Entrevista a Isaías Dalle

Miriam Belchior concedeu esta entrevista na terça-feira, 9 de março, um dia após a decisão do ministro Edson Facchin, do STF, ter anulado as condenações impostas a Lula pela Lava Jato.

Na opinião dela, Lula livre e com os direitos políticos restabelecidos é um fator que dá nova perspectiva de implementação prática para o Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil, do qual ela é uma das elaboradoras.

“O PT tem proposta, que é o Plano de Reconstrução, e o PT tem o melhor porta-voz que o que o plano poderia ter, que é o nosso querido presidente Lula. Não só livre para andar por esse país, mas com seus direitos políticos retomados” diz a ex-presidenta da Caixa Econômica Federal e ex-ministra do Planejamento. Miriam é coordenadora do NAPP (Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas) Infraestrutura, Transporte e Logística.

Acompanhe:

Miriam, você é a primeira integrante dos NAPPs a falar aqui do Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil sob a perspectiva de Lula candidato a presidente. Essa decisão recente do STF dá uma nova perspectiva para as possibilidades de implementação dessas propostas contidas no plano?

Sem nenhuma dúvida. Primeiro, a felicidade de ver uma injustiça sendo corrigida, acho que esse é o sentimento de cada um de nós, de ver o presidente Lula mostrando que tinha razão e sendo reconhecida, se não a parcialidade direta – que a gente ainda espera que seja votada no STF, mas reconhecido que ele não poderia ter sido julgado no Paraná, em Curitiba, por esse consórcio criminoso, essa organização criminosa que foi o Ministério Público com o juiz do caso. Então acho que isso é muito importante. Quem tem acompanhado as últimas atividades do presidente Lula, nos últimos meses, sejam entrevistas, enfim, atividades em geral que ele tem feito, ele sempre pega o Plano e diz: “Olha o PT tem proposta. O PT tem proposta de como é que a gente lida com essa emergência, e o PT tem propostas estruturais para transformar o Brasil, para retomar de onde as coisas pararam em 2015 com o afastamento da presidenta Dilma e dar continuidade, retomar aquele processo de redução de desigualdade, de crescimento do país de maneira sustentável”. Então eu acho que o plano representa isso, essa retomada do crescimento econômico e não falar apenas em ajuste fiscal e reformas. Volta essa política de garantia de direitos para todos, reduzindo aí tanto as desigualdades regionais como sociais; um pacto verde dando sustentabilidade para nosso sistema econômico; a nossa soberania nacional, e a radicalização da democracia.

Então eu acredito que o nosso melhor porta-voz do plano agora fala do alto da sua experiência com o melhor presidente que esse país já teve, mas também agora com seus direitos readquiridos e em condições de capitanear esse processo de implantação do Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil. Então acho que o momento é muito importante. E eu tenho certeza de que ele vai apontar a direção que o país precisa, coisa que hoje a gente não tem no governo federal.

Créditos: Ricardo Stuckert/Fotos Públicas

Miriam na Vigília Lula Livre, em 2018

Vivemos um ano já de pandemia e o país não chegou nem perto de implementar algo parecido com as propostas emergenciais do plano, propostas para enfrentar a pandemia propriamente dita e defender a vida das pessoas e o bem-estar. Qual a possibilidade de uma parte desse plano ser implementado desde já, mesmo com esse governo federal que temos?

Eu acho que esse é o grande xadrez que precisa e está sendo montado. Infelizmente a gente não pode ter, como nos governos do presidente Lula e da presidenta Dilma, uma outra forma de ver as coisas. Eu me lembro, eu sempre dou esse exemplo, os nossos presidentes certamente teriam chamado diretamente para mesa deles a coordenação de todo esse processo, colocando todo o governo para resolver os problemas. Eu lembro bem que a presidenta Dilma, quando começaram os casos de Zika, ela ficou obcecada por isso. Então todo mundo, o Jaques Wagner era o chefe da Casa Civil, ele chamava as empresas produtoras de repelentes para ver como é que a gente podia comprar, produzir, para distribuir para a população pobre que não teria acesso e não poderia pagar um repelente. Eu era presidente da Caixa Econômica Federal, eu fui a Santa Catarina, Ribeirão Preto, outros lugares, para fazer atividades de explicar para a população a necessidade da prevenção. Imagina, a presidenta de um banco! Então todos os ministros, todas as equipes de governo foram mobilizadas para isso. O que vemos aqui é exatamente o inverso: desmobilização completa. De fato, o plano traz medidas emergenciais e medidas estruturais para o país voltar a crescer para enfrentar a pandemia. E aí você falou, realmente para dar suporte para as famílias, mas também para dar suporte para as empresas, porque o plano não fala só das pessoas, o que é muito importante, é o central do nosso ponto de vista, mas também fala de ajudar as empresas que certamente também estão sofrendo com a necessidade de isolamento social. E eu acredito que os governadores estão assumindo esse papel de coordenação, inicialmente mais informalmente, mas agora eles estão vendo – ainda mais agora, com esse recrudescimento da pandemia – eles estão vendo que não tem alternativa. Já que o governo federal não faz, vamos fazer por nós mesmos. Eu acho isso terrível para o país, mas eu acho que essas lideranças estão superando suas diferenças e se juntando por um bem maior que é defender a nossa população nesse momento tão grave que o país vive.

E os novos prefeitos e prefeitas que chegaram recentemente, muitos deles do PT e de outros partidos progressistas, que podem também, com todas as dificuldades, aplicar políticas alternativas ao descaso.

Gente como Edinho, de Araraquara, a Margarida em Juiz de Fora, estão mostrando o que é que tem que ser feito. Quem tem coração e cabeça, quem tem as duas coisas. Usa a ciência para poder combater a pandemia e olha as pessoas de um outro jeito, sabendo que tem que proteger, sem se desfazer da dor de quem está sofrendo as perdas provocadas pela pandemia.

O plano traz, entre algumas propostas nessa área que você coordena, a defesa da retomada do PAC, das obras do PAC. Nós conseguimos elencar algumas das obras que deveriam ser retomadas preferencialmente agora para ajudar a economia a sair dessa inércia?

Primeiro é preciso dizer por que infraestrutura é importante. É importante tanto para a reativar a economia, porque ela gera muitos empregos e melhora a competitividade da nossa economia, mas também melhora a qualidade de vida das pessoas. Aqui a gente vai falar mais de infraestrutura de logística, mas habitação, como o Minha Casa Minha Vida, saneamento, mobilidade urbana, energia, tudo melhora a qualidade de vida das pessoas. Além de melhorar a competitividade da economia e melhorar a qualidade de vida das pessoas, a infraestrutura também cria muitos empregos, que é tudo que a gente precisa neste momento. É praticamente consensual, a não ser para os ultraliberais como o Guedes, que é necessário investimentos em infraestrutura no país. É o que faz a roda da economia girar.

No que se refere às obras, o que aconteceu após o golpe e o famigerado teto de gastos, o investimento público é o menor em 50 anos. Foi o mais penalizado, porque ainda tem áreas como saúde, educação, que têm os limites – que estavam ameaçados até a semana passada – mas têm limites constitucionais mínimos, e isso protege um pouco, tem corte de qualquer maneira, mas protege um pouco essas áreas. Área de infraestrutura não, área de investimento não. Então essas áreas foram as mais penalizadas. Minha Casa Minha Vida acabou após o teto de gastos, especialmente a faixa 1, a faixa até 1.800 reais de renda familiar, ou seja, aquela para quem mais precisa. Acabou. Assim como as despesas com infraestrutura de logística: rodovias, ferrovias, portos, aeroportos. O que é que podia estar sendo feito? Um conjunto de obras que estavam em andamento que, ou que reduziram muito seu ritmo, ou foram paralisados.

A gente tem por exemplo a duplicação da BR-101, a rodovia que corta o país de cima abaixo pelo litoral – a gente fez Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, uma parte de Alagoas que tem que terminar, tem que fazer Sergipe e Bahia, então é fundamental isso para economia regional do Nordeste. Ou a adequação da BR-381, de Minas, a 116 no Rio Grande do Sul, ou rodovias importantes para o escoamento de grãos para os portos brasileiros. As ferrovias, por exemplo a FIOL na Bahia. Tem algumas obras também para o desenvolvimento, por exemplo no Porto de Santos, como a Avenida Perimetral margem esquerda, fundamental para o acesso dos caminhões. E assim vai, um conjunto de obras. Nós não estamos gerando emprego, não estamos gerando empregos, não estamos melhorando a competitividade da nossa economia por uma questão estritamente fiscal, pois o governo acha que o investimento privado é que vai resolver isso. A gente tem certeza de que isso não vai acontecer, desde 2016 não está acontecendo. As concessões que a Dilma deixou prontas, algumas dessas rolaram, outras eles estão tentando fazer, mas não conseguem - afinal de contas já faz quase cinco anos que ela foi afastada e não se consegue desenvolver isso. Por quê? Porque o setor privado não entra na frente, o setor público tem que puxar o investimento. Nós acreditamos nisso, o plano fala nisso: é necessário conjugar o investimento público com investimento privado. Achar que o privado vai resolver tudo é uma ilusão, e a realidade desde 2016 já demonstra isso. Quando o PAC estava em funcionamento, criava um número de empregos muito superior à média nacional; o crescimento do emprego na área de infraestrutura foi muito maior do que a média nacional.

Eu tenho duas perguntas. Uma delas, me perdoe, eu não consigo escapar dela, até porque é um assunto tão martelado na cabeça da gente que muitas vezes a gente se confunde. De onde tirar o dinheiro? Porque ficam dizendo que o Brasil não tem, o governo não tem. A segunda pergunta refere-se diretamente ao plano. Eu conversei também aqui com Guilherme Mello, com Artur Henrique, com o Paulo Feldmann, e eles falam muito da valorização da pequena e microempresa e também das cooperativas, da economia solidária, como fator de geração de empregos. E aí você cita essas obras gigantescas, rodovias, portos, eu queria saber se essas propostas que esses companheiros apresentaram aqui se casam com esses projetos grandes que você aponta?

Primeiro, acho que o plano aponta claramente como é possível viabilizar esse conjunto de medidas. Primeiro, precisa acabar com teto de gastos. Precisa voltar como era no tempo do PAC, em que os investimentos não contavam para o cálculo do superávit primário. E está lá apontado no plano que depende da reforma tributária. A gente vai taxar as grandes fortunas, exatamente para obter os recursos que são necessários para fazer esse investimento. Então, é possível, sendo responsável, não
sendo superliberal, nem hiperliberal, fiscalista, mas tendo responsabilidade fiscal, garantir os recursos que o país precisa ter não só para infraestrutura, mas também para todas as políticas sociais inclusivas que foram desenvolvidas durante o nosso período frente ao governo federal. O plano aponta com clareza quais são as medidas para isso.

E como é que os pequenos entram nisso? O Brasil, com o PAC, diversificou, e muito, a quantidade de obras e o tipo de obras que vinham sendo feitas no país em relação ao período anterior. Isso acabou ampliando o leque de empresas que participava das licitações. Então, mesmo para essas obras grandes, começou a se criar um mercado importante de, digamos assim, médias empresas. E se eu pego por exemplo o Minha Casa Minha Vida, que é infraestrutura urbana – nós tínhamos Minha Casa Minha Vida em todas as cidades do país – quem fazia isso eram exatamente as pequenas empresas dos pequenos municípios e médios municípios. Claro que uma hidrelétrica, a pequena empresa não consegue fazer, mas as coisas de infraestrutura urbana, consegue. Então é possível conjugar, e a gente conseguiu. A CBIC (Câmara Brasileira da Construção Civil), por exemplo, que na área de construção civil junta as pequenas e microempresas, foi um parceiro fundamental.

Muito obrigado pela entrevista. Quer acrescentar algo?

Eu acho que em relação à infraestrutura, é importante ter uma definição de retomada de obras, mas também começar a pensar em novas obras, porque você tem que começar a fazer os projetos hoje para ter obra daqui a três ou cinco anos. Então esse tem que ser um processo contínuo, que foi interrompido com o golpe. Quando você interrompe, você não desenvolve projeto, então você não consegue licitar, não consegue fazer as obras. Se você não consegue fazer as concessões, você também não melhora a infraestrutura com ajuda do setor privado. Então essa noção de continuidade é fundamental numa área como infraestrutura. Não é uma coisa de acende e apaga, que na hora que eu ligo o interruptor a luz chega. Com infraestrutura não é assim, é um processo bastante demorado em função das determinações da lei. O que eu acho importante destacar é que nós temos proposta para o país. Foi esse o intuito do lançamento do plano no ano passado: dar uma resposta à emergência da pandemia que continua e se agravou ainda mais. Ele é atualíssimo para enfrentar a situação que a gente vive e ele aponta com clareza para onde o país deve ir. O PT tem proposta, que é o Plano de Reconstrução, e o PT tem o melhor porta-voz que o que o plano poderia ter, que é o nosso querido presidente Lula. Não só livre para andar por esse país, mas com seus direitos políticos retomados.