Artigo de David Hutt publicado originalmente em Asia Times. Tradução de Artur Araujo.

O Vietnã será uma das poucas nações do mundo a registrar crescimento econômico em 2020, apesar do colapso global no comércio, viagens e investimentos causado pela pandemia de Covid-19.

O Fundo Monetário Internacional previu esta semana que o produto interno bruto (PIB) do Vietnã crescerá 2,4% em 2020, após uma aceleração de 2,6% no comparativo ano a ano no terceiro trimestre. Houve vários fatores importantes para impulsionar o sucesso econômico relativo do Vietnã.

Em junho, o Vietnã ratificou um acordo de livre comércio com a União Europeia, o segundo estado do Sudeste Asiático a fazê-lo. Na semana passada, Hanói foi anfitriã de uma cúpula regional na qual foi assinada a Parceria Regional Econômica Abrangente, o maior pacto comercial mundial centrado na Ásia, do qual o Vietnã agora é membro.

O comércio global do Vietnã já está acelerado. As exportações cresceram 4,1% nos três primeiros trimestres do ano, face ao mesmo período do ano passado, enquanto as exportações para os Estados Unidos aumentaram 23% no mesmo período, de acordo com o Ministério da Indústria e Comércio.

O sucesso econômico relativo do Vietnã é um tanto surpreendente, considerando que o governo liderado pelo Partido Comunista tem afirmado consistentemente que não colocará a recuperação econômica à frente da saúde pública.

Até o momento, o Vietnã registrou menos de 1300 casos de Covid-19 e 35 mortes. As autoridades responderam com rapidez e eficiência quando uma segunda onda estourou na cidade costeira de Danang no final de julho, após um relaxamento das rígidas restrições impostas em fevereiro.

“Fizemos um bom trabalho na contenção do vírus, abrindo caminho para revitalizar as atividades econômicas”, disse o primeiro-ministro Nguyen Xuan Phuc perante a Assembleia Nacional, o órgão legislativo formal do país, em meados de outubro.

Phuc até se permitiu algum triunfalismo. “Isso prova que nossos esforços valeram a pena, dado o fato de que muitas economias no Sudeste Asiático decresceram devido ao impacto da pandemia do novo coronavírus”, disse ele também no mês passado.

Ele provavelmente irá passar por cima do fato de que Vietnã, no entanto, agora não será capaz de alcançar sua meta econômica quinquenal de crescimento entre 6,5 e 7% de 2016 e 2020, que estará, em média, abaixo de 6%.

O Vietnã não é apenas a inveja de seus vizinhos do sudeste asiático atingidos pela Covid, que enfrentarão severas contrações econômicas neste ano e apenas recuperações marginais em 2021, mas também recebeu aplausos internacionais por sua resiliência.

O Asia Power Index do Lowy Institute publicado no mês passado apontou que a imagem internacional do Vietnã foi uma das que mais melhorou na região da Ásia-Pacífico este ano, com sua pontuação em influência diplomática crescendo seis pontos percentuais.

“O país registrou a maior melhoria em poder relativo de qualquer país [asiático] - ganhando 1,3 ponto em 2020”, afirmou o relatório.

O Lowy Institute também verificou no início deste ano que o Vietnã teve a terceira maior melhoria na reputação internacional por causa de seu tratamento da pandemia Covid-19, atrás apenas de Taiwan e da Nova Zelândia.

A elevação da imagem internacional do Vietnã é concomitante com uma mudança positiva perceptível na cobertura dos meios de comunicação sobre o governo do Partido Comunista, afastando relatos anteriores que se concentraram em seus ataques persistentes a jornalistas, ativistas e usuários de mídia social.

Em um artigo publicado pela Foreign Policy em maio, o jornalista Bill Hayton, que já esteve baseado no Vietnã, observou que uma das razões pelas quais “os mecanismos de controle de doenças do Vietnã têm sido tão eficazes, e a razão pela qual é improvável que sejam copiados, é que são iguais aos mecanismos que auxiliam e protegem o governo de partido único do país. ”

A Reuters relatou esta semana que Hanói está mais uma vez ameaçando fechar o Facebook no país devido à sua aparente relutância em censurar a contento conteúdo crítico ao Partido Comunista, apesar das promessas do Facebook de fazê-lo no início deste ano.

De certa forma, o Vietnã tinha vantagens sobre seus vizinhos do sudeste asiático. Assim como na China, o crescimento do PIB é impulsionado pela indústria e pelas exportações, que são mais fáceis de manter durante uma pandemia do que os setores que dependem do consumo doméstico.

O setor de serviços foi responsável por 45% do PIB do Vietnã no ano passado, mas cresceu apenas 3,2% no primeiro trimestre de 2020, ante 6,5% no mesmo período do ano passado.

A economia do Vietnã também é menos dependente do turismo do que outros Estados do sudeste asiático; o setor respondeu por 9% de seu PIB em 2018, em comparação com 32% do Camboja e 20% da Tailândia. Assim, enfrentou menos pressão devido ao colapso das viagens internacionais.

O Vietnã entrou em 2020 com o empuxo de dois anos de fortes fluxos de investimento estrangeiro direto, após a guerra comercial EUA-China ter levado muitos fabricantes estrangeiros a transferirem suas operações para o país, que tem conexões comerciais com os EUA mais estáveis ​​e menos tarifadas.

No entanto, o FMI em seu relatório desta semana observou que as "medidas decisivas de Hanói para conter as consequências econômicas e de saúde da Covid-19" foram a principal razão para o crescimento econômico deste ano, um reconhecimento da resposta rápida e competente do Partido, que também foi conduzida com transparência incomum.

O FMI espera que a recuperação se propague fortemente para 2021, com um crescimento de 6,5%, “à medida que a normalização da atividade econômica interna e externa continua”, afirmou em seu relatório.

Nos primeiros nove meses do ano, o Vietnã registrou US$ 21,2 bilhões em novos projetos de investimento estrangeiro e injeções de capital externo, o equivalente a cerca de 80% do investimento que recebeu no mesmo período do ano passado, um ano excelente para investimentos.

Muitos dos investimentos feitos neste ano não entrarão em operação até 2021 ou mais tarde, o que também aponta para uma recuperação econômica saudável.

Quase um quinto de todo o aporte de capital estrangeiro neste ano veio de um investimento de US$ 4 bilhões da Delta Offshore Energy de Cingapura para uma nova usina de gás natural liquefeito na província de Bac Lieu, que não será concluída até 2024.

Como parte da ambição de Hanói de transitar da indústria de baixo valor agregado para a produção de tecnologia de ponta, o Vietnã também contou neste ano com projetos-chave de investimentos de empresas internacionais de eletrônicos.

A Furukawa Automotive Systems do Japão investiu em uma nova planta de fios elétricos para carros no mês passado, enquanto em setembro o parceiro local da Apple investiu US$ 1 bilhão em três novos projetos industriais.

No início do ano, a Apple anunciou que sua nova linha de fones de ouvido será produzida no Vietnã.

Smartphones, eletrônicos e computadores são os líderes em valor e participação nas exportações do Vietnã nos primeiros seis meses do ano, de acordo com um informe recente do Dezan Shira & Associates. As exportações de eletrônicos para os EUA aumentaram mais de 25% nos primeiros nove meses em comparação com o mesmo período de 2019.

Uma mudança política nos EUA poderia trazer mais boas notícias econômicas para o Vietnã. O presidente dos Estados Unidos em final de mandato, Donald Trump, manteve relações geralmente cordiais com o Vietnã, embora explosões e ameaças imprevisíveis tenham deixado Hanói com o pé atrás.

As ameaças de Trump de impor sanções ao Vietnã por causa de seu grande superávit comercial com os EUA pegaram muitos em Hanói desprevenidos. Para aliviar essas tensões, o governo vietnamita assinou vários acordos menos de que economicamente prudentes para importar mais produtos americanos.

Poucos meses depois de escolher Hanói para ser o anfitrião de suas negociações de paz com o líder norte-coreano Kim Jong-un no início de 2019, Trump ridicularizou o Vietnã como o “pior abusador” do comércio dos EUA. Em outubro, os EUA abriram uma investigação sobre uma possível manipulação da moeda vietnamita.

Hanói provavelmente encontrará um parceiro mais confiável e seguro no presidente eleito Joe Biden, que não deve ser tão obcecado quanto Trump em reduzir o superávit comercial do Vietnã com os EUA.

E embora se espere que um governo Biden dê maior prioridade às questões de direitos humanos, a maioria dos analistas supõe que o Vietnã obterá uma leniência relativa de Washington, assim como aconteceu quando Biden era vice-presidente no governo Barack Obama.

Em janeiro, mais ou menos na mesma época em que Biden tomará posse em Washington, milhares de delegados do Partido Comunista de todo o Vietnã irão convergir em Hanói para o Congresso Nacional do partido, que ocorre a cada cinco anos

Alguns observadores do Vietnã esperam que o primeiro-ministro Phuc se torne o próximo secretário-geral do Partido Comunista, um movimento que reforçaria sua ala reformista econômica do partido, embora Phuc não seja de forma alguma um reformista liberal ou político.

No que agora parece ser uma disputa entre dois times, seu principal adversário é o chefe do Secretariado do Partido Comunista, Tran Quoc Vuong, alinhado com o atual chefe do Partido, Nguyen Phu Trong, e sua ala mais conservadora, que é vista como mais cética em relação a reformas econômicas aceleradas.

Se Phuc assumir o papel de chefe do Partido, isso também pode abrir caminho para que outro quadro com foco mais econômico se torne primeiro-ministro, o chefe nominal do governo.

Se haverá continuidade ou mudança nas relações EUA-Vietnã e na política interna do país é um objeto de especulação, mas o que é certo é que a economia do país provavelmente será novamente a inveja da região em 2021.