Eleonora Menicucci e Anne Karolyne Moura, Napp Mulheres

Desde o golpe de 2016 que retirou do poder a primeira mulher eleita e reeleita presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, o debate público brasileiro tem sido dominado pelo discurso e pela prática da austeridade econômica, que pode ser definida como uma política de ajuste da economia fundada na redução dos gastos públicos e do papel do Estado em suas funções de gerador do crescimento econômico e promotor do bem-estar social. Para os neoliberais, em contextos de crise econômica e aumento da dívida pública, a austeridade é apresentada como a saída necessária e constitui a base da defesa de reformas estruturais que visam reformular a atuação do Estado. É com essa visão que tem sido conduzida a política econômica desde 2016 e aprofundada a partir da posse do governo Bolsonaro em 1º de janeiro de 2019.

A partir de 2017 os recursos orçamentários destinados às políticas públicas voltadas à área social despencaram vertiginosamente, sendo que os programas para as mulheres sofreram redução ainda mais significativa. Dados orçamentários até 2020 indicam que os programas que sofreram maior impacto foram as políticas de enfrentamento à violência; promoção da igualdade racial; promoção e defesa dos diretos humanos e segurança alimentar e nutricional, entre outros.

A execução orçamentária de 2019 para o programa “Políticas para as mulheres: promoção de autonomia e enfrentamento à violência” foi de R$ 46,2 milhões, menor da série histórica iniciada em 2012, quando o programa foi criado, e para os anos de 2020 e 2021 foi zerado. Na comparação com 2015 o valor é seis vezes menor. Em 2015 o orçamento destinado a atender essa política foi de R$ 290,6 milhões. Além disso, entre 2014 e 2017, em torno de 164 serviços especializados, como abrigos, centros de atendimento, delegacias e varas, foram fechados em todo o país.

Os recursos destinados à central de atendimento à mulher, o Ligue 180, canal de denúncias que funciona 24 horas por dia no Brasil e em outros 16 países, que em 2017 foram de R$ 33,6 milhões, caíram em 2018 para R$ 7,4 milhões e em 2019 foram zerados. A política de desmonte dos serviços públicos já produz seus efeitos com o aumento da violência e do feminicídio.

O projeto de lei orçamentária para 2021 foi enviado ao Congresso em 31 de agosto de 2020 e prevê uma despesa para o próximo ano de R$ 4.147.580,3 trilhões, incluídas as despesas fiscal, com seguridade social e o refinanciamento da dívida pública federal. As despesas por órgão orçamentário representam o total de R$ 1.577.865,3 trilhões e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos R$ 314.025.009 milhões, ou seja, 0,02% do orçamento total. É o ministério com o menor volume de recursos. Dentro do orçamento desse ministério está previsto para o programa de direitos humanos o valor de R$ 132,3 milhões para atender diferentes segmentos abrigando dentro do mesmo guarda-chuva políticas para mulheres, população negra, idosos, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência, indígenas e quilombolas. Esse recurso corresponde a um terço do PLOA de 2020 (R$ 394 milhões) e um quarto do valor autorizado em 2020 de R$ 575 milhões, ampliado por conta dos créditos extraordinários para a Covid-19.

Em relação às políticas específicas tem-se R$ 1.063, na implementação de Casas da Mulher Brasileira e Centros de Atendimento às Mulheres. Embora essa ação já constasse do orçamento de 2020 no valor de R$ 64 milhões, nenhum recurso foi pago até o momento, além disso, as ações de políticas de igualdade e enfrentamento à violência contra as mulheres não foram citadas no orçamento.

Quadro 1 - Detalhamento do projeto de lei orçamentária para 2021 – Despesas

Programa PLOA 2021
Implementação da Casa da Mulher Brasileira e de Centros de Atendimento às Mulheres

 

Custo total estimado

(2013-2013)

 

2.100.000.000

R$ 1.063.071

Unidade implementada (6)

R$ 21.355

Total – R$ 1.041.716

Implementação da Casa da Mulher Brasileira e de Centros de Atendimento às Mulheres

 

Custo total estimado

(2013-2013)

700.000.000

R$ 28.645
Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Unidades de Atendimento Socioeducativo Custo total 752.471.000

(2013-2023)

 

R$ 1.590.233
Programa 2016 – políticas para as mulheres: promoção da igualdade e enfrentamento à violência Lei + crédito (2019) R$ 60.349.811
Empenhado (2019) R$ 57.878.821
Proteção à Vida, Fortalecimento da Família, Promoção e Defesa dos Direitos Humanos para Todo - 7.280.000

 

R$ 132.374.181

Fonte: Projeto de Lei orçamentária – Orçamento da União/exercício financeiro – 2021

O orçamento nos anos anteriores

Se considerarmos as políticas de promoção de autonomia e enfrentamento da violência, em comparação com os anos anteriores, chama atenção a queda do valor autorizado de R$ 302,74 em 2015 para R$ 52,32 em 2018. A execução financeira também cai de R$ 184,84 para R$ 46,22 em 2019. Os restos a pagar são as despesas orçamentárias empenhadas pela Administração Pública na vigência do exercício financeiro corrente e que não foram pagas até 31 de dezembro deste mesmo exercício. Com a queda de recursos orçamentários os restos a pagar vêm se reduzindo ao longo do ano, contudo, ainda em 2019 havia R$ 18,26 milhões que não foram executados nos anos anteriores. Além disso, a partir de 2015 a execução financeira despencou. (Gráfico 1).

Fonte: Siga Brasil – Elaboração INESC.

A análise para o atendimento à mulher também sugere o mesmo movimento cresce os recursos e a execução até 2016 e a partir de 2017 reduz de forma expressiva zerando em 2018 e 2019. E mesmo a execução orçamentária de 2018 se refere a restos a pagar do ano anterior, portanto, não há recursos novos. (Gráfico 2).

Mulheres_grafico 2

Fonte: Siga Brasil – Elaboração INESC.

Nota-se uma baixa execução orçamentária do governo federal com políticas para as mulheres. Num momento de pandemia onde as denúncias referentes à violência contra mulheres no Ligue 180 cresceram 35%, os recursos para os serviços de atenção violência especialmente para as Casas da Mulher Brasileira não foram gastos. Só em abril foram 10 mil queixas no Programa Ligue 180.  Conclusão há um acréscimo de violência e um decréscimo de recursos. A escalada de violência contra as mulheres se intensificou a partir do golpe de 2016 que retirou sem crime algum a primeira mulher eleita e reeleita presidenta do Brasil, Dilma Rousseff.

Conforme nota técnica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública o crescimento no número de feminicídios registrados em doze estados brasileiros analisados foi de 22,2%, saltando de 117 vítimas em março/abril de 2019 para 143 vítimas em março/abril de 2020 sendo que 75% das vítimas são negras. Nos primeiros meses deste ano 1890 mulheres foram assassinadas de forma violenta.

Segundo a Assessoria Orçamentária da Câmara e do Senado, a expansão de recursos orçamentários só ocorreu porque foram feitas emendas na Câmara e no Senado à Lei Orçamentária. Na proposta do Executivo havia decréscimo de R$ 2,1 milhões.

Na Lei Orçamentária Anual (LOA 2020) foram autorizados R$ 20,1 milhões para atividades relativas à Casa da Mulher Brasileira e nenhum valor foi pago.

Com a fusão de programas destinados às mulheres, desmanchados os programas anteriores num grande guarda-chuva da família, mulheres, direitos humanos, pessoas portadoras de deficiência torna-se difícil acompanhar a execução de políticas para as mulheres.  Para 2020-2023, as ações são englobadas em um programa guarda-chuva no qual o foco está na família.  Isso revela que a falta de transparência torna-se praticamente uma estratégia de governo.

De outro lado, as políticas de austeridade fiscal vêm alterando de maneira profunda a condição de vida da maioria da população brasileira, especialmente as mulheres, promovendo um grande retrocesso econômico e social. Esses últimos cinco anos contrastam com o ciclo de prosperidade econômica que se estendeu de 2003 a 2015. Os anos que se seguiram alteraram essa dinâmica comprometendo os resultados alcançados em termos de ampliação de políticas públicas, redução das desigualdades, ampliação da renda, diminuição da pobreza e as políticas de combate à violência.

Todo esse quadro descrito mostra a que veio esse governo, que tem na ministra Damares a bússola teocrática e fundamentalista. Existe um projeto de políticas para as mulheres sim, que não é de inclusão nem no orçamento tampouco de fortalecimento das mulheres como sujeitos de direitos. São interligados, sem orçamento não existe acesso a equipamentos que previnem e garantem uma vida sem violência e sem feminicídio. O projeto teocrático fortalece a família monogâmica patriarcal heterossexual. Exatamente num momento quando as mulheres estão rompendo com a secular e criminosa desigualdade de gênero.