Por Gordon Brown e Robert Skidelsky[1]
Tradução de Artur Araujo do texto original que pode ser lido aqui.
Mesmo que o lançamento bem-sucedido de uma nova vacina contra Covid-19 faça com que a atual crise de saúde diminua na próxima primavera, a crise do desemprego permanecerá. Isso é especialmente verdadeiro no Reino Unido, onde o estímulo fiscal é urgentemente necessário para evitar uma década perdida - se não uma geração perdida - de crescimento
EDIMBURGO / LONDRES - Na esteira da pandemia de Covid-19, as economias dos Estados Unidos e da Europa estão se preparando para a criação de empregos em grande escala. O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, prometeu investir setecentos bilhões de dólares em manufatura e inovação, além de dois trilhões de dólares em um Biden Green Deal para combater as mudanças climáticas e promover energia limpa. Enquanto isso, a Alemanha abandonou anos de poupança apoiando um fundo de recuperação da União Europeia de 750 bilhões de euros (887 bilhões de dólares) e, como a França, manterá seu próprio programa nacional de retenção e criação de empregos ao longo de 2021.
Em contraste, o chanceler do Tesouro [ministro da Economia] do Reino Unido, Rishi Sunak, ficou para trás. Em março, muitos esperavam que a Grã-Bretanha experimentaria uma recuperação em forma de V. À medida que essa perspectiva se desvanecia, ficou claro que a operação de resgate de Sunak precisava ser combinada com um plano de recuperação viável.
A visão consensual é que tanto o Reino Unido quanto a economia global serão menores em 2021 do que eram em 2019. O Fundo Monetário Internacional prevê que a economia global será 6,5% menor do que o previsto antes da crise da Covid-19, com um legado de desemprego de pelo menos o dobro do padrão pré-pandemia.
Essas previsões mais sombrias provocaram apelos internacionais pelo restabelecimento de uma política fiscal ativa, com o FMI solicitando aos governos dos países ricos que iniciem grandes programas de investimento público. Em seu último Monitor Fiscal, o Fundo afirma que aumentar o investimento público em 1% do PIB poderia impulsionar o PIB em 2,7%, o investimento privado em 10% e o emprego em 1,2%.
O apelo do FMI à ação é particularmente importante, porque o Fundo foi o campeão da contenção fiscal durante a crise financeira global de 2008-09, apesar da necessidade óbvia de estímulo. Seu modelo macroeconômico anterior, como o da maioria dos outros economistas e formuladores de políticas da época, baseava-se na teoria falha de que as economias de mercado têm uma tendência natural de alcançar o pleno emprego. Isso ignorou a verdade, articulada de forma mais persuasiva por John Maynard Keynes, de que, na ausência de estímulo governamental, as economias podem permanecer naturalmente presas à recessão por muito tempo.
O Banco da Inglaterra [BOE] também mudou de tom. Está prestes a injetar mais 150 bilhões de libras (198 bilhões de dólares) na economia do Reino Unido, além dos mais de duzentos bilhões de libras que já injetou em 2020, e agora percebe que não pode, sozinho, fazer todo o trabalho pesado. As empresas não investem, não importa quão baixo seja o custo do capital, até que vejam um mercado. É por isso que o BOE agora se juntou ao Federal Reserve [banco Central] dos Estados Unidos e ao Banco Central Europeu para pedir estímulos fiscais.
Antes da Covid-19, a política monetária parecia ser o único jogo do momento [only game in town]. Agora, se quisermos evitar o desemprego em massa e a consequente perda de demanda na economia, a criação de empregos deve se tornar a prioridade absoluta após o lockdown.
Para seu crédito, o governo do Reino Unido antecipou oito bilhões de libras em gastos com infraestrutura no verão passado. Mas isso é apenas uma fração do que é necessário. O governo agora está antecipando seu plano de investimentos de quarenta bilhões de libras, de cinco anos, para os próximos dois anos e meio, e dando prioridade a grandes projetos ambientais e de habitação social. A reforma de casas e bens públicos locais poderia criar rapidamente muitos empregos, com efeitos multiplicadores imediatos.
Os esquemas regionais e locais de emprego e treinamento são essenciais para a tarefa de longo prazo de realocar o trabalho e as habilidades para o mercado de trabalho do futuro. A lição do New Deal for Young People de 1998 e do Future Jobs Fund de 2009 do Reino Unido é que tais programas devem oferecer não apenas treinamento e experiência de trabalho, mas também assistência na procura de emprego e incentivos para que os empregadores contratem pessoas de forma permanente.
Estimamos que um milhão de jovens britânicos com menos de 25 anos não estão trabalhando, não estão em treinamento ou educação. Mas o esquema de criação de empregos Kickstart [partida rápida] do governo, que foi lançado tardiamente no início deste mês, ofereceu vagas de emprego para jovens apenas por períodos de seis meses.
O governo esperava que o Kickstart garantisse colocações para trezentos mil jovens, mas talvez apenas cerca de cem mil estarão inscritos no esquema até o final de 2020. Os ministros supuseram que 5% dos empregadores do Reino Unido contratariam jovens mas, fora dos setores de comércio varejista e logística, milhares de empresas estão planejando demissões e quase certamente não oferecerão empregos na escala esperada nos próximos meses.
Se quisermos ajudar os outros novecentos mil ou mais com menos de 25 anos que precisam de socorro e criar os cerca de 1,5 milhão de colocações para jovens que serão exigidas no próximo ano, o setor público terá de se tornar o empregador de último recurso. Assim, em vez de responder passivamente a um aumento no desemprego, a política fiscal deve ter como objetivo substituir o "exército de reserva de desempregados" de Karl Marx por um estoque regulador de empregos apoiados pelo Estado e de esquemas de treinamento que se expandem ou se contraem com o ciclo de negócios.
O que precisamos, acima de tudo, dos legisladores do Reino Unido é um compromisso atualizado com o pleno emprego no espírito de Keynes e do presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt. Uma condição essencial para isso é a coordenação das políticas monetária e fiscal. O BOE deve manter seu mandato anti-inflação, mas os formuladores de políticas não devem usá-lo para cortar o estímulo fiscal necessário.
No início deste mês, o BOE ecoou a famosa promessa de 2012 do então presidente do BCE, Mario Draghi, de salvar o euro, declarando que ele "está pronto para tomar qualquer ação adicional necessária" para impulsionar a economia. Para aumentar a credibilidade dessa orientação futura, o governo poderia dar ao BOE um mandato duplo para combater a inflação e o desemprego, enquanto o banco poderia afirmar que não apertará a política monetária até que o desemprego caia abaixo do nível pré-crise de 4%.
Uma implementação bem-sucedida da nova vacina contra a Covid-19 da Pfizer (e possivelmente outras) pode trazer a vida de volta a uma aparência de normalidade na próxima primavera [a partir de março no hemisfério Norte]. Mas mesmo que a crise sanitária diminua, a crise do desemprego permanecerá. Os legisladores do Reino Unido devem agir agora para evitar uma década perdida - se não uma geração perdida - de crescimento.
[1] Gordon Brown, ex-primeiro-ministro e Chanceler do Tesouro [ministro da Economia] do Reino Unido, é enviado especial das Nações Unidas para a educação global e presidente da Comissão Internacional de Financiamento Global de Oportunidades de Educação.
Robert Skidelsky, membro da Câmara dos Lordes britânica, é professor emérito de economia política na Warwick University.