Por John Rennie Short e Michael J. Orlando, publicado em inglês por The Conversation e traduzido porRafael Tatemoto.

Nota do editor: para aqueles que vivem em cidades, perguntem-se: o que há no seu estilo de vida urbano que o faz valer a pena, apesar da poluição, do barulho e do trânsito? Talvez sejam as centenas de restaurantes exclusivos em que você gosta de jantar. Ou a densidade que promove uma vida noturna vibrante e um cenário cultural cosmopolita. Talvez sejam os parques, os museus, os edifícios altos, o transporte público.

E se muito disso fosse embora? Você ainda gostaria de morar lá?

Essa possibilidade preocupa muitos, à medida que a pandemia desgasta as bases de muito do que torna as cidades especiais. Restaurantes, pequenas empresas e até grandes redes varejistas de marcas estão fechando em números recorde. Os sistemas de transporte coletivo, como o da cidade de Nova York, estão alertando sobre cortes severos no serviço se não receberem ajuda após a receita tributária estadual e local despencar. Muitos fugiram para áreas rurais ou suburbanas. E a situação parece provavelmente piorar à medida que os Estados Unidos enfrentam um “inverno sombrio” sem garantia de mais ajuda do Congresso.

Apesar desses desafios, dois estudiosos que estudam as cidades explicam por que acham que as áreas urbanas vão perdurar - mesmo que não recebam a ajuda do Congresso, que agora parece mais provável.

Por que algumas cidades sobreviverão - e prosperarão

John Rennie Short, University of Maryland

A morte da cidade é regularmente prevista. Mas, como o obituário prematuro de Mark Twain, é muito exagerado.

A cidade já era considerada supérflua quando o telefone foi apresentado ao mundo em 1876 e o primeiro computador pessoal em 1971. Qual era o sentido das cidades quando as pessoas podiam se comunicar por telefone ou pela internet? O futuro foi imaginado como uma aldeia global de cabanas eletrônicas.

Na verdade, o futuro era e continua sendo de áreas metropolitanas gigantes e cidades densas.

Depois do 11 de setembro, alguns pensaram que a ameaça do terrorismo levaria à suburbanização dos serviços financeiros e um afastamento da cidade. Nas duas décadas que se seguiram, a cidade de Nova York continuou a crescer e prosperar como um centro financeiro global.

E hoje, muitas cidades sobreviverão à pandemia pelas mesmas razões pelas quais sobreviveram ao telefone, internet e ataques terroristas. Isso porque existem forças econômicas poderosas em ação.

Já em 1922, o economista britânico Alfred Marshall apontou três características principais das cidades:

1. Os pools [aglomerados] de mão de obra qualificada permitem a transferência de informações, conhecimentos e habilidades.

2. A presença de tantas empresas gera mais negócios para os negócios secundários - por exemplo, como um grande setor bancário cria trabalho para contadores e advogados.

3. A proximidade das pessoas facilita o contato que leva à manutenção da confiança e à troca de informações.

Essas forças são ainda mais poderosas para os setores mais dinâmicos da economia, em particular os serviços bancários e financeiros, a publicidade e uma vasta gama de indústrias culturais e criativas - todas construídas em torno do contato face a face.

Acredito que as cidades que geram esse tipo de “capitalismo cognitivo”, como São Francisco, Nova York e São José, vão se recuperar. Aqueles que têm setores mais rotineiros que podem ser feitos em qualquer lugar, como Detroit, Baltimore e Buffalo, podem não ter o mesmo destino. Essa é uma tendência que já está ocorrendo nos EUA nos últimos 30 anos, à medida que as cidades focadas na economia do conhecimento cresceram mais rapidamente do que aquelas que não o fizeram.

Apesar da longa tradição de antiurbanismo nos EUA, que sempre parece ver o fim das cidades ao virar da esquina, elas sobreviverão porque são uma das maiores invenções da humanidade.

O poder das cidades: compartilhando, combinando e aprendendo

Michael Orlando, University of Colorado Denver

A densidade é o que torna uma cidade especial. Um lugar pode abrigar uma variedade estonteante de delícias culturais apenas quando um número significativo de pessoas moram próximas umas das outras.

Mas em uma pandemia, densidade é a última coisa que você deseja, e é por isso que muitas pessoas se mudaram do centro urbano e os prédios de escritórios estão vazios.

Isso não vai durar para sempre. Em breve, acredito, novas vacinas e tratamentos aprimorados acabarão com esta pandemia. E quando a densidade não for mais amaldiçoada pelo contágio, as cidades reafirmarão sua magia, por meio de sua capacidade de aprimorar o compartilhamento, a combinação e o aprendizado.

Os economistas referem-se a esses três mecanismos como tipos de economias da aglomeração porque representam os benefícios da concentração. São os incentivos que levam as pessoas e a produção a conviverem, suportando o alto custo das densas áreas urbanas. Economias de compartilhamento, combinação e aprendizagem explicam por que as cidades se formam e crescem.

Economias de compartilhamento referem-se a economias de escala. Por exemplo, empresas especializadas em conserto de instrumentos de alta qualidade e legislação de propriedade intelectual fornecem serviços importantes, mas são consumidos com pouca frequência e esporadicamente. Essas empresas preferem se localizar em grandes cidades, onde o custo fixo das operações pode ser distribuído por muitos clientes, tornando mais provável que seus serviços estejam sempre em demanda.

As economias de combinação referem-se à economia de custo e tempo na busca de bens, serviços e empregos em uma grande cidade em comparação com uma área menos populosa. Trabalhadores como afinadores de piano e advogados de patentes, por exemplo, possuem um conjunto restrito de habilidades que são de grande valor para empregadores específicos que precisam regularmente desses serviços exclusivos. Portanto, os trabalhadores com essas habilidades especializadas preferirão se localizar em cidades maiores, onde são mais propensos a encontrar um emprego - e encontrar outro rapidamente se o perderem.

Economias de aprendizado referem-se ao valor derivado de interações eventuais. As pessoas aprendem umas com as outras, por meio de encontros intencionais e encontros casuais. O aprendizado por meio de reuniões intencionais pode ocorrer onde quer que as pessoas se procurem. Mas o aprendizado por meio de encontros casuais acontecerá com mais frequência em áreas urbanas densas, onde há chances simplesmente maiores de encontrar outras pessoas. Como resultado, as empresas e os trabalhadores preferirão se instalar em cidades onde possam obter lucros e salários mais altos associados ao aprendizado que ocorre por meio de interações eventuais.

As empresas para as quais o conhecimento e as ideias são particularmente importantes podem planejar esses encontros casuais, juntando estrategicamente colegas de trabalho de diferentes departamentos para que possam interagir, aparentemente de forma aleatória. Da mesma forma, ao se localizar nas cidades, os trabalhadores e as empresas induzem encontros casuais com os integrantes de outras empresas.

Em pesquisas sobre a geografia econômica da inovação, meus coautores e eu descobrimos que trabalhadores intensivos em conhecimento se localizam desproporcionalmente nas cidades. A proporção de trabalhadores com diploma de bacharel é maior nas áreas mais populosas dos condados. E as patentes per capita se correlacionam com a proporção de trabalhadores com diploma de bacharel em densas áreas urbanas.

Os riscos e custos do contágio desaparecerão. E então os trabalhadores e as empresas serão incapazes de resistir aos benefícios de compartilhar, combinar e aprender que surgem em áreas densamente povoadas. Esses são os fatores que explicam a atração exercida pelas cidades.