Tradução de Wilson Jr. para artigo de Catherine Brinkley[1]
A pandemia da Covid-19 está mudando a forma como comemos.
Como as refeições ao ar livre representam menos risco de infecção, muitas cidades mudaram suas leis para adequação à demanda do público.
O prefeito de Nova York, Bill de Blasio, estima que fechar 87 ruas e permitir refeições ao ar livre salvou quase 100 mil empregos. Chicago ofereceu aos restaurantes um auxílio de US$ 5 mil para adequar as áreasde refeições ao ar livre ao uso durante o inverno.
E San Mateo, Califórnia, está considerando o que antes era impensável: remover permanentemente algumas vagas de estacionamento para permitir refeições ao ar livre durante todo o ano.
Mas, e os vendedores ambulantes de alimentos?
Nos últimos 10 anos, como professora de desenvolvimento comunitário e regional, estudei como a venda ambulante fornece uma tábua de salvação econômica para muitas pessoas, especialmente em comunidades de baixa renda.
Com o aumento da desigualdade de renda, o aumento do desemprego e a proibição de refeições em ambientes fechados por causa da Covid-19, mais pessoas estão se voltando para a rua para ganhar a vida e atender a uma necessidade crescente.
Os muitos sabores da venda de comida nas ruas
Quando você pensa em comida de rua, talvez uma imagem que vem à mente seja a dos food trucks da moda aparecendo cada vez mais nas ruas e em estacionamentos nos Estados Unidos.
Mas ela também inclui vendedores ambulantes que vendem manga na praia ou frutas e verduras em barracas na calçada.
Em San Diego, Califórnia, por exemplo, os vendedores chamados fruteiros usam paleteros, ou carrinhos de mão, para vender frutas em bairros latinos de baixa renda.
Em Baltimore, os vendedores afro-americanos conhecidos como arabbers vendem frutas e vegetais frescos montados a cavalo.
Em Troy, Nova York, a organização sem fins lucrativos Veggie Mobile vende frutas e vegetais em áreas de baixa renda utilizando um caminhão de carga refrigerado.
Comida barata e saudável
Enquanto alguns pesquisadores perguntavam se os mercados de produtores poderiam fornecer alimentos saudáveis e baratos para bairros de baixa renda, meu primeiro estudo sobre alimentos, em 2013, examinou a acessibilidade dos produtos vendidos por vendedores ambulantes que já operavam nesses bairros.
Com dois colegas, comparei o preço e a variedade de produtos de vendedores ambulantes de comida com produtos vendidos em supermercados na Filadélfia.
Descobrimos que os vendedores na calçada ofereciam de 18 a 71 variedades diferentes de produtos frescos a preços mais baixos, variando de metade a um terço a menos do que o preço de um item semelhante no mercado mais próximo. Todos os vendedores de calçada obtinham seus produtos em um terminal central, assim como os supermercados, mas não aumentavam tanto os preços.
Também descobrimos que muitos vendedores móveis operavam na mesma esquina há décadas, superando os supermercados que abriram e fecharam várias vezes em poucos anos.
Tais fechamentos podem transformar bairros nos chamados “desertos alimentares” – áreas urbanas que não têm um supermercado e as comodidades que vêm com ele, como oportunidades de emprego, farmácias e caixas eletrônicos.
Em um estudo nacional de 2017 sobre desertos alimentares, dois colegas e eu descobrimos que os vendedores de produtos hortifrutigranjeiros costumam ajudar comunidades que não têm mercearia a pelo menos manter o acesso a alimentos saudáveis e baratos, reduzindo assim a incidência de doenças associadas à dieta, como diabetes e obesidade.
Os vendedores de produtos hortícolas têm um impacto particularmente positivo na saúde alimentar dos consumidores de baixa renda. Os clientes que usam os benefícios do SNAP [programa de Assistência Nutricional Suplementar, antigo Food Stamp], por exemplo, são mais propensos a comprar em vendedores ambulantes do que em outras fontes de produtos. Consequentemente, eles gastam em média US$ 3,86 a mais por transação em frutas e vegetais, de acordo com um estudo de 2015 publicado no Journal of Chronic Diseases.
Luta de comida
Um relatório de janeiro sobre os vendedores ambulantes da cidade de Nova York mostra que a pandemia tornou a vida muito mais difícil para esses trabalhadores, que muitas vezes não têm direito a empréstimos federais e não têm direito a serviços sociais.
Mas, muito antes da pandemia, muitas cidades dificultaram a operação de vendedores móveis de hortifrútis e outros vendedores ambulantes de alimentos.
Para entender o aumento da proibição dos vendedores ambulantes, pesquisadores da University of Southern California conduziram um estudo publicado em 2013 que acompanhou o aumento da legislação sobre alimentos de rua em 11 cidades de 2008 a 2012.
Eles descobriram que regulamentações restritivas são frequentemente criadas a pedido de restaurantes tradicionais. Os restaurantes têm associações comerciais bem estabelecidas que fazem lobby junto aos governos locais e estaduais por proteção contra a concorrência, afetando os food trucks e outras formas de venda de comida na rua.
Para entender quão difundidas essas medidas foram, em 2020 eu revisei os regulamentos de venda de alimentos na rua em uma amostra aleatória de 213 das 465 cidades da Califórnia e todos os 58 condados.
Descobri que 85% das cidades e 75% dos condados limitavam a venda de alimentos na rua por razões que vão além dos protocolos de saúde pública. As restrições envolviam regulamentos de zoneamento que limitavam onde os vendedores poderiam operar, decretos que restringiam os horários das operações e leis trabalhistas rígidas não aplicadas em empresas físicas.
Muitas dessas restrições efetivamente baniram por completo a venda de comida na rua.
A cidade de Davis, por exemplo, proíbe os vendedores de parar por mais de 5 minutos, impedindo totalmente as vendas na prática, porque muitas vezes se leva mais de 5 minutos para atender um cliente. E o condado de Butte exige que os vendedores sejam entrevistados e tenham suas impressões digitais colhidas pelo xerife - algo que não é exigido dos trabalhadores na construção civil.
Como os vendedores ambulantes de alimentos geralmente são imigrantes e negros, essas políticas são barreiras intimidantes para um grupo já marginalizado.
Alimentando a mudança
Em resposta a essas proibições, os vendedores de alimentos começaram a formar suas próprias associações de defesa.
A campanha de venda de comida de rua de Los Angeles, lançada em 2008, teve tanto sucesso que em 2018 a Califórnia legalizou a venda de comida de rua em todo o estado. A campanha destacou os benefícios econômicos para vendedores e consumidores, bem como o racismo nos códigos legais excludentes.
Na Califórnia, a comida de rua agora pode ser regulamentada apenas por motivos de saúde e segurança. Como nosso estudo mostra, muitas cidades e condados precisarão atualizar suas políticas.
Até agora, não há sinais de que as cidades estejam começando a lidar com isso.
Embora os vendedores ambulantes de comida sejam considerados trabalhadores essenciais, Los Angeles está multando os vendedores que não seguem um processo de licenciamento recém-criado, que é difícil de acessar e caro. Os fornecedores pagam entre 10% e 20% de seus ganhos anuais em taxas de inspeção e autorização.
Comer ao ar livre é a maneira mais saudável de se alimentar e manter o comércio local vivo durante uma pandemia. Os esforços para expandir a venda de alimentos nas ruas podem ajudar a manter as pessoas mais vulneráveis fora da pobreza – e também bem alimentadas.
[1]Professora assistente de Desenvolvimento Comunitário e Regional na Universidade da Califórnia, Davis