Tradução de Artur Araújo para artigo de Kristalina Georgieva e Rajiv J. Shah1 publicado originalmente no IMFBlog
As mudanças climáticas e a crise da Covid-19 têm muito em comum. Ambas são tragédias humanas e catástrofes econômicas: a pandemia ceifou mais de um milhão de vidas, lançou centenas de milhões no desemprego e estima-se que eliminará US$ 28 trilhões em produção nos próximos cinco anos; os efeitos das mudanças climáticas, enquanto isso, estão revirando vidas e meios de subsistência. Ambas as crises são devastadoras para as pessoas e comunidades vulneráveis em todo o mundo. E ambas punem as nações por despreparo e miopia.
As duas crises compartilham algo mais em comum: um esforço de investimento público robusto, coordenado e “verde” pode ajudar a enfrentar ambas.
O mundo está em meio a esforços maciços para reativar as economias e trazer as pessoas de voltar ao trabalho. Os líderes mundiais se reuniram no Fórum da Paz de Paris há algumas semanas para discutir os próximos passos; essa conversação continuou há alguns dias na cúpula do G20. Temos a oportunidade de tomar decisões inteligentes e coordenadas - aquelas que podem catalisar investimentos “verdes” para impulsionar a recuperação e diminuir a probabilidade e o impacto de uma catástrofe climática.
Em resposta à devastação econômica da pandemia, as maiores economias do mundo já alocaram mais de US$ 12 trilhões em gastos fiscais para a recuperação da crise do coronavírus, e muitas têm a capacidade de fazer muito mais. Conforme realizam novos investimentos, a importância da sincronização fica clara. Fortes evidências, inclusive as da crise financeira de uma década atrás, indicam que se os países do G20 agissem sozinhos em vez de agirem juntos, seriam necessários cerca de dois terços a mais de gastos para atingir os mesmos resultados.
Ao invés de investirmos em tecnologias associadas a combustíveis fósseis, como usinas a carvão, que irão acelerar as mudanças climáticas, podemos escolher um caminho melhor e mais “verde”. Projetos plenos de geração de empregos incluem plantio de florestas e manguezais, engajamento na conservação dos solos e reforma de edifícios para torná-los mais energeticamente eficientes. Construir uma infraestrutura climaticamente resiliente e expandir o transporte público “verde”, a energia renovável e as redes elétricas inteligentes também é essencial. E investir em energias renováveis fora das redes gera crescimento ao conectar parte das 3,5 bilhões de pessoas que atualmente não têm acesso a eletricidade suficiente.
O mundo deve aproveitar as últimas inovações tecnológicas, e já estamos vendo ação em grande escala. A União Europeia se comprometeu a gastar mais de US$ 640 bilhões (€ 550 bilhões) em projetos” verdes” nos próximos anos. Países emergentes como Indonésia e Egito estão emitindo títulos “verdes”. Mas cada grande economia, cada instituição internacional, cada entidade filantrópica e cada investidor privado pode fazer mais. De fato, como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico observou, o balanço entre gastos “verdes” e “não-verdes” até agora se inclina muito para o último, gerando riscos de mais degradação ambiental.
Durante a crise financeira de 2008, os líderes do G20 se uniram em um programa de recuperação coordenado. Um movimento semelhante, nas próximas semanas e meses, poderia mobilizar novas fontes de capital para os países que precisam, incluindo os de baixa renda, onde grande parte do trabalho de adaptação climática ainda está por ser feito. O G20, assim, incrementaria as ações já realizadas para ajudar os países de baixa renda durante a pandemia: suspender o pagamento do serviço da dívida e estabelecer uma estrutura comum para solucionar quadros de dívidas insustentáveis, caso a caso.
Os governos também poderiam criar políticas que liberassem capital e engenhosidade do setor privado. Atualmente, os retornos dos investimentos “verdes” estão crescendo à medida que os custos caem. Ainda assim, uma mudança acelerada do setor privado em direção à energia mais limpa e a maior eficiência energética requer um aumento constante do preço do carbono ou medidas equivalentes. Parte da receita pode ser usada para garantir uma “transição justa” que proteja as pessoas em situação de pobreza dos preços mais altos da energia e auxilie os trabalhadores deslocados. Um plano de investimento “verde” financiado por dívida combinado com a precificação altista do carbono poderia realmente impulsionar o crescimento econômico por muitos anos, criando um saldo de cerca de 12 milhões de novos empregos até 2027.
Se adotamos medidas contínuas, a partir de agora, a história se lembrará de mais um ponto em comum entre a Covid-19 e as crises climáticas: que saímos delas mais fortes e resilientes.
1Kristalina Georgieva é Diretora-Gerente do Fund o Monetário Internacional e Rajiv J. Shah é presidente da Fundação Rockefeller.