Um milhão de pessoas deixaram a Grã-Bretanha. O que isso significa para o país?
Jonathan Portes1
Tradução de Wilson Jr.
A Covid-19 levou a um êxodo que o Brexit tornará ainda mais difícil de reverter. Mas um mergulho na insularidade não é inevitável
Quando minha família imigrou dos Estados Unidos para Londres, no início dos anos 1970, estávamos indo contra a maré: a população da área central de Londres encolheu um quinto naquela década. Mas, desde então, nos acostumamos com uma população cada vez maior, principalmente em Londres e no sudeste da Inglaterra, impulsionada tanto pelo fluxo de pessoas do exterior quanto pelo aumento da expectativa de vida.
Nos últimos 20 anos, o crescimento populacional anual do Reino Unido foi em média de 400 mil pessoas. E, apesar do envelhecimento da população, isso impulsionou o crescimento da força de trabalho e da economia como um todo: no mesmo período, o Reino Unido criou quase 6 milhões de empregos adicionais.
Isso mudou em 2020. Com a Covid-19 levando o número de mortes para o maior em um século e as taxas de natalidade caindo, parece provável que mais pessoas morreram do que as que nasceram, pela primeira vez desde 1976. Ao lado disso, no entanto, foi dramático o êxodo de residentes estrangeiros do Reino Unido.
Os números mais recentes do Office for National Statistics sugerem que um milhão de pessoas deixaram o país (no final de 2020, a Grã-Bretanha tinha quase um milhão a menos de residentes não nascidos no Reino Unido do que no ano anterior). Isso representaria de longe a maior queda anual na população residente desde a Segunda Guerra Mundial, com Londres especialmente atingida.
E embora coletar e interpretar os dados durante a pandemia seja extremamente desafiador - esse número pode estar errado em centenas de milhares em qualquer direção - não há dúvida de que essa reversão nas tendências de migração foi grande, real e abrupta. Nem o ambiente hostil de Theresa May nem o Brexit chegaram perto da tola meta de “dezenas de milhares” de David Cameron para migração líquida; mas a Covid-19 fez isso, e ainda mais.
Por um lado, isso não deveria ser surpreendente. O Reino Unido estava entre os países mais atingidos do mundo, tanto em termos de saúde quanto econômicos, pela primeira onda da pandemia. Nesse quadro, Londres, onde a população migrante do Reino Unido está concentrada, teve o pior desempenho, vendo mais mortes do que qualquer outra região e um aumento maior no número de pedidos de benefícios. Além disso, alguns dos setores mais afetados pelos lockdowns - hospedagem, serviços de alimentação, varejo e hotelaria - também dependem fortemente de trabalhadores estrangeiros.
E os imigrantes recentes têm muito mais probabilidade de viver em alojamentos alugados - o que torna mais fácil partir e mais caro ficar. Se o seu emprego acabou ou foi suspenso, por que arriscar sua saúde e seu saldo bancário, quando - pelo menos para alguns - você tem a opção de voltar para um lugar mais seguro onde possa estar com a família e amigos? Outros tipos de migrantes - estudantes, trabalhadores sazonais e aqueles aqui em missões de curto prazo - também podem ter retornado, ou nem vieram.
Mas o que acontece a seguir? Em um cenário, uma recuperação em forma de V (para vacina?) na economia levará a uma recuperação em forma de V na migração líquida. Assim como Londres era, de uma perspectiva econômica e de saúde, talvez o pior lugar para se estar na Europa na primavera de 2020, poderia ser o melhor no verão de 2021. Muitos dos que partiram voltariam, seja para seus antigos empregos ou para novos, à medida que novos negócios preenchessem as lacunas em setores de alta rotatividade, como restaurantes.
Mas não é difícil construir um cenário alternativo mais sombrio. Enquanto a economia em geral provavelmente se recuperará, à medida que famílias relativamente abastadas gastam o dinheiro que economizaram no isolamento, os empregos - especialmente em setores de serviços urbanos voltados para o consumidor, como cafeterias e restaurantes - podem não se recuperar, pois muitos antigos clientes podem decidir continuar a trabalhar em casa por alguma ou pela maior parte do tempo.
As restrições às viagens internacionais tornam a migração mais difícil e afetarão negócios - hotéis, artes e cultura - que dependem do turismo. Os alunos internacionais, assustados com a experiência nada ideal do ano passado, podem ficar completamente afastados ou optar por cursos mais baratos apenas online.
E pairando sobre tudo isso está o Brexit. O Brexit não foi o principal impulsionador da emigração no último ano, que se concentrou muito nos primeiros meses da pandemia, e parece ter afetado migrantes não pertencentes à UE, bem como europeus. Mas certamente poderia ajudar a persuadir as pessoas a não voltarem.
Enquanto muitos dos que saíram terão adquirido o status de residente, dando-lhes o direito de voltar, outros terão apenas “status de pré-residente” ou nada, e o Ministério do Interior tem sido, na melhor das hipóteses, ambíguo em relação a seus direitos. E, claro, o novo sistema pós-Brexit tornará muito mais difícil para novos migrantes da UE virem para cá.
O que isso significaria para nossa sociedade e economia? Algumas mudanças podem ser bem-vindas. Menos pessoas significa menos pressão sobre a habitação e os serviços públicos e, talvez, pelo menos para alguns, moradias mais acessíveis; de fato, os aluguéis nos centros das cidades parecem ter caído, mesmo com o mercado imobiliário em geral aquecido. Se o desemprego continua alto, especialmente para os jovens, por que precisamos ou queremos mais pessoas?
Mas esse é apenas um lado da história. Os altos custos de moradia e transporte público congestionado são problemas de sucesso. A redução da imigração pode aliviá-los no início, mas também significa menor crescimento e menos receita tributária, como o Office for Budget Responsibility destacou em sua previsão na semana passada.
Não dependemos da imigração apenas para trabalhadores agrícolas e cafeterias, mas também para startups de tecnologia, indústrias criativas e universidades - os setores mais dinâmicos da economia do Reino Unido. No geral, a migração criou empregos, impulsionou a inovação e a produtividade - e nos tornou mais ricos. Como desvelado pela pandemia, nossos serviços públicos - e outros setores que percebemos que são “essenciais” - costumam ser ocupados por imigrantes.
E isso não é apenas um problema de Londres. A história sugere que a economia de Londres é resistente e se recuperará, embora tenha mudado; isso é menos verdadeiro em outras partes do país, especialmente aquelas onde a população já estava estagnada ou em queda.
Embora, felizmente, as taxas de mortalidade diminuam com o fim da pandemia, o envelhecimento da população não irá embora; sem a imigração, a força de trabalho do Reino Unido encolherá nas próximas décadas, deixando mais aposentados para serem sustentados e cuidados por uma população em idade ativa em queda.
Os impactos sociais mais amplos também são importantes. Uma Inglaterra menos aberta será mais velha, menos móvel, menos diversa - de muitas maneiras diferentes - e mais isolada. E, ironicamente, essa reversão ocorre no momento em que nossas atitudes em relação à imigração parecem estar mudando em uma direção muito mais positiva.
Mas nada disso é inevitável. Há muito que o governo pode fazer: por exemplo, deixar claro que aqueles que saíram temporariamente por causa da pandemia podem retornar e reduzir as taxas absurdas e discriminatórias para residir e cidadania.
Existem oportunidades - o novo sistema de migração pós-Brexit deve tornar as coisas mais fáceis para os potenciais migrantes de fora da UE. E embora seus impactos permaneçam altamente incertos, a decisão radical e bem-vinda do governo de oferecer vistos de residência para titulares de passaportes britânicos de Hong Kong pode ser um grande impulso. Inglaterra global ou Little England? A escolha continua sendo nossa.
1 Jonathan Portes é professor de economia e políticas públicas no King's College London e ex-funcionário público sênior