Por Raimundo Pires Silva[1]

Os trabalhadores rurais são essas pessoas que produzem os produtos agrícolas que vão para as feiras, os supermercados, as indústrias e o comércio externo: laranja, maçãs, legumes, verduras, ovos, leite, carnes, cebola, alho, arroz, feijão, café, milho, soja, cana e tantas outras.

O último censo agropecuário/IBGE mostrou que existiam cerca de 15 milhões de trabalhadores em atividades agrícolas, dos quais mais de dois terços atuando na agricultura familiar. Os restantes, cerca de 4 milhões, estavam inseridos em relações assalariadas (empregados), onde apenas 40% tinham carteira de trabalho assinada, a maioria encontrava-se na situação de empregado sem carteira de trabalho assinada. Em outras palavras, somente 10% do contingente de ocupados em atividades agrícolas tinham empregos formais, a maior parte estava em situação de trabalho informal, sem nenhuma das proteções garantidas pelo vínculo formal.

Esse censo mostrou que houve uma queda da população ocupada no meio rural, diminuiu, entre 2006 e 2017, de 16,5 milhões para 15,1 milhões, uma queda de 1,5 milhões de pessoas. A média de ocupados por estabelecimento, neste período, caiu de 3,2 para 3,0.

O levantamento do CEPEA[2] também registrou um decréscimo no número de trabalhadores rurais nesta última década, entre 2012 a 2020, diminuiu de 19,49 para 17,30 milhões de pessoas, um tombo de 12,7% no período, e frente a 2019 uma queda de 5,2% (ou de 949 mil pessoas). Os mais afetados com desemprego foram: os empregados sem carteira assinada, os com menores níveis de instrução formal e as mulheres.

Essa redução dos postos de trabalho foi provocada por diversos fatores: produtividade do trabalho, precariedade do emprego e migração campo-cidade, por exemplo.

A tendência observada nesses últimos anos foi crescimento da informalidade dos empregos, entre 2018 e 2019 o número de empregados sem carteira assinada aumentou de 3,1 para 3,2 milhões (2,7%), equivalente a 85 mil pessoas (CEPEA). Reflexo da flexibilização recente da legislação trabalhista (Lei nº13.467/2017), alterando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e configurando formas contemporâneas de trabalho precarizado.

As condições do serviço rural assalariado ainda permanecem na condição de superexploração da força de trabalho humana. Os trabalhadores estão expostos a riscos químicos (inseticidas, herbicidas, outros); físicos (calor, frio, umidade, radiação solar); mecânicos (atrito, pressão, vibração, fricção, EPIs inadequados); biológicos (bactérias, fungos, vírus e animais peçonhentos); e organizacionais (turno, jornada excessiva, pagamento por produção, falta de vínculo empregatício). Os riscos também podem ser classificados como operacionais (postura, força, movimento repetitivo e carregamento de pesos) e acidentários (quedas de caminhão, carretas e trator, caídas no ambiente de trabalho, perfurações, torções provocadas por agentes mecânicos em todo corpo, intoxicações por agrotóxicos, ataque de animal peçonhento). Essas pessoas estão expostas aos riscos, de forma sinérgica, pois o trabalho em todas as fases da produção agrícola, normalmente, é executado sem proteção física e social[3].

Por outro, esses trabalhadores estão sujeitos a situações análogas ao trabalho escravo ainda são registradas. O número de pessoas resgatadas de situações análogas ao trabalho escravo em 2020 foi de 942 ante 1051 em 2019, sendo que destes 580 eram rurais. Ainda, houve uma discrepância orçamentária de 2020 em relação aos outros anos. O valor dispendido foi o menor da década, uma diminuição desde 2011 de 41%. A verba orçada foi de R$ 1,3 milhões, a metade da verba de 2018.

Como o agronegócio se expande na diminuição de emprego e superexploração do trabalho, os riscos sanitários com advento da pandemia agudizaram os riscos sociais e econômicos de milhões de pessoas assalariadas dispersas em todo território nacional, que estão sob pressão cotidiana para manter o abastecimento agrícola interno e, principalmente, o externo.

O governo determinou que o trabalho rural como essencial nas atividades de colheita e plantio ora em curso no país (MAPA -Portaria nº 116/2020). Os trabalhadores rurais junto com tantos outros não podem cumprir o isolamento social.

As notícias vinculadas, em diferentes meios de comunicação, são dispersas e pontuais sobre as iniciativas dos empregadores e contraditórias sobre a fiscalização pública no cumprimento de medidas e garantias de estrutura sanitária e alimentar no local de trabalho em tempos de Covid-19.

Conforme a pandemia se dispersa no Brasil profundo, se faz necessário a ciência das condições de trabalho, saúde e higiene no campo. As adequações sanitárias e laborais são vitais para esses homens e mulheres espalhados no interior do país, migrantes vivendo em alojamentos, com crescente taxa de informalidade e alta vulnerabilidade social (suas condições de moradias são precárias em lugares de baixa renda, com alta densidade demográfica). Deve-se garantir a vida e segurança laboral dessas pessoas que estão produzindo o alimento para as cidades.

As organizações sindicais estão atentas no cumprimento dos direitos e das condições sanitárias, como também nas exigências de vacina, Auxílio Emergencial e isolamento social.

A sociedade civil vem se posicionando em defesa do SUS, exigindo condições de trabalho para o serviço público de saúde e condições de vida para população pobre nas redes sociais, bem como prestando solidariedade, com distribuição de cesta alimentares e de higiene pessoal.

Em rumo paradoxal a inação do governo e do agronegócio.

Por parte do governo não há nenhuma fiscalização do mercado de trabalho rural, em relação adequação dos turnos; estabelecimento de medidas de higiene no local de trabalho e dos meios de transporte, fornecimento de EPI (isto quando as empresas fornecem, em alguns casos usam sua própria vestimenta ou uniformes), troca de EPI, entre outras.

Como não há nenhuma medida sanitária de assegurar equipes básicas de saúde tanto nos locais de concentração de trabalho rural, como nas periferias das cidades do interior (onde residem maioria dos assalariados rurais) e nas comunidades de produção familiar, onde residem 2/3 das pessoas ocupadas com atividades agrícolas.

O Estado tem meios para enfrentar essa questão. Existem instrumentos do fundo público (recursos orçamentários e de bens e serviços) e instituições (MAPA, MDS, MS, Secretarias estaduais e municipais de agricultura e de saúde, entre outras) que podem em conjunto dar celeridades para o enfrentamento do covid-19 no território rural.

O agronegócio que tanto se beneficia dos recursos naturais e do trabalho humano da nação, precisa contribuir no enfrentamento das mazelas sanitárias e socioeconômicas do coronavírus, por um lado garantindo a não propagação do vírus em locais de trabalho, e principalmente, a assistência sanitária e a sobrevivência financeira dos infectados e suas famílias, e por outro, com o fim de isenções e inações fiscais possibilitando recursos econômicos para combate ao covid-19. Além disso, contribuir com o combate à fome.

[1]Engenheiro agrônomo, com mestrado em Desenvolvimento Econômico/UNICAMP e doutorado em Desenvolvimento Territorial e Ambiental/UNIARA, consultor técnico do Instituto Macuco.

[2] CEPEA – Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada. Informações disponível em https://www.cepea.esalq.usp.br/upload/kceditor/files/4tri2020_MT_Cepea.pdf.

[3] Maria Cristina Gonzaga/FUNDACENTRO. Informações disponíveis em

http://www.fundacentro.gov.br/noticias/detalhe-da-noticia/2017/6/condicoes-de-trabalho-no-campo-ainda-sao-preocupantes.