De Viomundo
Como secretário da Saúde de São Bernardo do Campo, o sanitarista e hoje professor da Unifesp, Arthur Chioro, testemunhou a rapidez com que o Brasil foi capaz de agir contra o H1N1.
O governo Lula comprou vacinas de cinco fontes diferentes antes mesmo da transferência de tecnologia e usou a experiência do Plano Nacional de Imunização, que antecede o SUS, para vacinar toda a população rapidamente.
Posteriormente, Chioro se tornou ministro da Saúde da presidenta Dilma Rousseff e enfrentou com sucesso a ameaça do Ebola.
Mas, desta vez, segundo o ex-ministro, o Brasil sob Bolsonaro não fez a lição de casa e possivelmente apostou numa imunidade coletiva sem intervenção estatal, o que foi defendido pelo ex-ministro Osmar Terra e já custou 270 mil vidas.
“O que nos revolta é que nos poderíamos ter solicitado até 30% das vacinas necessárias para a nossa população do fundo Covax, dirigido pela OMS, mas pedimos apenas 10%, sem prioridade”, ele denuncia.
Na previsão de Chioro, serão 500 mil brasileiros mortos até julho. Para efeito de comparação, ele lembra que a doença que mais matou no Brasil até hoje foi o infarto do miocárdio, em 2017: 112 mil pessoas.
Relembra um estudo do Imperial College britânico que previa que se o Brasil tomasse todas as medidas necessárias para combater a pandemia, teria 44 mil óbitos.
O pai do ex-ministro, Ademar dos Reis, de 83 anos de idade, foi parar na UTI por causa da doença, mas felizmente se recuperou — embora ainda enfrente sequelas.
Chioro diz que pelo pacto federativo a obrigação de comprar vacinas é do governo federal, tanto que o governador João Doria teve de entregar as doses envasadas pelo Instituto Butantan ao Ministério da Saúde.
O ex-ministro acompanha os bastidores das negociações e, a partir do andamento delas, diz que o Brasil só atingirá a imunização de 70% da população no segundo semestre de 2022, quando isso está previsto para acontecer nos Estados Unidos em junho de 2021 e no Reino Unido em julho deste ano.
A China deve terminar a vacinação de mais de 1 bilhão de pessoas em fevereiro de 2022.
“Nós pagamos o preço da teimosia, da burrice, da posição criminosa deste governo”, afirma Chioro.
Ele lembra que o Canadá comprou cinco vezes mais vacinas do que necessitava para sua população, dada a incerteza sobre a eficácia dos imunizantes, mas com isso acelerou a vacinação, reduziu o número de mortes e reabriu a economia mais rapidamente.
Bolsonaro, por sua vez, provavelmente sob influência do ministro da Economia Paulo Guedes, quis forçar uma negociação com fabricantes a partir de uma posição de fraqueza, produzindo a catástrofe em andamento.
Chioro não tem nenhuma dúvida em definir como “criminoso” o comportamento de Jair Bolsonaro, por colocar dúvidas sobre a doença, o uso de máscaras e atuar contra o distanciamento social.
Para Chioro, há sinais claros de que a queda de casos nos Estados Unidos não tem relação só com a vacinação e o fim do inverno, mas também com a nova atitude dos governantes a partir da posse do democrata Joe Biden, que substituiu o negacionista Trump.
O ex-ministro concorda com cientistas de outros países que definem o Brasil como uma possível ameaça à saúde pública global, já que a falta de medidas de combate à pandemia pode resultar na produção de novas variantes do vírus com potencial para se espalhar e comprometer o trabalho feito lá fora para conter a pandemia.
“A tragédia humanitária, sanitária, funerária, econômica, política e social neste momento exigiria ou o impeachment ou a interdição do presidente Bolsonaro e a construção de um governo de união nacional para tomar as medidas minimamente necessárias para tirar o Brasil desta crise”, diz Chioro.
Assista a entrevista completa aqui.