Abhjit Banerjee, para o Sunday Times. Traduzido por Fabiano Dalto.

Precisamos de recursos para os pobres, para vacinas, diz o Nobel em Economia

Para aliviar a dor da crise da Covid, muitos países recorreram à impressão de dinheiro. A Índia deve seguir o mesmo caminho? Que outras medidas ela poderia tomar para ajudar os grupos vulneráveis mais afetados pelo vírus e pelos frequentes bloqueios? O economista Abhijit Banerjee, que ganhou um Nobel, em conjunto com outros economistas, por seu trabalho sobre redução da pobreza, fala ao Sunday Times sobre possíveis soluções.

Recentemente, houve apelos para que o governo imprima dinheiro para fornecer um grande estímulo fiscal. O que você pensa sobre o assunto?
Há algum tempo sou a favor da impressão de dinheiro, mesmo na Índia. Só me parece que era algo que poderíamos ter feito na primeira onda e que teria nos poupado de um monte de sofrimento. Penso que deveríamos certamente fazer isso. Precisamos de recursos para apoiar os pobres, bem como para lidar com o grande volume de eminente inadimplência nos empréstimos – que foi evitado na primeira onda por algumas garantias de crédito do governo. Além disso, precisamos de recursos para comprar vacinas em quantidade suficiente. Este é o momento ideal para isso. E meu palpite é que o governo está desnecessariamente assustado com a possível reação do mercado financeiro. Eu pensaria que o estímulo é realmente uma coisa boa, pois aumentaria a receita do governo, e isso é uma coisa útil do ponto de vista de qualquer pessoa preocupada com a segurança dos empréstimos.

Alguns especialistas apontam o risco de uma inflação galopante. Como você vê isso?
Acho que não entendemos bem por que agora há tanta pressão inflacionária na economia. A inflação está surpreendentemente alta. Pode muito bem ser que o lado da oferta no curto prazo demore algum tempo para se ajustar ao bloqueio das atividades, em particular porque as coisas não se movem. Acho que provavelmente precisamos nos concentrar em garantir que haja mobilidade suficiente na economia. Não há nada nos fatores estruturais que torne a inflação particularmente provável. No geral, os últimos anos foram de inflação baixa e pode-se até mesmo temer que estivesse muito baixa do ponto de vista do crescimento. Então, acho que as taxas que estamos vendo atualmente são realmente preocupantes, mas espero que sejam temporárias. De todo modo, elevar a inflação um pouco além de onde estava, 3-4 por cento, não seria um desastre. Acho, inclusive, que pode ter efeitos positivos sobre o crescimento.

Você acha que chegou a hora de fazer algumas transferências de dinheiro para setores vulneráveis e os pobres, e também ajudar os setores que foram dizimados pela pandemia?
Essas são coisas diferentes. Os bloqueios das atividades econômicas afetaram setores como a construção e coisas como o varejo de pequena escala. A construção pode ser mais fácil de ajudar, mantendo o acesso ao crédito elevado. Por outro lado, para um vendedor ambulante que vende no sistema de transporte público quando o sistema de transporte público é fechado, será impossível ajudá-lo usando o acesso ao crédito. Essa é a razão pela qual você pode pensar em transferências diretas para os pobres. Tamil Nadu parece estar fazendo algo interessante. Ele está usando o sistema PDS1 para dar dinheiro a todas as famílias. Neste momento que estamos iniciando o ano fiscal, eu diria que o governo deveria garantir 150 dias de MGNREGA2 em vez de 100 para as áreas rurais. A NREGA também tem a vantagem de que se a economia for bem, a demanda por ela diminui. Você não vai usar o dinheiro. Mas pelo menos as pessoas não entrarão em pânico se tiverem a garantia de 50 dias extras de NREGA. Então, eu sugeriria mais financiamento NREGA e talvez mais transferências de dinheiro através do sistema PDS - essas são, na minha opinião, as mais fáceis. Ainda não conseguimos realizar o que muitos países africanos já têm, que são as transferências do governo para telefones celulares, embora tenhamos uma cobertura móvel extremamente boa. Acho que essa deve ser nossa meta de médio prazo, uma vez que há uma grande população, talvez 40-50-60 milhões, de migrantes urbanos e outros, que não são acessíveis por meio do NREGA e do PDS. Por enquanto, focar nesses dois mecanismos e usá-los de forma mais generosa seria minha sugestão.

A infecção se espalhou para áreas rurais. Como você vê isso impactando a recuperação que estava em andamento?
Essa onda foi muito aguda e extremamente trágica, mas agora alcançou um platô e os governos estaduais estão considerando suspender o bloqueio. Ainda há algum tempo para termos uma recuperação econômica neste ano civil. Portanto, não sei se as previsões iniciais de crescimento eram realistas ou não, e cresceríamos menos do que quaisquer que sejam as previsões de crescimento, com certeza. A preocupação é realmente que a terceira onda nos atinja em dois ou três meses, em agosto ou setembro, e isso realmente prejudique o ano, especialmente se acontecer perto do Diwali3 ou na preparação para o Diwali. Então acho que o foco deveria ser sobre como limitar a propagação da doença e pensar sobre como resolver o lado curativo, como o suprimento de oxigênio. Existe maior consciência agora. Acho que o país estará mais bem preparado para a terceira onda. Acho que as lições que aprendemos com a segunda onda, mais o fato de o governo estar dizendo agora que teremos a terceira onda, é bom. Isso nos prepara. Estamos fazendo ajustes nos sistemas de saúde. Então essa é uma parte disso. A outra parte, o que ainda não estamos fazendo, é uma boa vigilância de dados. Devemos continuar testando. Não apenas as pessoas que vêm para fazer o teste, mas uma amostra aleatória de pessoas em cada distrito para detectar tendências e agir rapidamente, para bloquear localmente onde quer que você veja más notícias.

Você sugeriria que o governo fosse ousado nos gastos, em vez de ser restringido por agências de classificação e mercados financeiros?
Eu sempre disse isso. Acho que o governo pode ser ousado e acho que se eu fosse das agências de classificação e realmente pensasse bem, acharia que seria uma coisa boa. No momento, entrar em recessão não seria bom nem mesmo para as classificações de títulos, porque acho que a capacidade tributária do governo já encolheu por causa dos bloqueios das atividades e ele tem que redistribuir, de forma que, a menos que imprima dinheiro, provavelmente não será capaz de dar à economia o suficiente de aumento de demanda. Eu teria pensado que eles (as agências de classificação) poderiam realmente apreciar o fato de que o governo está fazendo um esforço para manter o crescimento.