“Para a esquerda, a Cultura é uma boa porta de entrada para despertar a juventude para a política, porque tem ideias de liberdade muito fortes. Talvez por isso os inimigos da democracia têm tanto medo da Cultura.” Vivi Martins, a nova secretária Nacional de Cultura do Partido dos Trabalhadores, aposta que quem apoiar e compartilhar expressões culturais vai ter mais chances na disputa de valores por um país mais justo e solidário.

Foto: arquivo pessoal

Mas quais expressões, quais manifestações culturais? A diferença entre a atração que pode ser exercida pelos valores da direita e da esquerda pode se dar justamente naquilo que cada um dos lados preconiza para o futuro: “Qualquer instrumento de violência para atrair a juventude para a política pode surtir efeito, mas será de forma momentânea”, diz Vivi.

Acompanhe a entrevista:

Quem é você? Conte um pouco sua história.

É uma das perguntas mais difíceis da vida. Ao mesmo tempo me coloca no tempo e na história do lado certo que deveria estar, que é o PT e a defesa da democracia. Meu nome é Vivi Martins, mulher, designer, gorda, gestora cultural, carioca, especialista em moda sustentável. Durante a construção da vida profissional, destaco meu lado de ativista na defesa da economia criativa e a defesa dos trabalhadores da Cultura no Legislativo. Estou Secretária Nacional de Cultura do PT.

Quais são as atribuições da Secretaria Nacional de Cultura do PT? O que pode fazer além daquilo que é responsabilidade dos governos?

A Secretaria Nacional de Cultura (SNCULT) é a instância partidária de debate e formulação de políticas públicas de cultura, atuando com a sociedade civil na ação e defesa de projetos de desenvolvimento por meio da cidadania cultural. A Secretaria apoia parlamentares em pautas no Congresso Nacional, auxilia gestores na busca de soluções que contribuam para o avanço das regiões e cria espaço de debates nas câmaras e assembleias pelo país.

Recentemente a presidenta Gleisi falou que “o PT é guardião do projeto que ganhou a eleição”. E isso se aplica a todas as áreas e setores, a Cultura muito fortemente inclusa. Cabe à Secretaria, junto com todo o campo democrático na sociedade civil, ser a guardiã do projeto desenvolvimentista da cultura na centralidade da pauta política que venceu as eleições em 2022. Durante a campanha o presidente Lula disse: “Vamos cuidar com carinho de um dos maiores patrimônios do povo brasileiro, que é a cultura. A cultura será tratada como um bem de primeira necessidade, porque ela alimenta nossas almas. Precisamos de música, cinema, teatro, dança, artes plásticas. Precisamos de mais livros e menos armas. Vamos recriar o Ministério da Cultura. Vamos criar comitês culturais em cada capital desse país para que a cultura seja reconhecida como fonte de geração de renda e emprego”.

Lula cumpriu sua promessa, uma vez que o Ministério da Cultura foi criado e os comitês de cultura começam a tomar forma. A Secretaria Nacional de Cultura do PT seguirá como quando fez a campanha, toda a linha foi no sentido desenvolvimentista do Estado. Com êxito publicamente logrado.

O Ministério da Cultura está no Planalto e a Secretaria seguirá o mesmo na planície. Lado a lado, pois tem muito do nosso pensar ali e muito dali aqui, a cultura em prol da democracia é exatamente esse entendimento que habita o renascer do olhar cuidadoso por um Brasil profundo que nos mareja os olhos e faz com que toda a luta valha a pena.

Foto: arquivo pessoal

Quais os seus planos para o mandato de secretária nacional de Cultura? Qual a prioridade número 1?

Os planos são vários, mas a Cultura é no plural, somos um coletivo. Primeiro, conversar com os gestores da cultura das diversas instâncias e saber o que somos no ponto de vista da execução da política pública do setor hoje e como construiremos o legado e/ou podemos ajudar no Executivo. Assim como no Legislativo. Em paralelo abrir o escritório da Cultura PT para que seja um apoio aos nossos secretários estaduais, membros do Coletivo Nacional e demais quadros do setor. Abrir diálogo onde for possível e/ou continuar o diálogo, ouvir e atuar na sociedade. Ter troca contínua com gestores de todas as esferas, até para entender, disseminar e ampliar a voz. Não só somos guardiões do projeto político que ganhou a eleição como enriqueceremos o debate público, para que a visão do mercado não seja a única apresentada à sociedade. A Secretaria tem a missão de consolidar e ampliar a base orgânica. Somos artivistas e esse termo deve ser exaltado porque para além de fazedores, o PT colocará a discussão sempre na mesa de/para/com a Cultura e o povo brasileiro. O planejamento estratégico apontará caminhos. Então estou falando como secretária, mas a reunião do Coletivo e o planejamento complementarão a fala.

A palavra de ordem da SNCULT é cooperação para que a retomada do Estado democrático de direito na Cultura seja plena. Intra e extrapartidária, é sistêmica. Um projeto claro é o debate da SNCULT sobretudo na América Latina e nos outros países do cone sul. O chamado debate south-south.

Como foi que você despertou para a militância política?

Sou filha adotiva, esse foi meu primeiro “baque social”. Nasci e cresci na zona sul do Rio de Janeiro, tive acesso, mas era pobre. Filha do proletariado, mãe manicure/vendedora de roupa/fazedora de quentinha e pai confeiteiro/vendedor de doce. Meu pai faleceu cedo. Estudava em colégio de freira, era uma mensalidade que fui vendo como esmagava a nossa renda. Essa foi a segunda percepção. Me despertou lutar por um estudo de qualidade com acesso amplo, mas não tinha o entendimento naquela idade como falo aqui, era intuitivo. Tinha 13 para 14 anos quando fui para o movimento estudantil, comecei a trabalhar com 14. Para não deixar de militar, me filiei aos 17 anos por ocasião da venda da antiga Vale do Rio Doce. Enveredei no movimento estudantil universitário e a Cultura foi um caminho natural de formação e luta. São 24 anos no PT e não vou dizer que eu era uma garota, pois a minha alma jovem assim segue.

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Há uma disputa política muito intensa no país. Como conquistar mais jovens para os ideais de esquerda?

A juventude atual é mais pragmática e pós-política do que a da minha geração. Não penso ser ruim, são guiados por seu instinto e criatividade. Muitos criam o próprio negócio, começam do zero. Se expressam culturalmente de diversas formas, seja como consumidores dos bens culturais ou como criadores das suas próprias expressões, com o intuito de mostrar à sociedade e ao mundo a importância dos seus valores e da sua cultura no processo de transformação da realidade vigente. Nós precisamos estar atentos aos sinais dos tempos. O movimento Hip Hop e o funk falam muito. Moda, design e arte digital cada vez mais criam jovens artistas, o mundo dos games é a cultura sobretudo do metaverso. Designers, chefs de cozinha, artesãos. E sim, a cultura clássica vem com força nessa geração. A juventude que experimenta, se permite, mescla.

Na retomada do carnaval vimos diversos blocos com jovens misturando variados ritmos musicais e instrumentos. Ao mesmo tempo a juventude se interessa pela cultura popular como festa junina, folia de reis, fanfarra e outras várias expressões como a arte circense.

Para a esquerda a Cultura é uma boa porta de entrada para despertar a juventude para a política, porque têm ideias de liberdade muito fortes. Talvez por isso os inimigos da democracia têm tanto medo da Cultura. A juventude desconhece o medo, por exemplo. Qualquer instrumento de violência para atrair a juventude para a política pode surtir efeito, mas será de forma momentânea. Minha formação é Moda e observo sempre o comportamento da juventude na linha de frente das lutas. Penso que esquerda como libertadora deve colocar a Cultura a serviço dessa conquista. Dá match!