Geoff Crocker, tradução de Rafael Tatemoto

Original em https://radixuk.org/opinion/covid-economics-tax-is-the-wrong-answer-to-debt/

 

No budget [discurso sobre economia feito aos integrantes da Casa dos Comuns no Reino Unido] da semana passada, o Chancellor [of the Exchequer, equivalente a um ministro da economia]  invocou o pensamento financeiro ortodoxo para argumentar que a dívida nacional deve ser reduzida. Daí vem sua lógica para fundamentar o regime de maior tributação desde 1960. Mas sua lógica é falha, tanto para resolver a situação de crise atual quanto para o futuro de maneira mais geral.

O imposto é principalmente um instrumento fiscal para gerenciar a demanda agregada, não um instrumento monetário para financiar os gastos do governo ou para pagar a dívida nacional. Devido às despesas necessárias relacionadas à Covid de cerca de £ 400 bilhões, a dívida do governo em janeiro de 2021 era de £ 2.114 bilhões. Isso representa 75% do PIB.

O governo tem três opções fundamentais - aceitar esse nível de dívida como administrável, reduzi-lo aumentando a tributação ou examinar alternativas heterodoxas mais radicais. O Chancellor escolheu a pior delas.

Muitos comentaristas econômicos argumentam que a dívida de 75% em relação ao PIB é baixa pelas normas internacionais e, portanto, administrável. Os Estados Unidos, Espanha, França, Bélgica, Portugal, Itália e Japão têm a proporção dívida/PIB mais elevadas do que o Reino Unido.

Além disso, as taxas de juros são baixas, de modo que o custo do serviço da dívida, de cerca de £ 39 bilhões/ano, é facilmente financiável, embora cresça £ 25 bilhões/ano para cada 1% de aumento nas taxas de juros. O Chancellor não apresentou nenhum argumento confiável para não conviver com esse cenário-base.

O aumento dos impostos para pagar a dívida só pode ferir ainda mais uma economia já aleijada. O PIB caiu 9,9% em 2020. Apenas 71% das empresas estão operando atualmente, e 21% delas relatam vendas de menos da metade do habitual. Otimistas como Andy Haldane, economista-chefe do Banco da Inglaterra, esperam uma recuperação antecipada, com base na economia de £250 bilhões que os consumidores acumularam, e os £100 bilhões acumulados nos cofres das empresas.

Mas a Financial Conduct Authority [FCA, agência reguladora do sistema financeiro no Reino Unido] pinta um quadro muito mais sombrio. Sua Pesquisa da Vida Financeira de 2020 cita:

- um aumento de 20% para 27% dos adultos com baixa resiliência financeira;

- 27% dos trabalhadores foram colocados em licença;

- 9% dos trabalhadores autônomos pararam de realizar negócios;

- 9% dos postos de trabalho estão em risco;

- 26% dos adultos relatam ter ampliado sua poupança, mas...

- 34% reduziu a poupança, 14% aumentou a dívida e 32% teve a renda reduzida;

- 3,2 milhões de famílias adiaram seus pagamentos de hipotecas.

O mais revelador é que 84% dos entrevistados esperam reduzir seus gastos em 2021. O diretor do Instituto Nacional de Pesquisa Econômica e Social, Jagjit S. Chadha, teme que o desemprego possa chegar a 10%.

A Covid aumentou drasticamente a desigualdade. Para muitos profissionais assalariados, a renda se manteve constante. Mas para três milhões de pessoas em licença, aqueles que ganham menos de £ 30 mil/ano tiveram uma redução de 20% em sua renda, com aqueles que normalmente ganham acima desse limite sofrendo uma enorme redução para uma renda equivalente a £ 24 mil/ano.

Esta não é uma economia que precise de mais impostos. A demanda precisa de estímulo e não de colapso.

Mas algo muito importante aconteceu quase despercebido e abre opções mais radicais. O Banco da Inglaterra comprou £ 875 bilhões da dívida pública de £ 2.114 bilhões no mercado secundário, então agora detém mais de 40% dela.

Uma vez que o Tesouro detém a plena propriedade do Banco da Inglaterra, isso equivale a uma dívida de soma zero; em outras palavras, não é uma dívida. Uma mudança semelhante ocorreu nos Estados Unidos e na União Europeia, com o banco central comprando títulos públicos.

Há uma questão ética aqui. Enquanto os bancos centrais não tiverem permissão para comprar títulos do governo diretamente, eles terão que comprá-los no mercado secundário de seguradoras, fundos de pensão e corretoras. A intervenção do Banco da Inglaterra, portanto, dá a esses intermediários um aumento no valor de sua carteira e um lucro sem risco na venda de seus títulos. A estrutura precisa de reforma.

A consequência técnica não intencional dessas compras do Banco da Inglaterra é que o dinheiro soberano livre de dívidas [debt-free sovereign money] foi implementado de forma comprovada. O governo pode emitir sua própria moeda sem dívidas para financiar uma emergência como a pandemia.

Ele pode seguir a mesma lógica para financiar suas despesas regulares, incluindo a obtenção de renda adequada para as famílias diretamente por meio de uma moeda digital do banco central, e incluindo a reversão dos cortes de austeridade. A restrição é o que pode ser alcançado enquanto resultados no PIB, não quanto dinheiro o Tesouro tem em seus cofres.

É aqui que o Chancellor falhou, ao não considerar alternativas radicais, ao não olhar mais adiante no século 21, ao invés de invocar velhas ortodoxias financeiras.