(IN)Segurança Pública em São Paulo: Estado de Exceção e Violação de Direitos
Por Fórum Popular de Segurança Pública e Política de Drogas de São Paulo
Já nos primeiros meses de seu (des)governo, o governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, realizou uma série de mudanças na área de Segurança Pública, dificultando a continuidade da implementação de câmeras corporais nos policiais militares, além de realizar mudanças internas nos comandos da PM.
Além de pronunciamentos públicos de incentivo à violência policial em nome do combate ao crime, Tarcísio materializou seu discurso por meio das sangrentas operações “Escudo” e “Verão” na Baixada Santista (2023/2024). A partir dessas movimentações e do acirramento de uma política punitivista e repressiva na segurança pública estadual, mais de 20 organizações da sociedade civil, movimentos sociais e especialistas no tema se reuniram e fundaram o Fórum Popular de Segurança Pública e Política de Drogas de São Paulo.
Longe de ser uma novidade, essa iniciativa surgiu referenciada e inspirada em fóruns populares, como o do Nordeste, da Bahia e do Rio de Janeiro. Esses espaços têm se consolidado como importantes arenas de resistência e construção de políticas públicas. A partir de experiências locais e regionais, esses fóruns têm acumulado conhecimento e estratégias de enfrentamento à violência institucional, fomentando redes de solidariedade e mobilização social contra o modelo de segurança pública baseado na militarização e no extermínio das populações marginalizadas.
O Fórum de São Paulo se insere nessa tradição de luta, buscando construir, de forma estruturante e participativa, um modelo de segurança alternativo à lógica repressiva estatal e pautado pelo respeito aos direitos humanos. Com isso, o Fórum busca ser um espaço de articulação em rede, protagonizado pela sociedade civil organizada, para construção de uma agenda comum pautada no fim da violência policial-penal e na promoção e reparação dos direitos constitucionais das populações e territórios vítimas do Estado. Nosso intuito é desenvolver ações que provoquem mudanças para outro modelo de Segurança Pública e Política de Drogas.
Compreendemos as operações “Escudo” e “Verão” como a expressão visível da continuidade de um Estado de Exceção nas regiões periféricas, onde a legalidade é substituída pela violência desmedida do aparato estatal, sob falsos pretextos como o combate e a guerra às drogas e ao crime organizado. Contudo, essas operações resultam em execuções sumárias, desaparecimentos forçados, prisões ilegais, invasões de domicílio sem mandado judicial e intimidação sistemática de uma parcela específica da população.
Relatos de familiares e organizações de direitos humanos têm apontado para um contexto de terror, no qual agentes do Estado atuam sem compromisso com os princípios legais, violando sistematicamente a Constituição Federal, negando garantias fundamentais como a vida, a dignidade da pessoa humana e o devido processo legal.
A execução sumária de suspeitos fere o princípio da presunção de inocência e do devido processo legal, enquanto invasões de domicílio sem mandado afrontam a garantia constitucional da casa como asilo inviolável do indivíduo. Além disso, a ausência de investigações e de responsabilização dos agentes envolvidos contraria o direito ao amplo acesso à justiça e afirma a cultura da impunidade dentro das forças policiais.
A legitimação dessas violações pelo Estado reforça uma estrutura de exceção, onde o uso da força se sobrepõe ao respeito aos direitos fundamentais, consolidando um modelo de segurança pública incompatível com um Estado Democrático. O uso excessivo da força letal pelas policiais do Estado de SP, legitimado pelo discurso de suposto enfrentamento à criminalidade, evidencia uma política de extermínio direcionada, sobretudo, à população negra e periférica. Tais operações agravam ainda mais o ciclo de violência institucional, intensificando a violação de direitos e alimentando o medo entre os moradores das regiões atingidas.
Ademais, a estratégia adotada pelo governo paulista é incompatível com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em matéria de direitos humanos. Ações de repressão violenta como as realizadas nas operações “Escudo” e “Verão” são repudiadas por organismos internacionais e contrariam diretrizes da ONU e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Inclusive, ao tomar conhecimento de denúncias feitas a tais organismos internacionais, Tarcísio, sem nenhum pudor, declarou: “Pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, demonstrando que não há intenção por parte do governador de interromper tamanha barbárie. A insistência na lógica de guerra demonstra o desprezo pelas soluções baseadas na prevenção da violência e na ampliação de direitos sociais como forma de enfrentamento à criminalidade.
O Fórum Popular de Segurança Pública e Política de Drogas de São Paulo reafirma seu compromisso com a defesa intransigente dos direitos humanos e denuncia as operações “Escudo” e “Verão” como instrumentos de violação estatal. Exigimos investigações independentes, a responsabilização dos agentes envolvidos em abusos e a reformulação da política de segurança pública estadual. A sociedade civil organizada não pode aceitar que a violência continue sendo a resposta do Estado para problemas estruturais que exigem soluções democráticas e baseadas na garantia de direitos.