Tradução de Rafael Tatemoto para artigo de Martin Sandbu publicado por Financial Times

A conversão do FMI e do Banco Mundial ao retorno do Estado ativista é mais profunda que a de Saulo de Tarso

Qualquer um que, como eu, era estudante nos anos 1990 se lembrará como as instituições de governança internacional eram o alvo preferencial para protestos.

Uma imagem que guardo é de uma jovem mulher carregando a imagem de um monstro de três cabeças, representando (como ela declarou de forma sincera à imprensa) o FMI, o Banco Mundial e a OMC devastando os pobres do mundo.

Eu me pergunto o que ela pensaria hoje. Quando as perspectivas de políticas exibidas nos encontros de primavera do FMI e do Banco Mundial, recentemente ocorridos, são comparadas com o que atraiu a ira estudantil há um quarto de século, elas apontam para uma conversão que deixaria a de Saulo de Tarso no chinelo.

O Bando Mundial e o Fundo foram esfolados nos anos 1980 e 1990 por fazerem os pobres pagarem por serviços básicos e saúde ou por presumirem que déficits eram empecilhos para o crescimento. Esse momento passou. Aqui está o novo consenso de Washington:

Gastar muito em saúde pública. Probidade fiscal, por muito tempo o núcleo das prescrições do FMI (a piada era que as iniciais, IMF em inglês, significavam “it’s mostly fiscal”, ou “é basicamente fiscal”), não é mais sobre controle do gasto público, mas sobre obter uma boa relação custo-benefício – e gastar mais onde o benefício pode ser encontrado.

Isso significa fazer tudo o que for preciso para produzir e entregar vacinas globalmente. A publicação do Monitor Fiscal do FMI estima que colocar a pandemia sob controle em todos os lugares “rende mais de US$ 1 trilhão em receitas fiscais adicionais nas economias avançadas, [cumulativamente], até 2025, e economizam mais em medidas de apoio fiscal”.

Em outras palavras, o que os governos gastam em vacinas pode se pagar muitas vezes. O Fundo defende fortemente os gastos com educação, também, para compensar a aprendizagem perdida na pandemia e ajudar os trabalhadores a lidar com as mudanças estruturais daqui para frente.

Os economistas das instituições multilaterais às vezes parecem intensamente calmos sobre os gastos deficitários maciços dos países ricos. O FMI tem uma visão positiva do gigantesco pacote de resgate de US$ 1,9 trilhão do presidente dos EUA, Joe Biden.

Como outros analistas, ele espera que a renda nacional dos EUA seja maior no próximo ano do que o esperado antes da pandemia. E vê o estímulo insuficiente da demanda como tendo custos permanentes: países cujos governos gastam menos dinheiro sofrerão mais “cicatrizes” que reduzem o potencial produtivo de longo prazo.

Paralelamente a tudo isso, o FMI continua a pregar a prudência, mas isso significa algo muito diferente do que significa há uma década, muito menos que uma geração atrás. Surpreendentemente, o Fundo endossa “contribuições de recuperação” – o que outros podem chamar de sobretaxas de solidariedade temporárias – de indivíduos ricos e lucros corporativos inesperados. A mensagem da antiga sede do “neoliberalismo” é que para tornar as finanças públicas sustentáveis, os ricos e aqueles que lucraram com a pandemia devem contribuir mais para a causa comum.

O FMI chegou a sugerir que os países ricos poderiam considerar impostos sobre a riqueza líquida, aparentemente ecoando os senadores de esquerda Elizabeth Warren e Bernie Sanders.

As preocupações com a desigualdade estavam por toda parte nas reuniões de primavera. O principal desafio de política que o FMI escolheu destacar foi “administrar recuperações divergentes” – entre países e entre grupos dentro dos países – devido à pandemia, e na nova normalidade, à medida que as economias se recuperam dela.

Nos anos 90, era um truísmo afirmar que o consenso de Washington refletia as prioridades alinhadas de dois Distritos de Columbia: as instituições internacionais sediadas lá e o governo dos EUA – com o último em um grau significativo impulsionando o primeiro.

Esse alinhamento permanece. Os apelos multilaterais para o retorno de um papel de Estado ativista se encaixam na ambição de Biden de emular as reformas do New Deal de Franklin Roosevelt.

Mas é difícil argumentar hoje que o FMI e o Banco Mundial simplesmente repetem as preferências dos EUA, mesmo que estar na mesma página que seu maior acionista torne a vida mais fácil. A mudança no pensamento da comunidade de política econômica internacional é anterior à do governo dos Estados Unidos.

E o relacionamento pode fluir para os dois lados. A Casa Branca não recebe instruções das instituições multilaterais localizadas a alguns quarteirões da cidade a oeste. Mas não faz mal a Biden que os guardiões globais da ortodoxia econômica tenham endossado o programa mais radical dos Estados Unidos em gerações, especialmente quando alguns americanos estão se engajando em fogo amigo.

A política é a arte do possível – mas o que é possível muitas vezes é determinado pelo que é concebível. O novo consenso de Washington pode ser tão politicamente poderoso quanto o antigo.