Direitos Humanos e Inclusão da População LGBTI+ em Rondônia
Grupo Comcil iniciou o projeto de acompanhamento de pessoas trans e travestis no processo de retificação de nome e gênero
A Comunidade Cidadã Livre (Comcil) é uma organização voltada à promoção do bem estar social, do exercício da plena cidadania e da garantia dos direitos humanos. Trabalha pela busca ativa de políticas públicas que garantam a inclusão, o respeito e o reconhecimento da população LGBTI+ e família, por meio de ações práticas e educativas, especialmente voltadas para a população trans, com o intuito de garantir o acesso aos direitos fundamentais que muitas vezes lhes são negados.
Nessa perspectiva, o direito à retificação de nome foi consolidado apenas em 2018, por meio da ADI 4275/DF. Quando julgada pelo Supremo Tribunal Federal, passou a assegurar que pessoas trans teriam direito a retificação de nome sem apresentar nenhum tipo de laudo, exame ou cirurgia. Entenderam assim que se trata de um direito que precisa ser assegurado às pessoas trans, dando o primeiro passo para a desburocratização da retificação de nome e garantia de direitos. A resolução do CNJ (Provimento 73/2018) permitiu que a retificação de nome fosse realizada de forma extrajudicial, ou seja, sem necessidade de processos judiciais diretamente nos cartórios de ofícios, o que democratizou o acesso a um direito tão importante da população trans e travesti.
Porém, apesar da desburocratização, ainda esbarramos em uma questão importante: a vulnerabilidade social e econômica vivenciada pela população trans e travesti, pois os custos associados à retificação não contemplam a realidade vivenciada por ela. De acordo com o Censo Trans (Rede-Trans), 60,5% vivem com até um salário mínimo e 19,9% não têm nenhum rendimento. Os dados mostram que existe um contexto de pobreza decorrente da extrema dificuldade de acesso ao mercado de trabalho e à educação.
Em Rondônia, essa dura realidade também é vivenciada pela população trans e travesti, sobretudo por quem reside em bairros periféricos. Foi a partir dessas observações que o grupo Comcil iniciou o projeto de acompanhamento de pessoas trans e travestis no processo de retificação de nome e gênero. Essa ação teve início em parceria com a Defensoria Pública do Estado de Rondônia e, posteriormente, com a colaboração do Núcleo de Práticas Jurídicas da Faculdade Católica.
Importante destacar que, apesar de a ação ter sido originalmente planejada para um período mais curto, a demanda pelo serviço foi tão grande que segue até hoje. O projeto iniciado em 2019 resultou em 90% de sucesso na retificação de registro civil, com atendimento de mais de 100 pessoas desde o início, o que demonstra o tamanho do sucesso e o impacto na comunidade trans e travesti na garantia de direitos.
Teve ainda desdobramentos em outras ações, de forma a ampliar os direitos de trans e travestis.
Desdobramentos – Para além de garantir acesso à retificação, foi necessário realizar a abordagem no que diz respeito ao uso do nome social. Um dos primeiros passos foi a sensibilização e capacitação dos profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) sobre a importância do uso do nome social nas UBSs. A ação buscou garantir que a população trans fosse tratada com dignidade, respeitando sua identidade de gênero. Além disso, trabalhamos para conscientizar os profissionais sobre as especificidades da população trans, como a questão da “não passabilidade” e as diferentes experiências de vida, muitas vezes associadas a preconceitos e exclusões.
O nome social não é apenas uma questão de reconhecimento, mas também de acolhimento, adesão e permanência no sistema de saúde, especialmente para as pessoas trans, que frequentemente enfrentam dificuldades no acesso ao atendimento médico, garantindo assim um bom relacionamento entre profissional de saúde e usuários do SUS.
Uma das demandas identificadas foi a inclusão do nome social nas tarifas de serviços públicos, como energia e água. Muitas pessoas trans enfrentavam constrangimentos devido ao fato de que ainda não conseguiam realizar a mudança de nome em documentos como o CPF, o que gera discriminação nas contas de serviços essenciais. Esta inclusão foi fundamental para combater o estigma e as dificuldades diárias enfrentadas, especialmente para quem mora de aluguel e não tem controle sobre a titularidade das contas.
Criação e efetivação de políticas públicas – Uma grande conquista foi a criação eefetivaçãodeumaportariaque estabeleceu diretrizes para a inclusão da população LGBTI+ no sistema prisional do estado de Rondônia. Por meio da Secretaria de Estado da Justiça, com apoio da Gerência de Reinserção Social, a portaria aborda questões fundamentais, como a proteção e a garantia de direitos básicos para pessoas LGBTI+ no sistema penitenciário, um passo importante na prevenção da violência e na promoção da ressocialização, atuando em rodas de conversas com os policiais penais para entendimento das especificidades da população LGBTI+ e minimização de conflitos entre profissionais e apenados.
Karen de Oliveira Diogo é presidenta da Comunidade Cidadã Livre (COMCIL) e Fran Ellwbak é coordenadora do COMCIL e do projeto de retificação de nome e gênero idealizado pelo grupo.