A permanente tentativa de esvaziamento e desmoralização da Fundação Palmares faz parte da ojeriza que o governo federal tem por pensamento, inteligência, cultura e liberdade. E isso não deve apenas ao fato de o governo não possuir tais atributos e, portanto, sentir-se incomodado. Há outras razões, que foram abordadas no programa Pauta Brasil realizado no início da noite da sexta-feira, 9 de julho.
Uma delas, de ordem econômica. Segundo destacou o mediador Juca Ferreira, ex-ministro da Cultura, a Fundação Palmares tem papel essencial na certificação de terras quilombolas, e os latifundiários mantêm a eterna cobiça sobre esses territórios. O ex-presidente da Fundação, Zulu Araújo (2007-2010), confirmou: “Em nossa gestão, foram certificadas 3.500 terras quilombolas. Hoje o Brasil tem 5.000. Nessas terras vivem 4 milhões de pessoas, e esses territórios são sempre alvo da especulação”. Imobilizada a Fundação Palmares, responsável pela identificação dessas terras e encaminhamento para certificação, fragiliza-se o processo.
Outra razão, na verdade pano de fundo para o conjunto de ações dirigido contra a Palmares, é assim resumida por Iêda Leal, coordenadora do MNU (Movimento Negro Unificado): “Eles têm medo de nós”. Iêda relata recente visita que fez à sede da Fundação Palmares, na companhia de, entre outras pessoas, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), quando lá flagrou escritos do sociólogo Clóvis Moura (1925-2003) e imagens produzidas pelo fotógrafo Januário Garcia (1943-2021) acondicionados em caixas de papelão que jaziam no solo. Ambos negros, Moura e Garcia foram expoentes em suas áreas de atuação e cabia à Fundação Palmares a guarda e exposição daqueles trabalhos e documentos.
“Se eles têm medo de livros e de fotografias, imagina de nós, que pensamos e percorremos este país”, provocou a coordenadora do MNU.
Para Zulu Araújo, atualmente diretor da Fundação Pedro Calmon, ligada à Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, os ataques à Palmares são, acima de tudo, um ataque à democracia como um todo. “A Fundação foi criada em 1988, no apogeu da luta pela retomada do estado democrático. O artigo 215 da Constituição, em seu parágrafo primeiro, prevê: o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. É um dever de todo o brasileiro que acredita nos valores democráticos defendê-la”.
Juca Ferreira inseriu a perseguição à Fundação Palmares, assim como aquela que atinge universidades e outros instrumentos de fomento e proteção da cultura, num contexto geopolítico internacional. “Desde que chegou, Bolsonaro se dedica sistematicamente a atacar a soberania do país”. Na opinião do ex-ministro, a negação das raízes culturais brasileiras faz parte desse projeto de submissão.
Por fim, os três participantes destacaram a crença de que o retorno de Lula à Presidência e de um projeto democrático-popular para o país terá a capacidade de retomar a agenda negra interrompida. Mas será preciso mais do que já foi feito: “Somos 56% da população. A maioria absoluta faz diferença, se bem representada. Mas sem aquele romantismo de dizer que o negro é importante. A vontade não é o suficiente. Temos de ter espaço. Os partidos de esquerda vão ter de entender isso”, resumiu Iêda.
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