Paulo César Ramos

… mas renova-se a esperança/ nova aurora a cada dia/ e há que se cuidar do broto/ pra que a vida nos dê flor e fruto. – F. Brant, M. Nascimento

Maria da Conceição Tavares deixou-se gravar em uma aula dizendo que o Brasil tentou fazer em poucas décadas o que os países europeus levaram séculos para fazer. Só não teve tempo suficiente para avaliar em quanto tempo nós conseguimos — ou não — construir uma democracia sólida legítima.

Faço essa reflexão motivado pelos acontecimentos mais recentes em que as forças democráticas insurgiram: os atos de 21 de setembro, o julgamento e a condenação de Jair Bolsonaro e sua gangue, assim como a formação e a vitória da chapa Lula-Alckmin para a Presidência da República em 2022.

Apesar de recentes, quando olhados em perspectiva histórica, tais fatos remontam ao processo que começou com o fim da ditadura militar, que colocava atores dos grupos políticos de Lula e de Geraldo Alckmin em aliança contra os militares. Brincando, eu costumava dizer que a chapa de 2022 parecia um comício das Diretas Já, em que se reuniam políticos de variadas agremiações partidárias em defesa da democracia e contra o regime dos generais.

A mesma semelhança notei na noite de 21 de setembro, quando, surpreso e encantado, acompanhei o show de grandes nomes da MPB no palco do ato contra a anistia no Rio de Janeiro. Em voz alta e comigo mesmo, brinquei: quando entra o Milton Nascimento cantando Coração de Estudante? Para os menos informados, Coração de Estudante foi uma das canções que embalaram os protestos da campanha pelas eleições diretas para presidente no Brasil em 1984.

Talvez essas associações livres façam sentido se estivermos, pela primeira vez, vivenciando um processo de democratização realmente longo. Mesmo após 37 anos de Constituição Cidadã e 40 anos sem governos militares, teremos a oportunidade de virar a página?

A suspensão do pacto democrático que, em 2016, golpeou Dilma Rousseff e depois colocou, em 2018, Jair Bolsonaro no cargo de presidente da nação, parece ter oportunizado que as instituições finalmente levassem generais golpistas da laia de 1964 a serem processados, julgados, condenados e presos. Feliz da geração que, mesmo tardiamente, sofreu, resistiu e ainda pode cantar as velhas canções que embalaram a resistência de antes e de agora.

Democracia nunca pode ser estanque e precisa de novos atores. Entre descontinuidades e reconfigurações das forças políticas que atuaram no fim da ditadura militar, vimos o vigor das esquerdas em partidos que se preservaram, como PT, PDT, PCdoB e PSOL, bem como movimentos como a CUT, UNE, MNU e MST. Com o povo na rua, renova-se a esperança. E a tarefa do PT, como partido de esquerda, é fortalecer as reivindicações por direitos que vêm das periferias, das camadas excluídas, mas mobilizadas por um novo ciclo de democratização.