Nas dobras da precariedade: desigualdades regionais, de gênero, raça e classe no trabalho “por conta própria” no Brasil – um olhar para a PNAD Contínua
A promessa de que a liberdade individual para organizar o trabalho e a ausência de um patrão definido, somadas ao espírito empreendedor, livre das amarras da chamada burocracia regulamentadora, seriam suficientes para a superação das desigualdades sociais vai se comprovando cada vez mais enganosa.
É o que revela pesquisa realizada pelo projeto Reconexão Periferias, da Fundação Perseu Abramo, pela Universidade Federal de Santa Catarina e pela Reafro (Rede Brasil Afro Empreendedor), intitulada Nas dobras da precariedade – Desigualdades regionais, de gênero, raça e classe no trabalho por conta própria no Brasil (acesse a pesquisa completa aqui).
No universo dos “conta próprias” – como a pesquisa designa esses trabalhadores e trabalhadoras sem vínculo formal de emprego – os salários continuam deprimidos e as desigualdades de raça e gênero permanecem, quando não são aprofundadas.
O enfoque e a metodologia da pesquisa são dois de seus principais destaques. Foram separados e analisados dados recentes da PNAD-C (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), com recorte de raça e gênero.
O material da pesquisa inclui infográficos (confira aqui) que podem ser reproduzidos, desde que citada a fonte.
Alguns dados da pesquisa:
– quase metade dos conta própria tem renda baixa, inferior a R$ 1.000,00 por mês (48%). Apenas 7% têm renda superior a R$ 4.000,00. Nos estratos intermediários, 30% têm renda entre R$ 1.001,00 e R$ 2.000,00 e 15%, entre R$ 2.001,00 e R$ 4.000,00, as faixas formando uma pirâmide;
– a discriminação racial e de gênero opera em conjunto nos conta própria: entre as mulheres cabeleireiras (negras e brancas) a renda está concentrada na primeira faixa (até R$ 1.000,00) mas é tanto maior quanto mais branco o grupo de trabalhadoras. E ainda, as cabelereiras são quase todas mulheres, mas, quando há homens brancos, é justamente nesse grupo que se concentra o segmento com renda maior que R$ 4 mil da categoria;
– essa lógica de no interior de uma mesma atividade as faixas de renda serem sempre menores para as mulheres negras e maiores para os homens brancos opera em todas as atividades pesquisadas. Na faixa salarial entre R$ 2.001 e R$ 4.000, os homens brancos ocupam quase todas as posições;
– na faixa salarial de até R$ 500, quase todas as ocupações são exercidas pela população negra. Essa predominância, em menor escala, repete-se nas faixas até R$ 2.000;
– na faixa acima de R$ 4.000, o eixo racial separa as atividades por completo;
– a mais masculina e branca das atividades por conta própria é na agricultura, enquanto as mulheres brancas que trabalham por conta própria são hegemônicas na área de psicologia;
– os segmentos de atividade com predominância de mulheres negras são o de cuidados do corpo e de produção de roupas e alimentos;
– homens negros predominam nos segmentos de construção civil, transporte (em geral como condutores) e manutenção automotiva.