Por Henry Campos e Nahuan Gonçalves

 

Brasil e Estados Unidos da América nunca estiveram tão próximos – no infortúnio, pelo genocídio a que os levaram os que ainda ocupam a presidência dos dois países. A partir de 2019, quando ambos já ocupavam o poder, foi tornando-se marcante a semelhança entre os seus processos mentais, patológicos e destruidores, que têm continuamente colocado as duas nações em situação de abandono e risco.

Para ser mais condizente com a verdade, a geminação patológica de ambos ficou evidente na eleição presidencial brasileira de 2018, com a infiltração, no Brasil, da máquina de propaganda criminosa de Steve Bannon, que introduziu aqui as mesmas técnicas empregadas na eleição americana, como a utilização em massa de robôs disparadores de fake news e outras táticas que, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos, encontraram solo fértil aqui, na coalizão do radicalismo da direita mais espúria; no terreno pantanoso da política carioca; no espaço conquistado pelo messianismo de políticos exploradores da fé de incautos; no apoio de pequeno grupo de militares saudosistas apoiadores da tortura nos anos da ditadura militar.

Tudo sob o olhar complacente das altas cortes do judiciário brasileiro e com o apoio da mídia neoliberal, ainda hoje conduzida pelo cash flow, que a faz surfar em cut-backs determinados pelos conglomerados aos quais está submissa, protagonizando, com clara desfaçatez, um ataque portentoso contra as forças progressistas do país.

Como registra o Professor de Ciência Política da UFMG, Juarez Guimarães, em ensaio publicado recentemente (A Terra é Redonda, edição de 16/01/2021), “o bolsonarismo é um americanismo que formou a sua força política em linha direta com o trumpismo nos Estados Unidos, sendo de fato uma força orgânica a ele em seus valores, seu programa, sua linguagem, sua forma de fazer política, seu aparato tecnológico de comunicação, sua pragmática. Sem trumpismo não existiria o bolsonarismo tal como o conhecemos”.

De fato, os dois seguiram sedimentando a sua forma de desgoverno na trilha de princípios claros do nazi-fascismo, como já registramos em manifestação anterior aqui neste espaço. São comuns a ambos o narcisismo, a falta de compaixão, a indiferença frente ao sofrimento, à dor e à morte. Seus erros são transferidos a inimigos imaginários; ambos incitam à violência pelo discurso pontuado pelo personalismo, pela misoginia e por todas as formas imagináveis de preconceitos – contra negros, indígenas e outras minorias raciais, contra a população LGBT, intelectuais, artistas, defensores do meio ambiente, populações pobres marginalizadas e todos os que se opõem à sua rendição a interesses externos ao país e ao seu pensamento mágico, que contribui para a formação de uma ideação mítica.

Mais adiante teceremos considerações sobre o fenômeno do apego das massas a esses pensamentos mágicos que, segundo a Psiquiatria, podem ser utilizadas pela cultura e pelo indivíduo para “ler o mundo”. Não fora a forte incorporação do ideário nazifascista, talvez Bolsonaro não tivesse protagonizado com tamanho estardalhaço, há poucos dias, o “mussoliniano“ banho de mar na Praia Grande e não houvessem tantas suásticas e frases antissemitas estampadas em camisetas e faixas dos seguidores de Trump na invasão perpetrada e incentivada por ele ao Capitólio americano.

Os períodos de maior ebulição dos governos de Trump e de Bolsonaro foram emoldurados pela maior crise sanitária que já acometeu a humanidade – a pandemia pela COVID-19, negada por ambos em ilações cínicas diárias, incorporadas perenemente às suas imagens, como uma segunda pele que os recobre e que julgamos desnecessário reproduzir, trágicas marcas da sua inépcia e despreparo para o exercício do poder.

A personalidade patológica dos dois presidentes exacerbou-se com o agigantamento da pandemia, enquanto eles apequenavam-se ante o desespero e o seu despreparo para conduzir dois países que, não fora o heroísmo dos profissionais de saúde, trabalhadores essenciais e a intervenção firme de governadores e prefeitos, teriam sido relegados ao mais completo abandono. A ação genocida dos dois presidentes teve por base a sua obsessão pela chamada imunidade de rebanho, visando à morte dos para ele “inúteis” - idosos, portadores de comorbidades, indígenas, pobres e minorias socialmente desfavorecidas.

Diuturnamente negaram a ciência mundial e de seus países, incitaram à desobediência às regras sanitárias de isolamento ditadas pela OMS, ridicularizando o uso de máscaras e promovendo agrupamentos de pessoas sem respeito a qualquer medida protetiva. Em nenhum minuto sequer os dois mandatários voltaram atrás na sua obsessão pela imunidade de rebanho, condição a que, salvo raríssimas exceções, só se chega através da imunização de pelo menos 70% da população.

Sem sombra de dúvidas chegaram ao seu intento ainda mais desmoralizados e desumanizados, por argumentarem que a sua orientação visava à proteção da economia de seus países, que vivem o que é talvez o maior descalabro de suas histórias, com taxas de desemprego e contingentes de pessoas em situação de pobreza nunca antes vistos.

Os Estados Unidos, embora representem 4% da população mundial, detém 25% dos casos de COVID-19 (acima de 24 milhões) e 19,5% das mortes (mais de 400 mil) no mundo. O Brasil, com 2,7% da população mundial, registra 9,12% dos casos (mais de 8,5 milhões) e 10,3% das mortes (mais de 210 mil).

Nas últimas semanas, depois da liberação emergencial de quatro ou cinco vacinas, o que se tem assistido nos dois países é um avanço sem precedentes da pandemia, com populações como as de Los Angeles e de Manaus morrendo, sem assistência, por saturação do sistema de saúde, como em LA, ou por asfixia por falta de oxigênio (!!!), em Manaus. Nenhuma manifestação, quer de Trump ou Bolsonaro, estimulando a população a vacinar-se: nenhum dos dois veio a público para receber a vacina, o que aumentaria em muito a confiança da população.

A gestão do programa de vacinação nos Estados Unidos revela completa falta de planejamento. Um pouco mais de 40% das vacinas despachadas para os estados foram aplicadas; inexiste reserva para aplicação da segunda dose, ao contrário do que alardeava Trump; faltam recursos estaduais e pessoal. O governo Biden pretende adotar, desde o primeiro dia de governo, um programa mais agressivo no intuito de vacinar mais pessoas e garantir a aplicação da segunda dose.

A situação no Brasil é preocupante, pela demora de definição do governo federal na compra das vacinas, pelas informações controversas do ministro Pazuello (“a vacina começa no dia D, na hora H”; “a demora na negociação com a China se deve ao fuso horário”, pasmem) e pela competição estabelecida com os estados.

A vacina não pode ser vista como um elemento salvador, e sim a vacinação em grande escala. É lamentável que não tenha sido considerada a oferta do ex-Ministro da Saúde, José Gomes Temporão e de outros cientistas para que a vacina contra a COVID-19 tivesse a sua aplicação coordenada e executada por eles, no âmbito do Programa Nacional de Imunização.

A exemplo do que vai ocorrer no governo Biden, impõe-se igualmente no Brasil um mandato federal para o porte obrigatório de máscaras e obediência ao isolamento social, medidas sem as quais continuará sendo difícil e custará muitas vidas até que se chegue ao controle da pandemia no Brasil, a despeito do início do programa de vacinação contra a COVID-19. A gravidade do momento atual nos Estados Unidos e no Brasil torna-se ainda maior com a divisão visível na sociedade.

A exemplo de Trump, Bolsonaro muito cedo já declarou a sua resistência à transferência pacífica de poder caso perca as eleições de 2022, ainda sem certeza de que será candidato. Muito anteriormente ao ataque ao Capitólio americano por terroristas domésticos, no dia 6 de janeiro último, o presidente brasileiro já se envolveu em manifestações contra a representação máxima do poder judiciário brasileiro e, por repetidas vezes, bradou ameaças ao Congresso Nacional.

Seus seguidores, animados pela visibilidade e dimensão que ganhou a dessacralização do Capitólio, já comentam em redes sociais a sua disposição de praticar atos semelhantes. A ostentação de adesivos com o slogan “Supremo é o povo” sugere a falta de compostura de muitos apoiadores bolsonaristas. O momento deve ser de vigilância da sociedade brasileira. Na pilhagem ao símbolo máximo da democracia americana foram praticadas mortes e perpetradas agressões contra agentes da lei e ameaças de morte a políticos como o Vice-Presidente, Mike Pence, e a Presidente da Câmara, Nancy Pelosi, numa ação coordenada de supremacistas brancos.

Nos dois países há mãos sujas de sangue – pelo genocídio da pandemia, por várias mortes causadas pelo racismo em solo americano e não esclarecidas. No Brasil permanecem impunes, e não convincentemente investigadas, dezenas de crimes perpetrados contra menores negros, indígenas, quilombolas, o assassinato de uma liderança política do porte de Marielle Franco e do miliciano Adriano da Nóbrega, considerado próximo da família do presidente brasileiro.

Outras semelhanças existem entre as eleições dos atuais governos norte-americano e brasileiro, e lições a tirar. Emprego de práticas eleitorais nada ortodoxas, associação com lobistas, defesa de interesses próprios, enriquecimento ilícito de colaboradores e familiares sobre os quais se lançam mantos que os protejam da Justiça.

Tudo isso deveria causar horror e repulsa, ainda mais que estamos falando de dois países que figuram, na atualidade, entre os mais desiguais do mundo, sendo um deles a maior economia global. É difícil de acreditar que 75% dos republicanos americanos consideram que a eleição lhes foi roubada, como surpreende constatar que filhos de presos e torturados políticos nos “anos de chumbo” do regime militar no Brasil possam integrar as hostes bolsonaristas.

Muitas teorias podem explicar essa sacralização de regimes de orientação nazifascista, desde a propaganda ditada pela submissão da máquina imposta por Joseph Goebbels, que conduz mais facilmente à alienação os “cidadãos comuns”, menos informados, que são mais facilmente levados a abandonar caraterísticas humanitárias, como a compaixão, e são mais influenciáveis para enxergar ameaças construídas e treinados para o combate aos que diferem de suas origens, ideias e representações simbólicas.

Uma outra teoria mais recente, não menos importante, é o efeito Dunning-Krieger, assim batizado em homenagem a dois professores de Psicologia americanos, da Cornell University e Stern School of Business (1999) e que consiste num viés cognitivo (ou crenças infundadas) que leva indivíduos que têm pouco conhecimento ou habilidade sobre um assunto a superestimar as suas capacidades de dissertar sobre ou defender um tema, muitas vezes proporcionando-lhes uma ilusória superioridade, o que pode fomentar preconceitos. Esses vieses cognitivos constituiriam pontos cegos na estrutura mental. O terraplanismo divulgado por “gurus” do bolsonarismo é uma boa exemplificação de pseudociência, que bem representa o efeito Dunning-Krieger.

O intuito do presente artigo foi, da maneira mais fundamentada possível, evitando repetições desnecessária, preencher uma lacuna de demonstração de como a obsessão genocida de dois mandatários para atingir a imunidade de rebanho da COVID-19 em seus países, num total desrespeito à ciência, deflagrou uma verdadeira chacina nos Estados Unidos e no Brasil, levando a uma situação de catástrofe sanitária, que complica em muito que se alcance um programa de vacinação eficiente e eficaz. O discurso negacionista de ambos quanto à eficácia de medidas sanitárias conservadoras continua a trazer prejuízos inestimáveis à população dos dois países.

A história é implacável: tanto Donald Trump, quanto Jair Bolsonaro já podem ser considerados os piores presidentes da história de seus países, com equipes de governo que deixarão a marca do despreparo, da inexperiência administrativa, do descaso, da falta de compaixão. Ambos pecaram também gravemente por não terem tomado qualquer atitude de responsabilização pela pandemia, declaração de pesar por mortes que poderiam ter sido evitadas ou solidariedade às famílias enlutadas. Donald Trump parte melancolicamente, atolado em dívidas, desmoralizado pela concessão de perdão a criminosos.

A sociedade brasileira precisa aprender as lições da ascensão e queda de um narcisista insensível, empenhado no seu enriquecimento pessoal, em meio à promiscuidade das relações familiares e de negócios, pois a nossa realidade em muito se assemelha. É inconcebível que, diante de tamanha catástrofe, o Congresso brasileiro continue gozando de um recesso, férias pagas pelo contribuinte brasileiro.

Da classe política espera-se uma reversão de prioridades: que se abandone a articulação política para composição de frentes visando ao processo eleitoral e se exerça pressão e vigilância para que o governo federal assuma, com responsabilidade e transparência, o dever de proteger a população brasileira.

Um dia, todos, governo e representantes políticos, serão julgados pela história.

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