Por Rose Silva

O Movimento de Mulheres do Subúrbio Ginga surgiu em 2010, com o objetivo de realizar atividades para proteção e atendimento às mulheres vítimas de violência, além de promover sua autonomia financeira e psicológica. O grupo realiza reuniões, oficinas, cursos para a formação e conscientização das mulheres da periferia de Salvador sobre seus direitos. O núcleo gestor do coletivo reúne em torno de 15 integrantes, que realizam atividades mantidas por contribuições próprias, de moradores da comunidade e de parceiros.

Nascida no Recôncavo, Claudia Isabele Pinho vive no Subúrbio Ferroviário, em Salvador, desde os 2 anos de idade e é mãe de uma menina de 4 anos. “Minha aproximação com o Ginga foi em um momento de confluência e efervescência de várias mulheres. Nós temos uma tradição das negras no Brasil, em particular na periferia de Salvador, que se define pela gestão comunitária e o cuidado coletivo. As mulheres que atuam nas associações de bairro, mesmo que muitas vezes sejam chefiadas por homens, provêm o suporte a outras mulheres na maternagem e na atenção com os mais velhos”, lembra ela.

Cláudia relata que nos anos de 2010 e 2011 havia uma reconfiguração e incremento das políticas públicas. Ao mesmo tempo, mulheres que atuavam na gestão comunitária das periferias deram um passo à frente no processo de politização dessa gestão comunitária. Começaram a se organizar em coletivos, a assumir CNPJs, a disputar editais públicos do Estado e de fundos privados que pensavam os direitos das mulheres e os direitos humanos. Havia também a luta pelo acesso ao ensino superior.

Antiga sede do coletivo, no Subúrbio Ferroviário, Salvador (BA). Foto: acervo do Coletivo Ginga

“A Ginga surgiu nessa convergência, que foi também um encontro geracional. Suas fundadoras foram mulheres, principalmente na faixa dos 40, 50 anos, que tinham a caminhada mais extensa na comunidade e estavam muito incomodadas com os processos de feminização da pobreza, de pauperização das mulheres, de estigmatização e da necessidade de acesso à universidade”, afirma.

Em 2012, a Ginga formou a Rede pelo fortalecimento do controle social nas políticas públicas, que atendia ao desejo coletivo de participar na construção das soluções, de fiscalizar como essas soluções estavam sendo operadas. E promoveu uma formação chamada Águias Negras, para mulheres negras, cujo foco era exercer o controle social do orçamento público, das ações, do discurso, do gap gerado entre o discurso e a prática.

Hoje o coletivo atua em várias frentes, entre elas a presença nos conselhos de Direito da Mulher e no Conselho Estadual Desenvolvimento da Comunidade Negra. Em 2013, promoveu uma “Blitz Social” para fazer uma uma atualização de como a notificação compulsória de violência contra as mulheres (LeiI 10778/2003) estava acontecendo nas unidades de saúde do Subúrbio Ferroviário. A ação se desenvolveu com as participantes batendo de porta em porta das unidades de saúde para saber como como os profissionais lidavam com a notificação compulsória. Desde então, as integrantes do coletivo atuam em coalizão na gestão Instituto Renascer Mulher e outras outras organizações para entender a documentação, como propor um edital ou uma ação para mulheres.

Atividade na atual sede da Ginga, cedida pelo Governo do Estado. Foto: acervo do Coletivo Ginga

Cláudia destaca que apesar da conjuntura pós-golpe de 2016, que se desdobrou no governo Bolsonaro, um golpe ainda mais assertivo de ataque à democracia e a todo o ecossistema que a sustenta, os coletivos acabaram sendo também espaço de encontro, de resistência, inclusive no âmbito pessoal e comunitário.

A Ginga precisou se engajar para receber produtos de higiene, de alimentação e distribuir na comunidade. “Foi um baque significativo, inclusive na autonomia dessas organizações, porque nosso coletivo, por exemplo, se mantém do que a gente produz enquanto trabalhadora. Então tivemos dificuldade de manter as ações. Muitas organizações ao nosso redor, de mulheres, que a gente conhece, descontinuaram suas iniciativas, porque estavam precisando simplesmente cuidar de suas crianças, de seus idosos, viver o luto pessoal, comunitário, coletivo, que todas vivemos na pandemia, e a retirada de direitos também”.

“Nós, da Ginga, estivemos em processos de resistência e de sofrimento. Atrasou nossa profissionalização da gestão para ocupar mais espaço, porque a gente precisava lidar com o tiroteio da madrugada e a mana que tinha uma parenta que perdeu a fonte de renda durante a pandemia, pensar que a comunidade tinha suas questões também. Foi um um banzo coletivo, por assim dizer. Um abalo do qual, espero, a gente comece a se recuperar com mais fôlego agora. Mas resistimos”, comemora.

Mulheres atuando na rua. Foto: acervo do Coletivo Ginga.

Ela aponta como demarcador dessa resistência que havia uma autoestima não esquecida, de quem acessou alguns espaços, projetou vozes e isso foi algo que acalentou os corações. ”A gente precisa investir em produzir memória, em trazer mulheres cada vez mais jovens para a produção dessa memória coletiva de práticas, inclusive de vanguardistas, porque isso é um movimento pelos direitos humanos e direito das mulheres no Brasil. A produção de práticas vanguardistas é que vai pressionar o Estado a reconhecer e munir as mulheres periféricas de mais mecanismos para acesso a direitos”, conclui.