Por Rose Silva, com informações do PT Paulista

Desde o início de novembro, Égle Maitê se tornou a (primeira) secretária (negra) da Juventude do Partido dos Trabalhadores de São Paulo (JPT-SP). Na descrição da sua página no Insta, se lê: “cria da periferia, mas tô ocupando uns espaços que os brancos nem acreditam, mete marcha fii.”

Égle estudou até o ensino médio em escola pública. Depois, em faculdade privada, trabalhando e estudando. A mãe é diarista, com seu trabalho criou a filha, e até hoje é diarista. Negra de pele clara, como ela mesma se define, demorou alguns anos para enxergar sua negritude e perceber as situações racistas pelas quais passava. E foi justamente a luta contra a discriminação racial que a aproximou da política.
Começou na JPT trabalhando na base, ato de rua, colagem de lambe, protesto. Sua primeira função oficial foi coordenar a Juventude Negra.

Em abril deste ano, ela e suas companheiras e companheiros refundaram a JN13, a Juventude Negra do PT. No Encontro Estadual da JPT realizado entre os dias 21 e 23 de abril, em Araraquara, foi refundado o coletivo JN13, consagrando uma das prioridades estratégicas definidas em encontro do ano anterior. Égle e demais participantes redigiram uma Carta de Refundação que merece ser lida na íntegra.


Nesta entrevista, ela conta como foi esse processo e fala sobre política, juventude e os principais desafios da Secretaria que acaba de assumir.

Onde você nasceu e o que despertou o seu interesse pela política?
Nasci na Zona Norte de São Paulo, sou do Lausanne, de uma parte periférica que tem ali. Acho que a gente não entende desde muito nova o que é a política. E aí, quando eu fui crescendo, não consegui entrar na universidade até os 27 anos, comecei a entender que tudo envolvia política. O que é preciso para comer dentro de casa , o que se passa na rua por ser uma mulher negra. Comecei a entender o quanto eu sofria pelo racismo, porque por ser uma mulher negra de pele clara, em alguns espaços, o racismo é muito sutil. Quando eu sofri um racismo muito forte foi na casa de um ex-namorado, ele terminou comigo falando que a mãe dele não gostava de mim porque sou preta. Aí foi nesse momento que eu falei: “não dá mais e eu preciso fazer alguma coisa, porque não sou só eu, são várias pessoas que passam por isso”. Entrei na política na época do golpe (de 2016, contra a presidenta Dilma Rousseff), e comecei a frequentar mais os atos, e aí conheci o PT. Perto dos 25, 26 anos que eu resolvi entrar.


Como você vê a perspectiva da juventude hoje em relação à falta de oportunidades de trabalho decente e de permanecer nas escolas e universidades com o novo governo?
Na minha trajetória, eu demorei muitos anos para conseguir entrar na universidade por conta de ser pobre, tinha de trabalhar e estudar, então acabei pegando DP, faltava para ir trabalhar na área de eventos, era correria sempre. E não é emprego fixo, a maioria é frila. Então, você vai se encaixando onde é que dá para conseguir se sustentar assim. Esse é um dos problemas tanto da entrada na universidade quanto no mercado de trabalho. Você precisa de experiência para trabalhar, precisa ter uma universidade, estar formada. Se não for isso, vai trabalhar em mercado, que é 24 horas por dia, telemarketing, essas coisas. Mesmo assim, é um trabalho bem precário, bem mais difícil. Na universidade tinha 3 a 4 pessoas negras, o resto todo mundo branco. Eu acho que hoje no governo a gente deu uma avançada, já tinha acontecido isso, mas com o desgoverno que teve, voltamos um pouco atrás. Agora a gente está voltando com a lei de cotas. Não só na universidade, mas nos serviços públicos, que são importantes para conseguir inserir jovens na universidade e no mercado de trabalho.


As mulheres no geral e particularmente as jovens sofrem muito com a misoginia e a violência de gênero. Como você vê essa situação das mulheres hoje? Você já observa alguma mudança na sociedade em relação a esse tema?
Acho que a gente deu uma avançada, fez a maior quantidade de ministras de todos os governos até agora. Isso foi um avanço, e o debate sobre inserir as mulheres nos espaços com salário igual, devido à lei da igualdade salarial. Porém ainda é muito difícil, ainda mais para as mulheres pretas. Eu acho que a gente está mais atrasada enquanto mulher preta, mas avançamos passo a passo.


Você acabou de assumir a Secretaria de Juventude do PT. Já teve tempo de fazer um plano? Quais são os principais desafios da secretaria?
Ainda não fizemos planejamento. Não deu tempo. Eu tomei posse no final de semana. As principais dificuldades são relacionadas à eleição do ano que vem, como fazer que mais jovens consigam não só ser candidatos, mas também se eleger. Como inserir essa juventude no meio da política, agregar os que vieram na época do desgoverno, como manter esses jovens militantes e trazer outros.


Como foi a sua experiência quando começou a militar e que conselho você daria para pessoas que querem dar passos dentro da política?
Eu acho que o maior problema que a juventude tem para ser candidato, para estar lá, é a questão financeira. Há pouco apoio para os jovens. Então a gente vai ver como organizar, como ajudar na comunicação, no planejamento, como conseguir que todos esses jovens tenham o mesmo apoio. Vai ser uma luta fazer isso. Agora, quando eu comecei, eu sentia muita falta do acesso às coisas da cidade, de debater, a política era muito reservada. Então, a dica é trazer mais gente, sempre, conversar com as pessoas, é isso a política, o dia a dia da política. Bater na porta da universidade e debater. Por que a escola municipal está sem água, por que a alimentação não está chegando, por que essa verba foi cortada? Por que existe paralisação? Dialogar e entender o que está acontecendo, porque muita das vezes, as pessoas pensam: “ah, isso não me afeta, não vou debater, não vou me inserir e entender”. A dica é se interessar, se importar, ver por que as coisas estão acontecendo, como a verba está entrando ou saindo.