Impostos, mitos e movimentos sociais no Brasil
Monika Dowbor, Frederico Salmi, Henrique Aragusuku e Helena Costa da Trindade
Hoje vamos falar de impostos, taxação, tributos, política fiscal e sistema tributário. São temas que parecem complexos, mas não são. Esses temas não são exclusivos de economistas. Você, cidadã e cidadão comum, pode e deve falar sobre tudo isso. Devemos falar sobre como o Estado brasileiro é financiado por meio de impostos.
Os impostos parecem distantes, mas estão no seu dia a dia. Eles financiam o SUS, a UBS da sua comunidade, as escolas, o asfalto, o sistema de água e esgoto no seu bairro, E tudo isso custa. São os impostos e as políticas públicas do Estado que garantem que esses serviços básicos sejam gratuitos.
Então, você já deve ter ouvido que “brasileiros pagam muitos impostos” ou que “o Brasil é o país com os maiores impostos do planeta”. Afinal, isso é verdade? Qual é o problema com os impostos no Brasil? É preciso desmontar esses mitos. Vamos falar de dois deles.
O primeiro mito é que “Os brasileiros pagam muitos impostos”. Esta narrativa é contada há séculos e é um dos mitos que habitam o imaginário dos brasileiros. Primeiro que não existem “os brasileiros”. Do ponto de vista dos impostos, os cidadãos são classificados economicamente. No Brasil, tem os extremamente pobres e os pobres (classe baixa), a classe média (baixa, média e alta), os ricos e os super-ricos (classe alta).
No Brasil, quem paga mais impostos são justamente a classe baixa e a classe média. Mas a maior carga de impostos está sobre a classe mais baixa. Porque os mais pobres têm poucos bens e, quando têm, são taxados (por exemplo, moto ou casa), e boa parte dos seus rendimentos (salário) vai direto para consumo. E os produtos de consumo são taxados em média em 45%. Ou seja, as classes baixa e média pagam imposto sobre seus salários e praticamente tudo que consomem no mês.
Enquanto isso, a classe alta é tributada minimamente em seus rendimentos, pois sua renda não advém do salário, mas sim de lucros e dividendos de suas empresas e outros investimentos, ambos isentos de impostos no Brasil. Os bens dos super-ricos também são isentos ou minimamente taxados, como heranças, imóveis rurais, aviões e barcos.
O segundo mito é “O Brasil tem a maior carga tributária do mundo”. Esta narrativa também é outro grande mito. No Brasil, a carga de tributos é menor do que nos países mais ricos do mundo e considerados “desenvolvidos economicamente”, como os países europeus, os Estados Unidos e alguns países asiáticos (como o Japão). Em países como Noruega e França, a alta carga tributária é acompanhada por serviços públicos de excelência.
Essas desigualdades em relação a quem e quanto paga de impostos no Brasil são reforçadas por esses dois mitos, e muitos outros, que circulam na sociedade. Isso é o que pode ser chamado de injustiça tributária brasileira.
Mas afinal, o que pode ser feito para mudar o nosso sistema tributário? Como podemos enfrentar essas injustiças e desigualdades? Como fazer os super-ricos pagarem mais e os pobres menos? Quais produtos devem ser taxados e quais devem ser isentos?
Podemos começar a desmontar esses mitos em duas frentes. A primeira é saber quem são os super-ricos. A segunda é entender qual o papel dos movimentos e organizações da sociedade civil para reduzir esse tipo de injustiça brasileira.
Sobre os super-ricos. De acordo com a campanha do “Plebiscito Popular: Por um Brasil Justo e Soberano”, uma iniciativa de diversos movimentos sociais brasileiros, os super-ricos são aqueles indivíduos que ganham 50 mil reais ou mais por mês. Super-ricos também são chamados de milionários, bilionários, ultrarricos e tantos outros nomes. Para se ter uma ideia melhor, no Brasil, existem 56 bilionários, 15.366 pessoas que ganham mais de 600 mil reais por mês1. De acordo com a Receita Federal, os super-ricos pagam em média 2% de imposto de renda. Isso mesmo, dois por cento ao ano. Lembre-se de que os salários dos trabalhadores podem ser taxados em até 27,5% ao ano. O fato é que, no Brasil, os super-ricos pagam muito pouco imposto.
E o papel dos movimentos e organizações da sociedade civil? No Brasil, essas organizações são compostas por cidadãos (trabalhadoras, estudantes, moradores de bairros, lideranças comunitárias) que se organizam para defender direitos básicos, pressionar seus vereadores e deputados. Os movimentos ajudam a desconstruir esses mitos sobre os impostos no Brasil. É necessário se movimentar juntos.
Então, como participar desses movimentos e organizações? Este ano foi iniciada uma campanha para taxar os super-ricos, isentar do imposto de renda quem ganha até 5 mil reais, entre outras pautas: “Plebiscito Popular 2025” que reúne mais de 170 organizações como a Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo. Qualquer cidadão pode participar por meio de urnas físicas ou digitais2. O objetivo é pressionar seu deputado e senador. A pressão é para mudar as formas de tributar, quem tributar, o que tributar, para onde destinar os impostos coletados. Há um projeto de lei sobre isso e ele está no Congresso Nacional, sendo atualmente discutido. Pressione também.
Em uma recente pesquisa “Movimentos sociais e justiça tributária: o nexo negligenciado”, foi identificado que alguns mitos começam a ser desconstruídos e ações já estão emergindo, mas exigem muita coordenação dos cidadãos. Para se ter uma ideia, a taxação de “grandes fortunas” está prevista na Constituição Federal de 1988, mas nunca foi regulamentada. Alguns movimentos sociais sabem disto. Sem uma arrecadação de impostos mais justa, é impossível financiar políticas públicas que promovam direitos básicos e reduzam desigualdades históricas.
Por fim, falar de impostos, taxação, tributos, política fiscal e sistema tributário é crucial, urgente e necessário para toda cidadã e todo cidadão viver de modo mais justo e igualitário no Brasil.
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Monika Dowbor é professora no Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), coordenadora do NDAC (Núcleo de Democracia e Ação Coletiva) e membro do Comitê Gestor do INCT Participa. Coordenada a pesquisa “Movimentos sociais e justiça tributária: o nexo negligenciado”.
Frederico Salmi é pesquisador no programa de pós-graduação sociologia da UFRGS, nos grupos de pesquisas TEMAS (Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade) da UFRGS e CSSN (Climate Social Science Network) da Brown University, e membro do INCT Participa.
Henrique Aragusuku é pesquisador de pós-doutorado no INCT Participa e membro do NDAC (Núcleo de Democracia e Ação Coletiva) do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
Helena Costa da Trindade é graduanda em Ciências Sociais na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e membro do INCT Participa.
Agradecimento: Os autores, como membros INCT Participa (Processo: 406630/2022-4, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, CNPq), são responsáveis pelas análises e conclusões expressas e não necessariamente refletem a visão CNPq, a quem agradece.
1 Ver artigo “Movimentos sociais e injustiça tributária no Brasil” em https://pp.nexojornal.com.br/opiniao/2025/06/27/movimentos-sociais-e-injustica-tributaria-no-brasil
2 Conheça as formas de participar do Plebiscito Popular https://plebiscitopopular.org.br/