Por Artur Henrique, Darlene Testa e Ruan Bernardo

A economia neoliberal durante o último século culminou em uma crise civilizatória contemporânea que está associada à financeirização por meio de ativos, especulações e investimentos com objetivo da conquista de lucro. Essa realidade é um desafio insustentável social, ambiental, econômica e democraticamente ao indivíduo que tem como bem apenas a sua mão de obra. Enquanto, em meio a esse caos, ricos tendem a  ficar ainda mais ricos1, vemos aumentar a miséria, a fome, a pobreza e o desemprego com mais informalidade e menos renda aos mais pobres.

No modelo que defendemos, a democracia e a solidariedade são pilares fundamentais. Ao defendermos uma mudança do atual modo de produção e consumo, fundamentado na valorização da vida e da solidariedade, defendemos também um conjunto de políticas para garantir que a transição e o caminho para uma produção com baixas emissões de gases de efeito estufa não seja feita à custa de mais trabalho informal e menos direitos sociais, por serem essas as possibilidades de garantir qualidade de vida aos trabalhadores e trabalhadoras. Entendemos também que é responsabilidade do Estado a ampliação de políticas de proteção social para combater a fome, a pobreza e a desigualdade social que atingem a grande maioria da classe trabalhadora brasileira, apesar dos esforços do governo Lula nesse novo período.

Essas desigualdades estruturais incidem sobre um mercado de trabalho precariamente estruturado, assimétrico, com altos índices de informalidade, rotatividade e desemprego e cujas contratações “atípicas” – MEI´s, PJ´s, autônomos, plataformas digitais – escondem, a falácia das propostas de flexibilização dos direitos sociais como forma de ampliação do emprego que alimentaram discursos nesses últimos anos. Essa atipicidade é agora uma normalidade, já que 38,9% dos trabalhadores e trabalhadoras em atividade no Brasil, segundo a Pnad Contínua do primeiro trimestre de 20242 realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, possuem vínculos informais de trabalho. Esse tipo de relação trabalhista é ainda maior que aquelas com vínculo formal reconhecido, mesmo que esse último tenha tido taxa recorde no último trimestre. No entanto, os custos que a ampliação do mercado informal proporciona aos trabalhadores e trabalhadoras – como o aumento da precarização -, é ainda maior do que quaisquer possíveis benefícios, estabelecendo a necessidade de se repensar quais alternativas existem e/ou devem ser criadas à possibilidade de empregos dignos.

Uma sociedade democrática e comprometida com a superação das desigualdades, onde o trabalho digno tenha centralidade, precisa que os direitos sociais sejam respeitados e que todas as formas de discriminação sejam eliminadas.  Isso significa a criação de empregos de qualidade, como resultado da retomada do crescimento econômico, de uma indústria e campo fortalecidos e pelo combate ao trabalho precário, exigindo mudanças no marco regulatório das relações de trabalho, como também uma legislação e regulamentação específica para os trabalhadores e trabalhadoras em aplicativos e plataformas. Tudo isso favorecendo a ação sindical por novos direitos, melhoria nas condições de trabalho e redistribuição de renda.

Elevar consciência em um contexto de relações de trabalho precarizadas

Uma das principais e desafiadoras tarefas desse próximo período é desfazer  valores que difundem que inclusão, diversidade e solidariedade são secundários em relação ao crescimento econômico.  Reconhecer a demandas sociais por igualdade e a luta contra toda forma de discriminação faz parte da tarefa de todas e todos que enxergam e lutam por uma sociedade democrática. As campanhas de ódio às forças de esquerda que se intensificaram nos últimos anos levaram as pessoas cada vez mais ao individualismo. É preciso intensificar a luta contra esse ideário da extrema direita,  a discriminação de mulheres, negros e imigrantes nas relações de trabalho, contra a violência doméstica, política, de gênero e raça e o feminicídio, o extermínio da população negra e pobres nas periferias. E pela ampliação de direitos humanos fundamentais e democratização das políticas públicas.

Nesse sentido, valorizar a participação, a pluralidade de ideias e a solidariedade de classe, é fundamental para romper esse ciclo de crise civilizatória e contribuir para a edificação de uma sociedade. E a cultura é uma ferramenta poderosa nesse processo, com experiências exitosas no cotidiano das periferias urbanas e rurais.

O desenvolvimento defendido por nós e as ações que o governo Lula tem apontado devem criar condições para gerar trabalho decente, para a recriação de um modo de pensar e agir com uma perspectiva mais coletiva. Uma perspectiva em que olhamos quem está ao nosso redor, suas dores e desafios, uma perspectiva de acolhimento e cuidado, inclusive com o planeta, de afeto e solidariedade.

E talvez, com isso, possamos sair dessa condição de adoecimento mental e busca incessante de crescimento individual para nos percebermos como sujeitos coletivos e de direitos. De sermos capazes de sonhar juntos, e, juntos, capazes de transformar essa realidade. Pois como diz Guimarães Rosa “o real não está na saída nem na chegada; ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.