Artigo de Marcelo Manzano
Os dados oficiais do IBGE sobre os efeitos da pandemia no mercado de trabalho brasileiro são alarmantes, em especial porque revelam destruição mais intensa de postos de trabalho em ocupações nas quais se concentram os trabalhadores sujeitos a vínculos precários, de menor renda e de menor escolaridade.
De acordo com estudo realizado pelo Ipea encadeando a Pnad Contínua (fev-maio) à Pnad Covid-19 (mai-set), a população ocupada caiu 12,8 milhões entre fevereiro e julho, registrando uma tímida retomada entre agosto e setembro, quando foram recuperados 1,5 milhão (11,3%) dos postos de trabalho perdidos nos cinco meses anteriores.
O mais grave, entretanto, é que esse forte baque sobre o mercado de trabalho brasileiro tem produzido um quadro até certo ponto inédito, com maior e mais prolongada eliminação de postos de trabalho justamente entre aquelas ocupações caracterizadas por maior precariedade e menor remuneração. Diferentemente do que acontecia em crises anteriores, quando os trabalhadores mais vulneráveis costumavam buscar alternativas de renda no trabalho doméstico, nas atividades por conta-própria ou como assalariados sem carteira, na crise atual, são justamente essas ocupações que registram contração mais intensa e maior dificuldade na recuperação.
Como é possível notar pelo gráfico (extraído do referido estudo do Ipea), dadas as especificidades decorrentes dos planos de contingência e da interrupção abrupta dos fluxos de renda a partir de março, praticamente 1 em cada 3 ocupados como trabalhador doméstico perdeu o emprego, sem sinais de recuperação. Em trajetória similar, porém um pouco menos intensa, os trabalhadores assalariados no setor privado sem carteira sofreram viram desaparecer 22% dos empregos, enquanto 16% dos trabalhadores por conta-própria perderam suas ocupações.
Note-se que, no conjunto, a população ocupada total só não caiu de forma mais intensa, graças ao aumento de 8,5% dos ocupados no setor público (movimento diretamente relacionado com as demandas da saúde pública) e a ampliação em 10% dos trabalhadores familiares auxiliares que não recebem remuneração.
Em suma, o quadro de desestruturação do mercado de trabalho brasileiro até setembro não apenas é muito preocupante pela própria magnitude da eliminação de postos de trabalho, mas talvez ainda mais pela maneira desigual que alcança diferentes tipos de trabalhadores – em detrimento dos mais frágeis – e pela recuperação anêmica que se percebe nesses mesmos segmentos.
Marcelo Manzano é economista e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) do Instituto de Economia da Unicamp.