desenvolvimento regional onde a transformação produtiva deve estar atrelada ao desenvolvimento social como forma de resolver problemas concretos, com alguns eixos prioritários, tais como: o complexo industrial da saúde (cadeia produtiva do SUS), a indústria de base química e mecânica; o eixo do saneamento que possui fortes encadeamentos com materiais elétricos, química e serviços de informação, de maneira a propiciar novos empregos e sustentabilidade ambiental.

E construir uma agenda que deve dar ao trabalho novo significado social, político, econômico e ambiental.

Periferias: espaços de resistência e inovação

Assim, a integração entre trabalho, meio ambiente e periferias exige a valorização desses territórios como centros de produção de conhecimento e prática. Experiências de hortas comunitárias, reciclagem, cooperativas de catadores, economia criativa e movimentos culturais periféricos mostram que é possível articular geração de renda com preservação ambiental e inclusão social.

As periferias são espaços de potência. Diversas iniciativas locais têm mostrado como comunidades periféricas podem ser protagonistas em soluções inovadoras, seja na economia solidária, na produção cultural ou em projetos de sustentabilidade ambiental.

Por isso, ao falar de futuro do trabalho temos que levar em consideração essa dimensão ambiental e as desigualdades territoriais. As periferias, ao mesmo tempo em que sofrem os efeitos da precarização e exclusão, também apontam caminhos e formas mais justas e sustentáveis de viver e trabalhar.

Construir esse mundo do trabalho que respeita o meio ambiente e inclui as periferias é, portanto, um desafio civilizatório. Isso implica políticas públicas de formação profissional, incentivo à economia verde e solidária, garantia de direitos e investimento em tecnologias sociais que fortaleçam o protagonismo dos territórios periféricos.

É nas ruas da periferia que o futuro do país está sendo disputado. E voltar às bases hoje significa reerguer comunidades e plantar sementes de oportunidades de transformação. É esse o nosso desafio: renovar a esperança com o aceno que vimos nas mobilizações de rua nos últimos dias e ampliar esse sopro de democracia para fortalecer laços e ações concretas nas periferias.