Tradução de Rafael Tatemoto para artigo de Wayne MacDonald publicado por Asia Times
Há não muito tempo atrás, se você quisesse pedir a entrega de um restaurante, supondo que eles fornecessem esse tipo de serviço, você teria que primeiro saber que o restaurante existe, encontrar suas informações de contato, lutar contra um menu de papel desatualizado e usar algum tipo de pagamento e entrega.
Os serviços de entrega de comida entraram em cena como parte de uma segunda onda de serviços digitais móveis em meados de 2010. No início, esses serviços se concentravam em atingir massa crítica com uma seleção grande o suficiente de opções para que os consumidores os reconhecessem como uma alternativa viável de refeição em domicílio.
À medida que cresciam, seus negócios mudaram de um direcionamento para conquistar restaurantes para um direcionado a conquistar clientes e, finalmente, direcionado para maximizar os lucros. Atualmente, em vez de serem cortejados por esses serviços, os restaurantes muitas vezes ficam lutando por um serviço ruim, taxas pesadas e um mercado bizarro de manipulação de preços “gueimeficado” [gamified] que limita a agilidade dos restaurantes.
As primeiras reuniões com quase todas as principais operadoras (por exemplo, Grab, Uber, FoodPanda, Gojek) são praticamente as mesmas.
Vindo armados com contratos de exclusividade que limitam a capacidade de um restaurante ser listado em plataformas competitivas – e com preços controlados de tal forma que os restaurantes não podem oferecer preços diferentes para entrega de comida ou consumo no local –, os serviços de entrega de comida conseguiram se insinuar em uma posição-chave na vida diária dos consumidores para a angústia dos donos de restaurantes.
Um contrato típico de entrega de comida inclui uma taxa de 30% ou mais da receita das vendas do restaurante, um compromisso de não diminuir o preço e uma cláusula de exclusividade que limita a concorrência leal. Em troca, os restaurantes podem obter a presença, entre centenas de seus concorrentes, em uma listagem básica que fornece processamento de pesquisa, pagamento e entrega.
Anos atrás, quando esses serviços estavam crescendo, era possível contatá-los de forma confiável para resolver problemas e muitos até forneciam embalagens para alimentos, algo que hoje tem um custo extra.
Avance até hoje e a maioria dos restaurantes está listada em vários sítios, as embalagens de entrega gratuita desapareceram e os serviços de entrega de comida estão pressionando para aumentar suas taxas de 30% para 40%.
Tudo isso enquanto os restaurantes lutam devido às medidas de distanciamento social e a entrega de alimentos tem um crescimento explosivo.
Para colocar as coisas em perspectiva, vamos examinar rapidamente alguns padrões comparativos [benchmarks] globais básicos para operar um restaurante. De acordo com a 7Shifts, um fornecedor líder de software de escala de funcionários para restaurantes, os custos operacionais mensais são, tipicamente:
- Aluguel e utilidades (eletricidade, água, internet, cabo e telefone): 5% - 10% da receita
- Custo dos alimentos: 25% - 40% das vendas de alimentos
- Custo de mão de obra: cerca de 30% da receita
O iChefClubSG diz que "os três principais custos (ou seja, mão de obra, aluguel e custo das mercadorias) não devem exceder 70% da receita geral".
Agora, acrescente branding e marketing, embalagem, TI, manutenção, treinamento, etc. e muitos restaurantes provavelmente estão com menos de 10% de lucro. Aplique essa matemática ao modelo de serviço de entrega de comida e muitos restaurantes perderão dinheiro apenas para serem listados.
Em quase todos os casos, é melhor para os restaurantes fazerem suas próprias entregas diretamente, mesmo que isso signifique perder a exposição que uma lista de serviços de entrega de comida pode oferecer.
Com apenas uma fração do dinheiro economizado, um restaurante pode usar os anúncios do Google e do Facebook para promover e fornecer maior controle de qualidade. Se você tiver a sorte de ter uma marca ou produto distinto, os clientes podem vir diretamente até você de qualquer maneira.
Lembre-se de que a listagem em um serviço de entrega de comida coloca todos os restaurantes em competição direta, com os consumidores movidos principalmente pelo preço e seleção em vez da qualidade e marca. Frequentemente, isso significa que as empresas consolidadas, de tijolo e argamassa, competem com cozinhas obscuras que foram otimizadas especificamente para serem estruturas de baixo custo. Ainda mais sombrias, algumas dessas cozinhas são propriedade dos próprios serviços de entrega de alimentos.
Os serviços de entrega de alimentos usam “gueimificação”, incentivos e descontos para distorcer as listas de restaurantes e priorizar empresas dispostas a pagar ainda mais. Isso está em oposição direta aos seus próprios termos de contrato que impedem os restaurantes de ter preços mais baixos presencialmente do que os listados no aplicativo ou site do serviço de entrega de comida, e praticamente restringem os restaurantes na listagem em várias plataformas.
Os serviços de entrega de comida não nasceram na indústria de comida e bebida. Em vez disso, eles são fruto da imaginação de um setor de tecnologia que deseja transformar todos os setores possíveis em uma feira digital, garantir seu papel de agregador, especialista em TI e intermediário.
O próprio modelo deve ser grande o suficiente para manipular os negócios e se tornar um mal necessário, transformando visualizações e cliques em lucro. Não acredite na retórica clássica de startups em que eles atuam para preencher a lacuna entre compradores e vendedores.
Essa pode ser uma oportunidade, mas, como negócios, eles existem para atrair investimentos de capital de risco e, em última análise, uma venda de controle acionário bem arrumadinha. Afinal, trata-se de negócios.
Embora perceptivelmente adequados para o consumidor, os serviços de entrega de alimentos travam a batalha no território onde o comércio tradicional é o mais fraco, o mundo digital. Muitos clientes não reconhecem o sacrifício que os restaurantes precisam fazer para serem listados.
Além de limitar a lucratividade a ponto de colocar os restaurantes no vermelho, a compra através de serviços de entrega de comida impacta diretamente a subsistência de todos os membros da equipe, incluindo garçonetes, chefs, cozinheiros de linha, proprietários e muito mais.
Quando os restaurantes se esforçam para encorajar a entrega direta, eles o fazem para sobreviver. Lembre-se de que esta não é uma nova indústria construída do zero em torno de preceitos digitais. Em vez disso, o setor de comida e bebida segue modelos de custo claramente estabelecidos que não podem sustentar inventores digitais roubando seu almoço.
Esse é um possível assunto para reflexão para seu próximo pedido de entrega. Considere que o que quer que você peça, 30% ou mais vai para o serviço de entrega de comida simplesmente para permitir que você descubra aquele restaurante, processe um pagamento e organize uma entrega. Muitos restaurantes já criaram suas próprias plataformas digitais para processar pagamentos e entregas da mesma maneira.
Se você realmente ama a comida que está pedindo, faça um pedido direto para aquele restaurante, sabendo que você os está ajudando a permanecer no negócio e mantendo o dinheiro onde deveria estar: na indústria de comidas e bebidas, não na tecnologia.