Começamos o ano de 2023 com uma grande mudança no Brasil: a saída do governo do ódio e das mortes de Bolsonaro, o início do governo de esperança e de vida de Lula, em seu terceiro mandato como presidente. Sabemos, e já afirmamos diversas vezes que, por si só, a mudança de um governo não significa a garantia de uma vida melhor para a população, especialmente as periféricas. Mas, ao mesmo tempo, não temos a menor dúvida de que essa mudança significa sim, pelo menos, a possibilidade de uma disputa nos marcos da democracia, da verdade, da valorização da vida, da diversidade e construção de uma sociedade justa e menos desigual. Essa certeza não se baseia apenas na confiança do que se tem dito que será feito e construído conjuntamente com a sociedade, mas também no que já foi feito, em menos de um mês no país. Desde as nomeações históricas para ministérios e cargos de direção, passando pela rápida recriação dos Conselho de Participação Social e do Sistema de Participação Social Interministerial e pelas várias reuniões e diálogos realizados com representantes da classe trabalhadora, de movimentos antirracistas, feministas e periféricos, entre outros.

Todavia, sabemos também desde os primeiros dias, que as disputas serão grandes. Tanto dentro do que hoje faz parte do governo quanto as disputas com a extrema direita golpista e fascista. Entendemos que as chances de vitória e conquistas nessas batalhas serão dadas na medida em que conseguirmos mobilizar mais e mais pessoas para estarem presentes nos espaços públicos, nas ruas. Entendendo as ruas como os locais nos quais a sociedade pode se ver, se descobrir ou se envergonhar. Os locais nos quais a democracia pode ser assegurada ou golpeada. Portanto, por esse lado, o momento é de considerar as ruas os locais privilegiados para as mais decisivas disputas políticas.

Foto: divulgação

Por outro lado, o momento também é, depois de dois anos de pandemia, a volta dos carnavais de rua, celebrando a cultura popular mais uma vez nos espaços públicos e a construção coletiva da alegria. Essas comemorações se dão, ainda que a pandemia não tenha acabado, porque agora temos vacina e a rápida retomada da valorização do SUS, com políticas públicas de saúde para cuidar da população. Nesse tema, é preciso também destacar a importância do resgate da valorização dos blocos locais, das celebrações territoriais e de todo necessário investimento e infraestrutura pública que as cidades precisam ter para que o carnaval possa consolidar-se como uma festa popular e não segregadora entre quem pode pagar e quem não pode, entre brancos dentro das cordas e das festas fechadas e negros do lado de fora ou trabalhando nelas, entre homens que se divertem e mulheres que são assediadas por esses, entre pessoas cis gêneras e héteras se divertindo e pessoas LGBTQIA+ sofrendo preconceito ou sendo ridicularizadas. O carnaval precisa e pode ser para todo mundo. Campanhas de conscientização, diálogo entre poder público e organizações de blocos, verba para infraestrutura e realização dessa festa precisam ser realidade e permanentes durante todo o ano. Tendo uma ministra da Cultura como Margareth Menezes, mulher negra que tem sua trajetória de cantora e de defesa da cultura interligada ao carnaval da Bahia, nos enchemos de esperança e de disposição para lutar para que essas e tantas outras demandas da área cultural possam ser concretizadas nos próximos períodos.

Em artigo, Elton Jhony Silva de Carvalho e Gabriel da Conceição Mendes, militantes do Levante Popular da Juventude em Roraima, analisam os últimos 4 anos de luta do movimento, composto na região por jovens indígenas e não indígenas. Registram a importância de terem somado na luta pelo Fora Garimpo e Fora Bolsonaro e afirmam que a esperança com o novo governo seja concretizada na retirada dos garimpeiros de terras indígenas demarcadas, na preservação do meio ambiente e cultura local e para que a juventude organizada seja protagonista nesse novo tempo.

O entrevistado do mês é Raull Santiago, jovem liderança do Complexo do Alemão (RJ). Com forte presença nas redes sociais, o influenciador digital e fundador de coletivos como A Brecha ganhou mais notoriedade ainda no ano passado, quando, ao lado de Lula numa atividade de campanha no Rio, vestindo um boné com a sigla CPX, foi acusado nas redes bolsonaristas de ser traficante. Raull sonha com a formação e criação de novos espaços de poder para lideranças vindas das periferias. Na entrevista, afirma, entre outros pontos de vista: “se hoje o Lula me perguntasse ‘o que é que eu tenho que fazer para solucionar as crises que existem no Brasil?’, eu diria, cara, olha para a periferia, ouve a periferia’”.

A seção Perfil apresenta a Associação Carnavalesca Swing do Pelô, capitaneada pelo mestre Ivan e sua filha Vanna. Nascido no Pelourinho, em 1988, o coletivo se destaca pelo protagonismo ao formar percussionistas ao longo dos anos em atividades educativas que envolvem meninos e meninas, além de apresentações no carnaval.

Acreditamos que ocupar as ruas com mobilização popular e com alegria devem ser mais do que realizar eventos pontuais ou espontâneos. Devem ser a estratégia principal para fazer as esperanças das periferias com o novo governo virarem realidade. Esperamos que o conteúdo dessa edição da Revista Reconexão Periferias contribua para, coletivamente e de forma organizada, construirmos essa tática rumo a conquistas tão urgentes ao nosso povo brasileiro.

Boa leitura! Boas lutas!

Léa Marques – Editora da Revista Reconexão Periferias